O globo, n. 30.061, 26/11/2015. País, p. 27

Energia no caixa

Leilão de usinas antigas garante R$ 17 bi ao governo, mas tarifa ao consumidor deve subir

O governo vendeu ontem as 29 concessões de hidrelétricas antigas oferecidas ao mercado, arrecadando R$ 17 bilhões e atraindo investidores estrangeiros. Mas os recursos só devem entrar nos cofres públicos no ano que vem. E o valor que as empresas ofereceram para as tarifas representará custo extra de R$ 2,74 bilhões aos consumidores em 2016. -SÃO PAULO E BRASÍLIA- O leilão de 29 hidrelétricas cujas concessões haviam expirado nos últimos dois anos foi um sucesso. Depois de vários leilões do setor elétrico em que a maioria das concessões ofertadas encalhou, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) conseguiu vender todos os lotes, e o governo comemorou a arrecadação extra de R$ 17 bilhões a serem pagos a título de outorga pelos novos concessionários. Mas o sucesso do novo modelo de concessão adotado pelo governo implicará para os concessionários aumento de custos, que terão que ser repassados às tarifas de energia pagas pelos consumidores.

DIVULGAÇÃOIlha Solteira. A hidrelétrica do estado de São Paulo estava no lote mais caro, arrematado pelos chineses

Cálculo do Grupo de Estudos de Energia Elétrica (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estima que, já em 2016, um custo extra de R$ 2,74 bilhões terá de ser repassado às tarifas. Isso porque, explica o coordenador do Gesel, Nivalde de Castro, o preço médio das tarifas dessas usinas, até agora, era de R$ 30 por megawatt/hora. Com a mudança no modelo, subiu a R$ 124,88 por megawatt/hora, preço médio do leilão de ontem. Ao longo dos 30 anos de concessão, a diferença chegaria a R$ 80 bilhões.

— Na verdade, haverá um aumento de tarifa, quando ela deveria baixar. A Aneel terá que fazer uma revisão de tarifas para o consumidor, que terá impacto na inflação — diz Castro.

Foram leiloadas hidrelétricas em seis estados: Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo e Paraná, que eram operadas por empresas que não concordaram em antecipar a renovação da concessão em 2012, em troca da redução do preço na tarifa de energia, como previa a Medida Provisória 579. Venceram as empresas que ofereceram o menor custo de operação das usinas — item que interfere diretamente no custo da energia — a partir do valor máximo fixado pelo governo. DESÁGIO DE R$1,68 O maior lance foi da chinesa Hidrelétrica Três Gargantas (CTG), dona da maior usina hidrelétrica do mundo, na China, e sócia de Furnas na operação da usina de São Manoel. A empresa pagou outorga de R$ 13,8 bilhões pela as usinas de Jupiá e Ilha Solteira, até então operadas pela estatal paulista de energia, a Cesp, que não conseguiu financiamento e ficou fora da disputa. Para o custo de operação a chinesa ofereceu R$ 2.381.037.417,00, apenas R$ 1,68 menos do que o preço teto fixado pelo governo para o lote. As novas concessões, que têm potencial instalado de 6 mil megawatts (MW), terão prazo de 30 anos.

Na avaliação do diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), José Jorhosa, a “relicitação” das usinas foi um grande sucesso.

— Foi um sucesso, dado o momento da economia e teremos uma tarifa média de R$ 124,88 o megawaltt/hora. Acreditamos que esse é o valor justo — disse Jorhosa.

O vice-presidente de negócios da Três Gargantas no Brasil, João Meireles, disse que a aprovação que a Medida Provisória 668, na noite de quarta-feira, dando aval às regras do leilão, assegurou a participação da empresa.

— Hoje, avançamos bastante na decisão de investir no Brasil e a aprovação da MP foi muito importante, já que nos dá segurança jurídica para investir no país. Aqui, a CTG tem o mesmo DNA que na China: investir em grandes obras — disse Meireles.

Para Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), do ponto de vista de arrecadação, o leilão realmente foi um sucesso.

— O governo precisava fazer caixa e conseguiu com o valor fixo de outorga. Entretanto, não foi um leilão disputado. O lote em que havia as usinas de Ilha Solteira e Jupiá, os chineses levaram. Eles eram os únicos competidores com capacidade financeira — disse Menel.

A nova modelagem do leilão, que permite aos concessionários vender 30% da energia gerada ao mercado livre (muito mais rentável), fez que o governo obtivesse sucesso, diz Thais Prandini, diretora-executiva da consultoria Thymos Energia.

— Isso fez que esses ativos ficassem interessantes aos investidores.

A única disputa que chegou ao viva-voz foi pela Usina de Rochedo, localizada em Goiás e arrematada pela companhia de energia do estado, a Celg. A estatal ofertou R$ 5.006.000,00 como custo dos serviços, deságio de 13,58% sobre o preço-teto. A outorga será de R$ 15.820.919,00.

O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata, fez coro à Aneel e considerou o leilão “um sucesso”. Segundo ele, a flexibilização de regras para ingresso de empresas estrangeiras permitiu que a chinesa Três Gargantas oferecesse lances sem qualquer parceiro nacional.

— Desde o primeiro momento os chineses se apresentaram como interessados e compareceram a visitas técnicas às usinas. O dinheiro estrangeiro é bem-vindo. O governo não faz ressalvas ou reservas ao capital estrangeiro, desde que as leis locais sejam respeitadas — disse.

Já o secretário de Energia de São Paulo, João Carlos Meirelles, chamou o leilão de uma “solução fazendária”. Destacou que, dos R$ 17 bilhões arrecadados, nem um centavo será destinado a investimentos para o setor elétrico.

Meirelles destacou, ainda, que, a partir de janeiro, as 29 usinas terão seu custo médio elevado, de cerca de R$ 36 por Mwh para R$ 137 por MWh. Segundo o secretário, a Cesp, já decidira em 2013 não participar dos leilões, porque não aceita pagar mais por usinas que haviam sido construídas pelo governo estadual. Ele disse ainda que o governo paulista cobrará indenizações de até R$ 2,5 bilhões pela devolução das usinas de Jupiá e Ilha Solteira.