O globo, n. 30.056, 21/11/2015. País, p. 8

Samarco responde no último minuto para evitar pagamento de multa

Empresa diz que tomou medidas para impedir chegada da lama ao oceano

Obrigada pela Justiça a reter a lama que vazou de uma de suas barragens antes que ela chegue ao mar, a mineradora Samarco respondeu no último minuto, mas o Ministério Público considerou as medidas adotadas insuficientes. A lama avança e, entre outras espécies, coloca em risco a vida do golfinho toninha, ameaçado de extinção. Um dia antes de a onda de lama originada em Mariana (MG) chegar à foz do Rio Doce, a mobilização para minimizar os danos ambientais foi acelerada ontem. Em Regência, distrito de Linhares (ES), funcionários de uma empresa contratada pela mineradora Samarco — responsável pela barragem rompida no último dia 5 — instalaram nove quilômetros de boias para tentar conter os impactos da lama em áreas sensíveis do rio. Especialistas também persistiram no trabalho de resgatar de peixes e outros animais marinhos do estuário.

— O dia foi de corrida contra o tempo para garantir essas medidas mitigadoras — disse Carlos Sangalia, vice-presidente do Comitê Bacia Hidrográfica do Barra Seca e Foz do Rio Doce.

No fim da tarde, a lama estava a apenas 50 quilômetros da foz do rio, e o Serviço Geológico do Brasil previa que ela chegaria lá ainda ontem à noite.

O juiz Thiago Albani, da 3ª Vara Civil de Linhares, determinou que a mineradora atue na abertura da foz para que os rejeitos de minério possam ser absorvidos pelo mar. A decisão — que, se desrespeitada, pode gerar multas de R$ 20 milhões — contraria determinação feita pela Justiça Federal do Espírito Santo anteontem. Nesta, exigia-se que a Samarco impedisse a chegada da lama ao litoral, sob pena de multa de R$ 10 milhões por dia em caso de descumprimento. A medida poderia aumentar os impactos no Rio Doce, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO.

Um minuto antes do prazo final, a Samarco enviou petição à Justiça Federal informando as medidas que já adotou para proteger ilhas e áreas ribeirinhas com boias de contenção, mas a resposta foi considerada insuficiente pelo Ministério Público. O juiz ainda não decidiu se a multa será aplicada.

A lama chegou à altura do Porto de Linhares no fim da manhã. O abastecimento de Linhares não deve ser afetado, pois a água usada na cidade não é captada do Rio Doce.

Em Colatina (ES), porém, onde o abastecimento está completamente interrompido, chegou a ocorrer um tumulto entre os moradores durante a distribuição de água potável. O Exército e a polícia passaram a controlar a distribuição, assim como já tinha ocorrido em Governador Valadares (MG).

Em Mariana, mais um corpo foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros. Agora, são oito vítimas identificadas e quatro corpos à espera de identificação.

Em Minas, a Superintendência do Ibama enviou nota ao GLOBO para sustentar que não poderia embargar a barragem da Samarco em Mariana após ter constatado que a empresa não tinha cumprido exigências ambientais por conta de desmatamento na região. Segundo a nota, o embargo só poderia ser feito após o órgão ambiental de Minas confirmar que havia irregularidade no desmatamento do local onde foi construída a barragem de Fundão, que rompeu matando pessoas e causando danos.

Na foz do Rio Doce, lama ameaça espécies raras

Rejeitos atingirão áreas da tartaruga de couro e da toninha, que estão sob risco

Se houvesse um só lugar dos 7.367 quilômetros do litoral brasileiro para se proteger com cuidado máximo, este seria a faixa de oceano e areia junto à foz do Rio Doce. Lá se encontram duas das mais ameaçadas espécies de animais marinhos da Terra. E justamente de encontro a elas segue a lama da maior tragédia ambiental do Brasil.

Na lama podem ir parar a toninha, o mais ameaçado golfinho do país e o segundo em maior risco do mundo, e a tartaruga de couro, a maior e mais rara tartaruga marinha do planeta, que tem no Litoral Norte do Espírito Santo sua única área de desova em toda a costa atlântica das Américas.

A despeito de muitas décadas de maus-tratos, como assoreamentos e poluição, a foz do Rio Doce, junto a Regência, distrito de Linhares (ES), é um dos últimos pontos do litoral brasileiro onde há toninhas, os menores golfinhos do país. A toninha se parece com um filhote de golfinho-flíper. Vive e caça em águas rasas, perto da praia, o que a põe ainda em maior risco de ser afetada pela lama da barragem da Samarco. É tão arisca e tímida, que muitos pescadores jamais viram uma. Quase sempre são avistadas apenas em sobrevoos.

— A população residente nesta área do Espírito Santo já era a mais ameaçada do país. As populações de toninha dali e do Norte do Estado do Rio são consideradas prioridade máxima para preservação pela Comissão Baleeira Internacional. Não restam mais do que 2.000 e são muito sensíveis a mudanças ambientais. Agora, estão nessa situação — lamenta o biólogo marinho Salvatore Siciliano.

Toninhas dividem o mar que recebe as águas do Rio Doce com o boto-cinza, porém este não tem local fixo e pode fugir com mais facilidade.

— Mas a toninha pode ser atingida em cheio, porque vive bem perto das praias. Elas comem pequenos peixes no fundo do mar, exatamente onde deve se depositar a lama — observa Siciliano.

Se no mar há chance de a lama ser dissipada, na areia o dano é certo. Técnicos e voluntários do Projeto Tamar protegeram com telas os ninhos de tartaruga de couro em lugares mais vulneráveis e removeram filhotes para liberação em águas mais seguras.

— A lama não poderia chegar em pior momento. Estamos no auge da desova das tartarugas — frisa o coordenador do Projeto Tamar, Joca Thomé.

Uma fêmea de tartaruga de couro faz quatro ou cinco ninhos, com cerca de 120 ovos em cada um. Até 80% dos ovos geram filhotes. Mas, em geral, apenas um sobreviverá até virar adulto.