Meu filho, terrorista

 

Família queria ver jihadista morto

ANDREW HIGGINS KIMIKO DE FREYTAS TAMURA, THE NEW YORK TIMES - O ESTADO DE S.PAULO

 

Quando a família de Abdelhamid Abaaoud recebeu, no ano passado, a informação da Síria de que ele morrera em combate pelo Estado Islâmico, ficou feliz com a notícia, que considerou excelente sobre o filho rebelde que acabara desprezando. “Estamos rezando para que Abdelhamid tenha morrido de fato”, disse na época a irmã mais velha, Yasmina.

As orações da família – e as esperanças das autoridades ocidentais da área de segurança – não foram atendidas. Abaaoud, na época com 26 anos, estava na realidade voltando para a Europa para se encontrar secretamente com extremistas islâmicos determinados a espalhar o caos. Desde então, ele participou de uma série de operações terroristas que culminaram nos ataques em Paris, na sexta-feira.

“Evidentemente, não dá alegria derramar sangue. Mas, de tempos em tempos, é agradável ver o sangue dos descrentes escorrer”, declarou Abaaoud num vídeo em francês destinado ao recrutamento de militantes.

A constatação de que Abaaoud voltara à Europa levou as autoridades de segurança a empreenderem uma importante operação para interceptá-lo. Em janeiro, foi invadida uma casa destinada a abrigar militantes que ele ajudara a montar no leste da Bélgica. As autoridades belgas alardearam que a invasão havia frustrado “uma importante operação terrorista”. Mas ela falhou em seu alvo principal, Abaaoud, que então conseguiu voltar para a Síria.

Na qualidade de combatente de escalão inferior, é improvável que Abaaoud tenha se envolvido com figuras dos escalões mais altos da hierarquia do grupo militante, afirmaram especialistas na Bélgica. Mas ele tinha um bem valioso para os líderes do EI, ansiosos por levar sua luta à Europa: um grupo enorme de amigos e contatos no seu país dispostos a realizar os ataques.

Sua família não era pobre. Seu pai, Omar, era proprietário de uma loja de roupas na praça do mercado de Molenbeek, um bairro de Bruxelas, e a família vivia nas proximidades, numa casa espaçosa, embora mal conservada da Rue de l’Avenir – Rua do Futuro –, perto da delegacia local.

Apesar de suas posteriores denúncias das injustiças sofridas pelos muçulmanos na Europa, ele desfrutou de privilégios acessíveis a poucos imigrantes, como a admissão em uma escola católica exclusiva, o Collège Saint-Pierre d’Uccle, num bairro residencial de classe alta em Bruxelas.

Ele foi matriculado como aluno do primeiro ano do secundário, mas frequentou um ano. Uma assistente do diretor de Saint-Pierre, que não quis se identificar, disse que ele foi reprovado. Segundo outros, ele teria sido expulso por mau comportamento.

Então, ele acabou fazendo parte de um grupo de amigos em Molenbeek que se envolveram em vários crimes menores. Entre seus amigos estavam Ibrahim e Salah Abdeslam, dois irmãos que, como Abaaoud, moravam a poucas quadras e hoje estão no centro da investigação dos ataques de Paris.

Ibrahim Abdelslam foi um dos suicidas da sexta-feira e Salah Abdeslam, que alugou um carro em Bruxelas para transportar alguns dos terroristas dos ataques em Paris, é alvo de uma intensa caçada humana.

Abaaoud foi preso por crimes pequenos em 2010 e passou algum tempo na mesma prisão em Bruxelas onde Ibrahim Abdeslam ficou preso, segundo o porta-voz do procurador geral da Bélgica e ex-advogado de Ibrahim. Não se sabe se eles tiveram contato na prisão, mas não ficaram por lá muito tempo. Depois de serem soltos, voltaram para Molenbeek e frequentavam o barzinho sujo conhecido por ser frequentado por traficantes de droga.

Para consternação da família, que não percebera nele nenhum zelo religioso, Abaaoud, de repente, se mudou para a Síria no inicio de 2014, segundo especialistas em combatentes jihadistas, que seguem os movimentos dos militantes belgas.

Logo depois de sua chegada à Síria, onde morou por algum tempo num enorme palacete em Alepo, usado para abrigar os jihadistas de língua francesa, ele explicou sua escolha num vídeo. “Toda a minha vida vi escorrer sangue muçulmano. Peço a Deus que quebre as costas dos que se opõem a ele e os extermine”, falou.

Ele conseguiu também convencer seu irmão mais novo, Younes, que estava ainda em Molenbeek e tinha apenas 13 anos, a ir com ele para a Síria. O menino saiu da Bélgica por conta própria, sem despertar nenhuma suspeita das autoridades. O pai de Abaaoud moveu uma ação contra o filho em maio por ter recrutado Younes.

