O Estado de São Paulo, n. 44591, 18/11/2015. Internacional, p. A15

Policiais relatam ‘inferno’ no Bataclan

JAMIL CHADE, ENVIADO ESPECIAL / PARIS - O ESTADO DE S.PAULO

 

“Era uma cena do Inferno de Dante”. Foi assim que policiais descreveram o ambiente na casa de shows Bataclan, em Paris, durante o ataque terrorista de sexta-feira – 86 pessoas morreram no local. Agentes que participaram da invasão do salão para atacar os extremistas receberam ontem um grupo de jornalistas, entre eles a reportagem do ‘Estado’, para dar detalhes da operação.

Na noite do ataque, a polícia entrou no local às 22 horas, cerca de 15 minutos depois de os terroristas terem invadido a sala de shows e começarem a executar as pessoas enquanto a banda Eagles of Death Metal tocava. “Assim que entramos, demos de cara com os terroristas e houve troca de tiros. Eles ainda estavam perto da porta de entrada, executando um por um”, disse um dos policiais. Por questões de segurança, os nomes dos agentes não foram revelados.

 

 

Um primeiro terrorista se explodiu logo em seguida e os policiais admitem que não sabem até agora se o cinto com as bombas foi detonado por um tiro deles ou se a explosão foi acionada pelo próprio criminoso. Naquele momento, as pessoas tentavam se esconder nos banheiros, no telhado e saindo por uma das portas laterais depois de entrar pelo palco.

Apesar da escuridão, os policiais contam que se deram conta rapidamente de que o chão já estava repleto de corpos. Alguns, segundos os agentes, estavam se fingindo de mortos, enquanto dezenas de feridos pediam ajuda.

Naquele momento, a prioridade era encontrar os dois terroristas ainda no local. “Ninguém sabia se eles tinham fugido com algumas das pessoas que conseguiram sair pela porta lateral ou se ainda estavam ali”, disse. Eles eram Ismail Mostefai e Samy Amimour. Pouco depois, uma unidade de elite chegou ao local. Muitos dos feridos já estavam mortos e apenas se ouvia o barulho dos celulares tocando.

Busca. Às 22h15, duas unidades, cada uma com 20 homens, decidiu subir ao primeiro andar da sala de shows. Os policiais eram os mesmos que, em janeiro, participaram da operação em um supermercado judaico, tomado por um terrorista.

No primeiro andar, dezenas de pessoas estavam ainda escondidas em cantos escuros, atrás de pilastras e mesmo sob tapetes. Mas era ali, num dos corredores fechados com duas portas, que estavam os dois terroristas. Eles haviam usado um refém como espécie de mediador e guia. Uma hora mais tarde, os oficiais chegaram até uma porta e ouviram barulhos. Era a voz do “guia”, que alertava a polícia de que ele era um dos reféns e os terroristas estavam com ele. O homem ainda alertou que os terroristas avisavam que matariam a todos se a polícia decidisse intervir.

Segundo os policiais, o refém mais tarde contaria que os terroristas usaram aquele momento para dizer aos reféns porque eles estavam ali e até explicar a chacina. Os motivos seriam as mortes na Síria causadas por “forças ocidentais”. “Eles ainda disseram aos reféns que aquilo era apenas o começo e eles estavam presenciando o início de uma guerra”, contou um policial.

Celular. Às 23h20, um dos terroristas concordou em passar seu número de celular aos policiais. Cinco chamadas foram realizadas. “Mas eles não queriam negociar”, contou um agente. A única exigência era de que queriam falar com a imprensa. “Também diziam que, caso não saíssemos dali, eles prometiam degolar cada uma das pessoas e jogá-las por uma janela.”

A partir daquele instante, os reféns passaram a ser usados como escudos humanos. Eram eles quem eram obrigados a olhar pelas janelas para informar os terroristas onde estavam os carros da polícia.

Ação final. Durante esse tempo, os terroristas passaram a testar os reféns. O guia, por exemplo, foi ordenado a queimar dinheiro diante de todos para mostrar que “não era a riqueza que importava”. Segundo os relatos, os terroristas ainda exigiam que os reféns dissessem se estavam de acordo com a retaliação que estavam aplicando. Num clima de total tensão, alguns poucos faziam sinal positivo com a cabeça.

Uma hora depois de o início das negociações, a polícia recebeu ordem para invadir o local e acabar com o sequestro. Era 0h20 de sábado e uma ampla equipe de médicos foi colocada de prontidão para atender àqueles que pudessem sair feridos do local.

Assim que a porta foi derrubada pelos policiais, um grande tiroteio começou e alguns dos reféns conseguiram escapar. Granadas ainda foram jogadas pelos policiais – uma delas teria atingido um dos terroristas.

Naquele momento, mais um terrorista acionou seu cinturão de bombas. Ao final de uma operação de resgate de três minutos, um policial foi ferido e os dois terroristas restantes, mortos. Graças à ação dos policiais, muitos dos reféns conseguiram escapar – o número de espectadores no show era de cerca de 1,5 mil.