O Estado de São Paulo, n. 44626, 23/12/2015. Política, p. A4

Relator contraria TCU e recomenda aprovação das contas de Dilma de 2014

Ricardo Brito Isabela Bonfim / BRASÍLIA

 

No último dia de trabalho dos parlamentares antes do recesso, o relator das contas do governo de 2014, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), apresentou um parecer em que aprova "com ressalvas" as contas da gestão da presidente Dilma Rousseff. Um dos principais aliados de Dilma no PDT, o senador contrariou o Tribunal de Contas da União (TCU) que, em outubro, decidiu por unanimidade recomendar ao Congresso a rejeição das contas da presidente.

Em 243 páginas, o relator recusou as alegações usadas pelo tribunal para pedir a rejeição das contas de Dilma. A principal contestação dele se refere às chamadas pedaladas fiscais - manobras que consistiram no atraso de repasses do Tesouro Nacional aos bancos públicos para pagamento de despesas de programas sociais obrigatórios, atualmente no valor de R$ 57 bilhões. As pedaladas foram reveladas pelo Estado em meados do ano passado.

Gurgacz afirmou que não houve desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nas pedaladas fiscais, uma vez que elas se amparam em contratos entre Tesouro e bancos. O relator disse que o atraso nos pagamentos foi ou está sendo quitado, além de argumentar que o governo se valeu desse expediente - que já foi adotado em gestões anteriores - para superar o cenário econômico adverso de 2014.

"Temos 14 Estados que neste ano não cumpriram a meta fiscal. Estados governados por vários partidos. Por isso, a importância de fazermos um relatório baseado na legalidade, na Constituição e não só baseado na presidente atual, mas na condição de gestão dos governos", afirmou Gurgacz.

Ressalvas. O senador incluiu três ressalvas em seu parecer, para que sejam alteradas: 1) a situação da economia durante em 2014 impediu a atualização dos cenários econômico-fiscal traçados bimestralmente pelo governo, o que fragilizou a transparência da execução orçamentária; 2) as pedaladas fiscais não se caracterizam como "operação de crédito", por isso não são crime; e 3) a existência de mais de R$ 200 bilhões em restos a pagar (só em 2014, eram R$ 227 bilhões) sem qualquer programação de pagamento.

Meses atrás, a oposição chegou a apostar na manifestação do TCU para mover um pedido de impedimento contra Dilma. Mas, diante das indicações de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recusaria um pedido desse por se tratar de atos realizados no mandato anterior, em 2014, preferiu respaldar uma ação que se embasava em atos praticados pela presidente neste ano, embora baseado em argumentos semelhantes aos apreciados pelo tribunal.

Trâmite. Apesar da divulgação do parecer, o texto só deve ir à votação na Comissão Mista de Orçamento do Congresso em março. Em seguida, ainda terá de passar pelo plenário em sessão conjunta da Câmara e do Senado, a quem caberá dar a palavra final sobre as contas da presidente.

O relator disse que, além da posição do TC U, se valeu da manifestação do Banco do Brasil, da Caixa, do BNDES, de juristas independentes e da consultoria legislativa para preparar seu parecer. Ele destacou que uma eventual reprovação das contas do governo poderia alterar o entendimento adotado para esse tipo de análise em nível federal, estadual e municipal e engessar os administradores públicos.

O senador questionou ontem por que a posição do TCU deveria prevalecer, já que se trata de um órgão de assessoramento do Congresso. E insinuou que a corte teria agido de maneira política quando votou em peso pela rejeição, logo após o governo ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal para tentar retirar o relator do caso no TCU, ministro Augusto Nardes. "Como os argumentos do tribunal não são relevantes o suficiente para levar à rejeição, nosso relatório conclui pela aprovação das contas, porém com ressalvas", disse Gurgacz. "Meu relatório está menos politizado do que o relatório do TCU. 

Deveria ser o contrário." O PSDB protestou contra o parecer. "É uma vergonha, eles deram uma anistia pontual para Dilma", acusou deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), líder da oposição na comissão. "Será muito difícil o senador convencer a sociedade sobre seu entendimento", disse o líder da oposição na Câmara, Bru-no Araújo (PSDB-PE). / COLABOROU DAIENE CARDOSO

PARA LEMBRAR
Rejeição foi por unanimidade

No dia 7 de outubro, o Tribunal de Contas da União rejeitou, por unanimidade, as contas do governo Dilma Rousseff relativas ao ano passado. Nos últimos 78 anos, o tribunal sempre havia aprovado, com ou sem ressalvas, o balanço da União enviado pelo Executivo. Para o relator do processo na corte, Augusto Nardes, além das pedaladas, em montante de RS 40 bilhões, o governo descumpriu a obrigação de contingenciar R$ 28 bilhões em despesas em 2014. Em ano eleitoral, disse, também editou créditos suplementares sem autorização do Congresso.