O Estado de São Paulo, n. 44605, 02/12/2015. Política, p. A12

Juiz aceita denúncia contra ex-presidente da Eletronuclear

Idiana Tomazelli; Constança Rezende

 

RIO

O juiz Marcelo da Costa Bretas, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro, aceitou a denúncia contra 14 réus da primeira ação penal da Operação Lava Jato que investiga o setor elétrico. Entre eles estão Othon Luiz Pinheiro da Silva, expresidente da Eletronuclear, e Flávio David Barra, ex-presidente da Andrade Gutierrez Energia. Eles foram presos na 16.ª fase da operação, denominada Radioatividade, que investiga um esquema de corrupção envolvendo obras da Usina Nuclear de Angra 3, em julho deste ano.

O magistrado não aceitou a denúncia contra Gerson de Mello Almada, executivo da Engevix. O juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sérgio Moro, quando era o responsável pela ação da Eletronuclear, já havia rejeitado a denúncia contra Almada por falta de justa causa.

No despacho, publicado na noite de anteontem, o juiz determinou a realização de três Audiências de Instrução e Julgamento (AIJ) entre os próximos dias 14 e 16 para que as testemunhas da acusação sejam ouvidas e as provas, produzidas. Entre as testemunhas estão os empresários Dalton dos Santos Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, e Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, além de exdiretores e executivos das duas construtoras, acusadas de formação de cartel para a realiza- ção das obras de Angra 3, no litoral sul do Estado do Rio.

O juiz acolheu a denúncia por entender que a autoria e a materialidade dos crimes estão "minimamente delineadas". As condutas investigadas são de concussão (exigência de dinheiro em troca de vantagens), corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

"Verifico,ainda, estar em minimamente delineadas a autoria e a materialidade dos crimes que, em tese, teriam sido cometidos pelo acusado, o que se afere do teor da documentação carreada aos autos, razão pela qual considero haver justa causa para o prosseguimento da ação penal", diz o magistrado na decisão.

‘Suspeições'. Bretas ainda refutou as tentativas das defesas dos réus de esvaziar as acusações. "Não vislumbro nos autos, até agora, nenhuma causa de extinção da punibilidade do agente", escreveu. O juiz também comunica no despacho que "tem por superadas" todas as alegações de incompetência, suspeição e impedimento para julgar o caso, formuladas pelas defesas.

O processo sobre a Eletronuclear foi desmembrado da ação principal da Operação Lava Jato, que corre na Justiça Federal do Paraná, em novembro deste ano por decisão do ministro Teori Zavascki,relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal . A Procuradoria-Geral da República tenta reverter essa decisão,de forma a reunificar os processos.

Considerado a principal autoridade em energia nuclear do País, Pinheiro da Silva é apontado pela força-tarefa como recebedor de propinas para que o consórcio Angramon fosse o vencedor da licitação para a construção de Angra 3. O grupo é formado por empreiteiras já investigadas pela Lava Jato: Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Odebrecht, Techint, MPE, Camargo Corrêa e UTC.

Segundo a Polícia Federal e a Procuradoria da República no Paraná, Pinheiro da Silva recebeu R$ 4,5 milhões em propinas pagas entre 2011 - às vésperas da publicação do edital de pré-qualificação das obras de Angra 3 - até meados deste ano. A estimativa da força-tarefa, entretanto, é que Pinheiro da Silva tenha recebido no período mais de R$ 30 milhões - equivalente a 1% do valor dos contratos assinados pelas empresas.

A suspeita de envolvimento do almirante com o esquema em Angra 3 foi levantada na dela- ção premiada do executivo Dalton dos Santos Avancini, da Camargo Corrêa, que mencionou "certos compromissos do pagamento de propinas para o PMDB no montante de 1% e a dirigentes da Eletronuclear".

PARA LEMBRAR

STF decidiu por fatiamento

Em setembro deste ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu "fatiar" a Operação Lava Jato após entender que a investigação não deveria ficar somente sob relatoria do ministro Teori Zavascki, responsável pelo caso na Corte, e sob os cuidados do juiz Sérgio Moro, que conduz a operação na 1ª instância, em Curitiba. A decisão foi tomada após análise de envolvimento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) em suspeita de fraude no Ministério do Planejamento. Em outubro, Teori decidiu que o inquérito relativo à Eletronuclear deveria ser enviado à Justiça do Rio, sede da empresa.

Defesa de executivo afirma que decisão já ‘era esperada'

O advogado de Flávio David Barra, Edward Rocha de Carvalho, disse que a decisão da Justiça do Rio de acatar denúncia contra o ex-presidente da Andrade Gutierrez Energia já era esperada. Barra, que está preso em Curitiba desde julho e recebeu autorização para permanecer detido na capital paranaense, é acusado de fazer um acerto de pagamento de propina a funcionários da Eletronuclear, referente às obras de Angra 3.

"Essa decisão da Justiça do Rio foi tomada no dia 16 de novembro e já era esperada. Nesta terça-feira (ontem), foram marcadas as audiências", disse o advogado. Carvalho não adiantou qual será a linha defesa de seu cliente, mas declarou não considerar que houve formação de cartel.

Procurado pelo Estado, o advogado Helton Pinto, que representa o ex-presidente da Eletronuclear, estava em audiência durante a tarde de ontem e, até a conclusão desta edição, não respondeu à reportagem. / I.T. e C.R.