“Não aguento mais”, declarou Omar na época. “Estou tomando remédios”, afirmou, acrescentando que seu filho desonrara a família. “Ele destruiu nossas famílias. Não quero vê-lo nunca mais.” Agora, o pai mora no Marrocos e quer colocar à venda sua propriedade na Rue de l’Avenir, informou um amigo da família. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

 

 

Luta vã de um pai contra o radicalismo

YANAN WANG, THE WASHINGTON POST - O ESTADO DE S.PAULO

 

De longe Azzédine reconheceu o sorriso do filho. Depois, à medida que se aproximou, notou as muletas, a atitude fria. Eram as marcas de uma vida de combate que ele não compreendia, um vida da qual tentou desesperadamente salvar seu filho.

Num artigo publicado em dezembro de 2014, o jornal francês Le Monde relatou a dolorosa jornada do vendedor franco-argelino de 67 anos para tentar recuperar seu filho das mãos do Estado Islâmico.

Embora o artigo se referisse ao filho usando o pseudônimo “Khader”, sua verdadeira identidade foi revelada na segunda-feira: tratava-se de Samy Amimour – um francês, de 28 anos, identificado como um dos três homens-bomba responsáveis pela morte de mais de 80 pessoas na sala de concertos Bataclan em Paris, na noite de sexta-feira.

Le Monde republicou o artigo quando foi anunciado que Amimour era um dos terroristas. Na matéria, seu pai, Azzédine, foi chamado como Mohamed.

O artigo narra a história de um homem que perdeu o filho para forças que estavam além do seu controle e da sua compreensão.

Quando ainda vivia com seus pais num subúrbio a noroeste de Paris, Samy trabalhava como motorista de ônibus. O prefeito de Drancy, onde o jovem cresceu, disse a outro jornal, Libération, que se lembrava dele, “do menino bem educado, tímido e sempre usando roupas esportivas”.

Aos 22 anos, contudo, teve início a radicalização de Samy. Começou a frequentar uma mesquita, proibiu os pais de assistirem à TV e exigiu que sua mãe usasse véu.

Em 2012, Samy foi interrogado por autoridades francesas sobre seus vínculos com uma rede de simpatizantes do terrorismo e uma planejada viagem ao Iêmen que jamais ocorreu. Finalmente, ele partiu para a Síria e se juntou ao Estado Islâmico.

Azzédine preocupava-se de que, na Síria, o filho fosse assassinado pelos soldados de Bashar Assad. Na França, onde vários jovens jihadistas haviam sido condenados, ele temia que o rapaz fosse enviado à prisão.

Seu plano, então, era encontrar Samy na Síria e convencê-lo a começar uma vida nova na Argélia.

Nada aconteceu como ele previa.

Embora tenha conversado com o filho pelo Skype havia pelo menos um mês, Azzédine nunca entendeu o poder que o Estado Islâmico exercia sobre ele até ir visitá-lo sem avisar.

Determinado a convencer o filho de abandonar o caminho violento que estava seguindo, Azzédine só disse a ele que iria ao seu encontro quando chegasse à fronteira entre Turquia e Síria, depois de viajar da França para Istambul.

Embora suspeitando das intenções do pai. Samy colocou-o em contato com contrabandistas que o levaram até Minjeb, Siria, onde a bandeira negra do EI tremulava ao vento.

“Você veio lutar apesar da sua idade”, pessoas que viajavam com ele o elogiaram no final de uma viagem que incluía militantes armados e campos de minas.

Mas naturalmente seu objetivo era o oposto. Ele estava ali para tentar levar de volta para casa um dos combatentes que não era mais o filho que ele conhecia.

O encontro esperado havia meses foi gelado e brusco, um “fracasso”.

Samy veio de Raqqa, capital de facto do Estado Islâmico e estava acompanhado por um outro homem que jamais deixou os dois sozinhos.

Ele não levou o pai à sua casa e não explicou como havia sido ferido ou se participava de combates. Naquela noite Azzédine deu a ao filho um envelope com uma carta da mãe e ¤ 100 dentro. Samy leu a carta e devolveu o dinheiro, dizendo que não precisava dele.

Tentando compreender a nova vida do filho, Azzédine conversou com alguns militantes companheiros dele. Eles lhe mostraram vídeos de assassinatos ao vivo que o aterrorizaram ainda mais.

“Vi imagens horríveis. Não aguentava mais”, disse o pai.

Dois ou três dias após sua chegada à Síria, Azzédine partiu para a Turquia com o coração pesado e retornou à França sem ter nenhum problema com as autoridades da imigração.

Ele viajou com uma francesa de olhos verdes e seu bebê de seis meses.

“O marido dela estava se preparando para cometer um ataque suicida”, disse ele aLe Monde. “Ela parecia feliz.”

De volta à sua casa entendeu que nada conseguira com sua viagem à Síria. O filho lhe escapara. Sua mulher, contudo, ainda tinha esperanças de que Samy abandonaria o Estado Islâmico.

“Ela quer voltar à Síria comigo. Acha que conseguirá convencê-lo. Não quero que ele fique lá o resto de sua vida”, dizia.

Isso ocorreu em dezembro. Agora não há mais mistério sobre o que Samy estava fazendo com o Estado Islâmico e o que estava disposto a sacrificar. Numa palavra, tudo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO