O Estado de São Paulo, n. 44606, 03/12/2015. Opinião, p. A2

Estratégia para o Brasil – o ajuste fiscal

ROBERTO MACEDO

Este artigo inicia uma série voltada para questões carentes de enfrentamento pelo governo federal na atual crise política, econômica e social. Começo com o problema fiscal, desastroso por seu tamanho e sua gravidade.

Rompida a represa da Samarco em Mariana, vi alguma semelhança nos processos dos dois desastres. Na área fiscal, a barragem era a de uma frágil responsabilidade fiscal que precariamente segurava a lama de detritos dessa área, como as tais “pedaladas”, na forma de adiantamentos ilegais de bancos públicos ao governo. E também os poluentes vindos da forte aceleração de vários gastos, com propósitos eleitoreiros. Em 2014 esses movimentos, bem mais velozes e intensos, romperam a barragem no fim do ano.

A lama seguiu seu curso destruidor, começando por agravar seriamente a já ampliada desconfiança dos agentes econômicos quanto ao governo. A confiança é indispensável a decisões de consumidores e empresários e sua forte queda prejudicou a produção de bens e serviços, os empregos e os salários, e assim o meio ambiente social. Os últimos dados do PIB são de uma recessão já com traços de depressão.

 

O que fazer?

 

Os principais atores deveriam ser os políticos no poder, mas até aqui não se mostraram à altura dos desafios a enfrentar. Ao contrário, alguns até agravaram o desastre aprovando pautas-bomba no Legislativo. E falta-lhes o senso de urgência condizente com as necessidades do momento.

 

Com isso, o cenário político é um típico da medicina, mas que também alcança outros organismos: a contundência de um tratamento cresce com a gravidade da doença. Como esta é muito grave e o tratamento é fraco, só um agravamento ainda maior fará o Executivo e o Legislativo se mexerem com a rapidez e o empenho necessários.

 

Sou por um ajuste robusto e focado apenas nas despesas. A carga tributária tornou-se disfuncional. Precisa é ser reformada, pois, além de excessiva, é distorcida na sua eficiência econômica e justiça distributiva.

 

O debate sobre os gastos aponta várias propostas de cortes, mas até aqui ignoradas pelas cabeças decisórias, mais preocupadas com perspectivas de seu próprio corte e alérgicas a medidas não populistas. Entre as propostas, a de um Orçamento contido nas despesas e impositivo, a eliminação de vinculações orçamentárias que engessam esse Orçamento, uma reforma da Previdência Social começando por um limite mínimo de idade para as aposentadorias do INSS e a desindexação de benefícios sociais do salário mínimo. Cabe também um teto para a dívida pública federal. Ele já existe para Estados e municípios, cujo desempenho fiscal é muito mais adequado, apesar de a lama federal ter prejudicado suas receitas.

 

Mas ao levar adiante essas e outras ideias é preciso transmitir à sociedade a gravidade do problema, pois se não resolvido levará o País ao mesmo caminho da desastrada Grécia, para o qual o governo abriu as portas em 2014. Em 2015 já estamos em dezembro e ontem o Congresso ainda decidia se aprovava ou não um fato já consumado, o de que o Executivo descumpriu a meta fiscal anteriormente prevista para o ano. E a “nova meta” seria de déficits ainda maiores, tanto no conceito primário como no nominal. Lamentarei se o Congresso aprovar a revisão. Se não viesse, levaria a pagamentos postergados e falhas na prestação de serviços públicos, o que dramatizaria a gravidade do problema e a necessidade de medidas adequadas.

 

Mesmo se ocorrer a aprovação o governo deveria recorrer a medidas como essas e outras em 2016. Como a de não conceder reajustes de salários ao funcionalismo. Absurdo? Se a tragédia brasileira alcançar a grega, virão coisas piores.

 

E mais: cabe também acender a esperança de que dias melhores virão com finanças públicas equilibradas, da mesma maneira como os médicos recomendam as cirurgias que prescrevem. Um ajuste efetivo ajudaria no combate à inflação e, ao conter o crescimento da dívida, reduziria o temível risco de o País cair mesmo na lista dos devedores negativados nos serviços internacionais de proteção ao crédito. Abriria também espaço para reduzir os juros em geral, e o dos rentistas em fuga do investimento produtivo. Contido o endividamento, a política monetária do Banco Central também poderia ser utilizada para estimular a economia, como nos EUA na crise da década passada e, mais recentemente, na área do euro. E tal ajuste confrontaria toda essa desconfiança que desencoraja o consumo e os investimentos.

 

Realisticamente, não há como adotar rapidamente todas essas medidas e outras na mesma linha. O importante, contudo, seria anunciar um ajuste contundente e crível na sua promessa de dias melhores e tomar de imediato algumas medidas de impacto que confirmassem essas características. Isso para promover o que os economistas chamam de reversão de expectativas, hoje contaminadas pela desconfiança no governo.

 

Por exemplo, medida de rápida execução seria abandonar o modelo de partilha na exploração do petróleo na área do pré-sal, que impôs a participação da Petrobrás em todos os projetos, fragilizando a própria empresa, numa das maiores e mais prejudiciais trapalhadas que vieram de cacholas lulopetistas. No lugar deveria ser adotado o modelo de concessões aplicado a outras áreas, que vem funcionando bem. Isso teria implicações fiscais, pois investidores pagariam pelas concessões e ao investir gerariam mais impostos.

 

Medidas como as citadas vão contra ideologias e interesses arraigados. Mas governantes que só sabem distribuir benesses, e não enfrentar graves problemas, além de criar outros, deveriam pedalar e sair por iniciativa própria. Muito ajuda quem não atrapalha. Meu próximo artigo voltará ao tema neste abordado para, entre outros aspectos, tratar de uma agenda de crescimento do PIB, paralela ao ajuste fiscal.

 

* ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR