Governo retoma estímulos com pacote de R$ 83 bi

Leandra Peres, Raymundo Costa e Andrea jubé 

29/01/2016

Em reunião classificada pelos presentes como de prestação de contas e declaração de intenções do governo, a presidente Dilma Rousseff e nove ministros apresentaram ontem ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o chamado Conselhão, medidas para reativar a economia e retirar o país da crise. A presidente defendeu o "diálogo" e considerou superada a "fase mais difícil do ajuste".

Na economia, o governo garantiu a liberação de R$ 83 bilhões em crédito e vendeu a medida não como uma política anticíclica de recuperação da economia, mas como um "estímulo de curto prazo" necessário, nas palavras do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para que haja alguma estabilização nos indicadores econômicos.

O discurso foi cuidadosamente preparado para evitar qualquer semelhança com a "nova matriz macroeconômica" do primeiro mandato, mas, além do crédito, o governo também colocou na rua a proposta de retomar a margem na meta fiscal que possa acomodar flutuações na receita, acompanhada de um limitador para o crescimento do gasto público. De acordo com Barbosa essa é uma discussão que se inicia e não há ainda detalhes de como avançará.

Barbosa traçou como prioridades do governo aprovar os projetos que já estão em tramitação no Congresso Nacional - especialmente DRU e CPMF. Se comprometeu a enviar "nas próximas semanas" o projeto de reforma do PIS/Cofins e até o fim do semestre, a reforma da Previdência. O ministro também citou as mudanças no ICMS e a tributação de juros sobre capital próprio entre as prioridades. Na lista de anúncios feitos, não houve novidades em relação à agenda que o governo já defende.

Sobre a Previdência, a preocupação do governo foi deixar claro que não haverá perda de direitos. "Quanto mais cedo começarmos a enfrentar essa questão, melhor será a solução. As mudanças respeitam direitos adquiridos e haverá regras de transição para garantir expectativas de direitos. As pessoas não precisam se preocupar", disse Barbosa.

Em seu discurso, a presidente foi precisa ao falar nas medidas para recuperar o caixa do governo, como a recriação da CPMF e a prorrogação da DRU, mas evitou entrar em detalhes sobre reformas que incomodam o PT e sua base social, como as da Previdência, do mercado de trabalho e a desindexação da economia, entre elas a do salário mínimo. A presidente fez uma citação genérica à reforma tributária.

A impressão que ficou entre os conselheiros é que o governo ainda não tem uma linha de como avançar nessas reformas. A presidente falou várias vezes em "diálogo" e "consenso" e que espera um Congresso "cônscio de seus deveres", mas tomou todo o cuidado para dizer que a reativação do Conselhão não significava um avanço sobre prerrogativas do Legislativo, o fórum onde as medidas devem ou não ser aprovadas. Segundo líderes do ouvidos pelo Valor, dentre as medidas anunciadas ontem, somente a DRU tem chances de aprovação ainda neste ano.

Dilma afirmou que o governo fez um "ajuste fiscal de dimensão inédita", com o corte de despesas discricionárias, obrigatórias, revisão de desonerações e tarifas. Para garantir a estabilidade fiscal de médio e longo prazos, no entanto, são necessárias reformas do gasto público para sustentabilidade das políticas e programas sociais do governo. "Essas reformas exigirão diálogo, paciência e tempo, e algumas delas terão efeitos em governos futuros", disse a presidente.

Segundo alguns dos presentes à reunião, Dilma fez um discurso muito conciliador e parecia "empacotada" pelo ministro Jaques Wagner (Casa Civil). Mas no Congresso, os apelos de Dilma ao "diálogo" e ao "consenso" não sensibilizaram a oposição.

Em nota, o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves, disse que as medidas anunciadas e o discurso da presidente lançam "dúvidas ainda maiores sobre o real compromisso do governo no encaminhamento de reformas para a superação da crise". O líder do Democratas (DEM), Mendonça Filho (PE), disse que o governo "se intimida com a pressão de sua base e quer jogar a conta do ajuste na sociedade".

Pelo ritual do "Conselhão" definido pelo Planalto, oito conselheiros puderam falar: bancos, sindicatos e comércio. Os "demais ouviram e aplaudiram", segundo um presente. Chamou a atenção a ausência de ministros de pastas fortes, como Gilberto Kassab (Cidades), pasta encarregada do Minha Casa, Minha Vida, Antonio Carlos Rodrigues (Transportes), ministério com orçamento de mais de R$ 10 bilhões e projetos de concessões na agulha, e Gilberto Occhi (Integração). A pergunta dos conselheiros é: Como o governo fará investimento nessas pastas?

Dilma ressaltou que o Conselhão foi a primeira instância em que foram discutidos pela primeira vez os programas Mais Médicos e Ciências Sem Fronteiras. "Esse Conselho sempre foi um espaço privilegiado de diálogo, de construção e de encaminhamento de propostas", disse. A crise é "o momento para que surjam soluções duradouras para desafios difíceis", afirmou. "Alguém já disse que a crise é muito dolorosa para ser desperdiçada". Por mais de uma vez Dilma fez menção à duração de seu mandato, até 2018. Disse que precisa entregar ao seu sucessor "em 2019, o Brasil preparado para desafios das próximas décadas".

 

Valor econômico, v. 16 , n. 3933, 29/01/2016. Brasil, p. A3