O globo, n. 30.060, 25/11/2015. Economia, p. 21

Brasil na rota dos chineses

Conglomerado HNA compra 23,7% da Azul, que ganha fôlego para enfrentar crise no setor

“Em tempo de crise, quem tem caixa é rei. Há muitas empresas brasileiras buscando parcerias, tentando tirar a corda do pescoço. Prevejo uma onda de investimentos chineses”
Roberto Dumas Damas
Professor do Insper

-SÃO PAULO E RIO- A Azul linhas aéreas anunciou ontem um acordo com o conglomerado chinês HNA Group para a venda de uma fatia de 23,7% da companhia por R$ 1,7 bilhão (US$ 450 milhões). A transação dá aos chineses o direito a um assento no Conselho de Administração da companhia eéo primeiro investimento do conglomeradona América Latina. Analistas veem na operação uma nova etapa da presença de empresas chinesas no Brasil.

— O investimento de R$ 1,7 bilhão de estrangeiros num momento tão sensível da nossa economia, avaliando nossa empresa em R$ 7 bilhões, mais que a Alpargatas (vendida por R$ 2,6 bilhões pela Camargo Côrrea para a J&F) mostra a confiança em nosso modelo de negócio ena equipe da Azul—disse o presidente da Azul, Antonoaldo Neves.

Ele ressaltou que o HNA Group não comprou participação no bloco de controle da empresa, pois adquiriu ações preferenciais, sem direito a voto. De acordo com Neves, o controle da empresa continua sendo do empresário David Neeleman, fundador e CEO da aérea, que possui 67% das ações ordinárias (com voto). A legislação brasileira estabelece o teto de 20% para o capital estrangeiro no controle de empresas de aviação brasileiras, mas esse limite deverá ser ampliado. A Azul assegura que, mesmo com o aporte dos chineses, 91,6% de seu capital social são brasileiros, e 8,4% são estrangeiros. A operação ainda terá de ser aprovada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

— O que chamou a atenção é que a compra da fatia da Azul não se enquadra nas duas vertentes do investimento chinês, um ligado às matérias-primas e o outro à inserção de uma marca chinesa no nosso mercado. Parece se tratar puramente de uma diversificação de investimento, algo que já está acontecendo lá fora — observou Rodrigo Tavares Maciel, da consultoria STRC Brasil China. REFORÇO NO CAIXA DA AZUL Tulio Cariello, analista internacional do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), explicou que o capital chinês começou a se fazer presente no Brasil em 2007 e registrou um boom em 2010, com foco em recursos naturais e logística, com o objetivo de garantir o abastecimento de matérias-primas ao mercado chinês. Em seguida, vieram aportes em outros setores, como automobilístico, com a chegada de Chery e JAC Motors, além de eletrônicos e de máquinas e equipamentos.

A parceria une empresas que atuam nos dois mercados de aviação que mais crescem no mundo, segundo especialistas. A Azul oferece mais de 900 voos diários a cem destinos eéa terceira maior companhia aérea do país. Já oH NAéo quarto maior grupo de aviação da China, com 14 empresas aéreas, que representam uma frota de 561 aeronaves operando 630 rotas domésticas e internacionais. A companhia mais importante controlada pel oH NAé aH aina nA irl in es, que tem 50 jatos do modelo E190 da Embraer e um pedido de mais 22 jatos — 20 do E195 e dois do E190-E2.

Para André Castelini, especialista em aviação da consultoria Bain&Company, a compra de uma fatia da Azul pelos chineses é mais um passo do HNA Group em sua estratégia de globalização. No caso da Azul, diz o consultor, o aporte de R$ 1,7 bilhão ajudará a enfrentara criseno setor aéreo doméstico, no qual as empresas vêm perdendo receitas das empresas.

—O negócio ajuda afortalecer o caixa da Azul para navegar nesta crise. A empresa já tentou abrir o capital três vezes, mas o mercado também está em crise. Além disso, o próprio setor aéreo na Bolsa está sendo prejudicado pela recessão, pelas restrições de crédito e pelo impacto do câmbio. Por enquanto, não existe janela para a abertura de capital da Azul, por isso a empresa recorreu a um sócio estrangeiro — disse Castelini.

O presidente da Azul disse ao GLOBO que assim que o mercado de capitais brasileiro melhorar, a Azul fará sua abertura de capital. Neves afirmou ainda que o câmbio é um dos fatores que mais afetam a Azul, assim como as demais companhias aéreas:

— Estamos trabalhando com um horizonte de curtíssimo prazo. No início do ano, o câmbio estava aR $2,60, depois subiu aR$4 e agora recuou aR$ 3,70. Fica difícil fazer previsões.

O investimento começou a ser negociado em setembro, quando Antonoaldo e Neeleman viajaram para a China. Eles haviam conhecido o CEO do HNA, Chen Feng, em uma feira de negócios Brasil/China, em maio, em Brasília. Duas semanas depois, foram procurados por uma consultoria que trabalha para as duas companhias.

— Eles nos contaram os planos de expansão do HNA Group no exterior e decidimos viajar para a China, quando as conversas começaram. Havia muitas afinidades entre as duas empresas: eles tinham interesse em expansão na aviação regional, como faz a Azul, ena tecnologia do modelo lowcost.Nóstính amos interesse em um acionista asiático e no mercado daquela região — disse Neves.

PRESENÇA CHINESA DEVE CRESCER

De acordo com comunicado divulgado pela Azul, o investimento permitirá o fortalecimento do caixa, com amortização de dívidas, e a continuidade do plano de renovação de frota. Para os passageiros, também haverá benefícios, já que a Azul poderá atuar no mercado asiático por meio do compartilhamento de voos, desenvolvimento de novas rotas e expansão dos programas de fidelidade.

Os planos para que um passageiro tome um avião da Azul no Rio de Janeiro ou São Paulo e desembarque na China serão definidos nos próximos seis meses, disse o presidente da Azul, aproveitando o aumento substancial do tráfego de passageiros entre China e Brasil.

Este ano, a Azul já havia vendido 5% de seu capital para a americana United Airlines e feito um acordo para financiamento de aeronaves com o Banco Industrial e Comercial da China.

O HNA, por sua vez, nos últimos 20 anos passou de uma companhia aérea para um conglomerado global que opera nos setores de aviação, indústria, financeiro, turismo e logística. Como parte de sua estratégia de internacionalização, o HNA recentemente comprou por US$ 2,8 bilhões a Swissport, empresa de serviços de aviação. Em nota, o grupo afirmou que a parceria com a Azul dará mais opções aos seus clientes que voarem para e do Brasil.

Roberto Dumas Damas, professor do Insper, calcula que o estoque de ativos chineses no Brasil esteja na casa dos US$ 50 bilhões. A tendência, segundo ele, é de crescimento nos próximos anos.

— Em tempo de crise, quem tem caixa é rei. Há muitas empresas brasileiras buscando parcerias, tentando tirar a corda do pescoço. Junte-se a isso o problema da Lava-Jato, que afetou com força o setor de infraestrutura. Por isso, prevejo uma onda de empreiteiras chinesas entrando aqui. Para o governo brasileiro, será um ótimo negócio para aliviar os efeitos da crise.