O Estado de São Paulo, n. 44592, 19/11/2015. Opinião, p. A2

Estratégia para o Brasil – Introdução

ROBERTO MACEDO

 

Começo hoje uma série de artigos sobre essa estratégia. A crise política, econômica e social em andamento jogou o País num poço de fundo ainda não atingido e vem estimulando propostas de como sair dele. Optei por também listar as minhas na forma de uma série de artigos, já que o tema requer análise mais abrangente e integrada.

Adianto linhas que darão essa direção à série. Tenho minhas próprias ideias, mas procurarei assentá-las em conhecimento já acumulado. O mundo é globalizado e sua longa História enseja muitas lições recolhidas por autores consagrados. Um dos meus prediletos é o historiador econômico americano David Landes (1924-2013) e seu livro A Riqueza e a Pobreza das Nações – Por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres (Campus, 1998). Landes concluiu sua carreira na Universidade Harvard. Essa é sua obra mais influente e a versão que possuo tem 658 páginas.

Ele enfatiza fatores culturais como determinantes do desempenho das nações. Seu livro também me foi muito útil porque reitera como atuais as lições de outro autor ainda mais famoso e que prezo muito, o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Weber é mais conhecido por sua análise da evolução do capitalismo, na qual também destacou questões culturais, em particular apontando a importância da ética do protestantismo calvinista no desenvolvimento do capitalismo nos EUA.

Essa ética revelava uma vocação ou um compromisso efetivo com o trabalho voltado para necessidades materiais, e com disciplinada abstinência de qualquer prodigalidade na utilização dos lucros obtidos desse esforço, o que conduzia a uma acumulação de capital muito rápida. Essa visão foi publicada em 1904 e não ficou isenta de controvérsias, daí meu entusiasmo pela avaliação recente de Landes.

As próprias biografias de Weber e Landes revelam traços dessa ética. O primeiro ficou vários anos trabalhando de graça como assistente de advogados e numa universidade. Landes trabalhou enquanto pôde e certa vez disse que há pessoas que trabalham para viver, outras vivem para trabalhar.

Adianto que nessa vertente minha pregação enfatizará o trabalho e a poupança investida como a rota da prosperidade pessoal e familiar, e não a dependência do Estado e o consumo assentado no endividamento, tão a gosto do lulopetismo mercador de ilusões. E a educação também será vista como um investimento, aliás, o melhor que fiz em minha vida.

Assim, irei além do ajuste fiscal de que tanto se fala. Ele é um passo fundamental para sair dessa enrascada, pois em 2014 o governo rompeu a já então danificada barragem da responsabilidade e a lama resultante segue com seus enormes danos. Tanto assim é que vejo como insuficiente o ajuste em andamento, que no Congresso seguiu um caminho minado pela “políxica” ali praticada, como ao aprovar pautas-bomba e procrastinar o exame de medidas propostas pelo Executivo. Prioritário, o ajuste será tema do próximo artigo.

Avançar além da questão fiscal se justifica porque são muitos e de várias naturezas os problemas a resolver para que o Brasil de fato siga o caminho de um desenvolvimento econômico e social robusto e sustentável para ser capaz de se aproximar efetivamente dos países mais ricos. Seguir desde já esse caminho é importante para alimentar a operosa esperança de que dias melhores sobrevirão ao doloroso ajuste, além de aliviar seus efeitos. Reverter expectativas negativas sobre o futuro da economia é crucial para seu desempenho no presente.

Assim, cabe uma estratégia também com esses demais objetivos buscados e os caminhos para alcançá-los, uma segunda linha da série. Há estrategistas de renome internacional, como Michael Porter, também de Harvard, onde pontifica na escola de Administração. Seus estudos mais conhecidos são dos determinantes das vantagens competitivas das empresas e das nações, e das estratégias decorrentes. Destacarei um estudo que realizou com Jeffrey Sachs e John McArthur, dois especialistas em desenvolvimento econômico, o primeiro conhecido no Brasil. Eles ressaltam que a estratégia adequada depende muito do estágio em que o país se encontra. O Brasil está num estágio de renda média, em que usa tecnologia local e principalmente a importada no desenvolvimento de uma base produtiva na qual é muito forte a presença da produção de commodities. Mas em lugar de depreciar essa produção, como muitos fazem, entendo que deve ser fortalecida, em especial no agronegócio, na mineração e alcançando também a metalurgia, pois são áreas em que o Brasil tem reconhecida experiência, mas cuja competitividade precisa ser aprimorada, como por meio de infraestrutura adequada. Nesta, destaque também será dado à construção habitacional e ao saneamento básico, ingredientes indispensáveis à construção de um país próspero. Até porque a aquisição de casa própria é tipicamente uma poupança investida.

Recorrerei também a autores nacionais e a outro latino-americano num tema em que têm vantagens analíticas competitivas em face de sua experiência com um mal de nascença institucional típico da região, o patrimonialismo. Aliás, é uma das desvantagens competitivas da América Latina em geral. Há uma análise recente do tema no livro Patrimonialismo Brasileiro em Foco (Vide Editorial, 2015), de Paim, Batista, Kramer e Vélez Rodríguez, resenhado neste espaço por Nicolau da Rocha Cavalcanti (Arraigado patrimonialismo, 13/11). E para reforçar a latino-americanidade recorrerei ao educador, filósofo e sociólogo colombiano Bernardo Toro. A quem não o conhece recomendo sua entrevista nas páginas amarelas daVeja desta semana. Ele mostra que nossos males são de fato comuns a vários países da região e aponta caminhos que aqui também se aplicam, inclusive na área educacional.

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR