Eleições em Angola têm presença do Brasil

Marcos de Moura e Souza e Cristiane 

29/02/2015

Os marqueteiros João Santana e Monica Moura afirmaram na semana passada que receberam dinheiro de caixa dois da campanha presidencial em Angola em 2012. Para policiais federais e promotores da Lava-Jato, o casal explicou só uma parte da história e escondeu o principal: que uma conta até então secreta teria sido irrigada também com recursos de propina da Petrobras. Em Angola, explicação da dupla teve outro efeito. Serviu para alimentar antigas suspeitas sobre o tipo de relação que a construtora brasileira Odebrecht mantém com o governo do presidente angolano José Eduardo dos Santos.

Os recursos não contabilizados em Angola teriam sido intermediados pelo lobista Zwi Skornicki, que representou no Brasil os interesses da Keppel Fels, empresa de Cingapura. A Odebrecht nega qualquer envolvimento no pagamento a Santana de despesas com a campanha angolana.

A força-tarefa da Operação Lava-Jato acredita, com base em planilha encontrada na prisão de uma funcionária da Odebrecht, que as campanhas de Santana no exterior são uma hipótese pouco provável para explicar a movimentação de valores do marqueteiro em 2014, já que as reeleições em Angola e Venezuela aconteceram dois anos antes.

A campanha de Dilma Rousseff, feita por Santana, ocorreu na época das movimentações registradas na planilha como dinheiro para a feira, que somam R$ 4 milhões entre 24 de outubro e 7 de novembro daquele ano. A Polícia Federal pensa que feira é uma referência a Santana, o que o marqueteiro nega. A Odebrecht afirma desconhecer a planilha.

Em Angola, a equipe de brasileiros já havia levantado questionamentos entre opositores de Santos. Logo depois das eleições, a Unita, principal partido da oposição, apresentou uma queixa formal à Justiça sobre a participação de marqueteiros brasileiros e chineses na campanha do presidencial e sobre um suposto conluio para fraudar os resultados. Santos foi reeleito com folga.

Brasileiros são velhos conhecidos do MPLA, o partido do presidente de Angola. Foram brasileiros quem atuaram nas campanhas oficiais em 1992 e em 2008. Novas eleições estão marcadas para agosto de 2017.

Na sexta-feira, o advogado tributarista do casal de marqueteiros, Igor Nascimento de Souza, afirmou que houve omissão consciente da existência da offshore Shellbil, por meio da qual receberam recursos de campanhas não exterior. Com conta na Suíça, a empresa recebeu US$ 35 milhões da campanha de Hugo Chávez, na Venezuela, e US$ 50 milhões na angolana.

"Os valores, muitas vezes, eram de contribuições de empresas que queriam doar a partidos políticos, como a Odebrecht. Existiam recursos não declarados, com base de contribuições de donatários de campanha, não diretamente de cada um dos partidos que o contrataram", afirmou o advogado.

Em relação a Angola, segundo o advogado tributarista, "nenhum centavo foi depositado com o nome da Odebrecht" na conta da empresa. "Nunca apareceu nome da Odebrecht. Monica sabia [a origem] porque foi orientada por uma funcionária do partido de Angola [MPLA] que procurasse a Odebrecht para saldar dívida de campanha. Ela sabia que vinha da Odebrecht, mas nunca apareceu o nome Odebrecht", afirmou ele.

"Se a Odebrecht pagou mesmo algum serviço [de propaganda eleitoral] ao MPLA, é claro que a empresa teve contrapartida e essa contrapartida certamente não saiu dos cofres do MPLA. Saiu dos cofres do Estado e aí há um uso indevido do erário público", afirma o deputado Benedito Daniel, secretário-geral e presidente do grupo parlamentar do PRF, um dos partidos da oposição angolana.

Mendes Carvalho, deputado do Casa-Cea, outro partido da oposição, lembra que em 2012 correu no meio político de Luandaque a campanha de reeleição do presidente teria pago cerca de US$ 120 milhões a profissionais brasileiros que fizeram sua propaganda. O parlamentar disse que nunca esteve claro quem seriam exatamente os brasileiros.

Raul Danda, deputado da Unita, diz que a alegação da dupla de marqueteiros poderá ser base de uma ação no país. "Precisamos ter mais elementos sobre isso porque tem que se criar de fato um processo judicial sobre isso." Ele alega que há muitas restrições legais em Angola sobre financiamento a partidos e que empresas estrangeiras, caso da Odebrecht, enfrentam limitações ainda maiores.

Um dos líderes do governista MPLA na Assembleia, o deputado João Pinto disse que não tinha detalhes sobre pagamentos da campanha e afirmou o que no Brasil há um movimento de "se associar tudo à corrupção" e que isso parece mais uma "questão ideológica do que de Justiça". O Valor não conseguiu um contato com outra liderança do partido no fim de semana, nem com algum porta-voz do governo para comentar as afirmações de João Santana e Monica Moura.

A oposição tem feito questionamentos já há alguns anos em relação a supostos favorecimentos da Odebrecht no país; questionamentos que ganharam peso em função das investigações no Brasil.

Os contratos públicos em Angola são frequentemente distribuídos por adjucação direta, sem licitação. A distribuição de obras para empresas tende a se relacionar com o jogo político e as empresas brasileiras começaram a enfrentar uma forte concorrência das chinesas na última década, tornando-se mais vulneráveis às exigências de Santos.

No fim do ano passado, a empresa afirmou ao Valor que ao longo dos seus mais de 30 anos de atividade em Angola, a Odebrecht Infraestrutura "sempre cumpriu todas as regras e procedimentos legais para a adjudicação de contratos de engenharia e construção" e que pauta suas relações na "transparência e confiança" com os clientes.

Num país que saiu de um longa guerra e chegou somente em 2002 à paz - mesmo que frágil -, a institucionalidade ainda tem muito a avançar, segundo um fonte do governo brasileiro familiarizada com o país. O MPLA governa há quatro décadas e Santos está no poder há 36 anos. Opositores e observadores frequentemente falam da pouca autonomia do Judiciário e do pouco espaço para fazer avançar investigações na Assembleia. Dos 220 deputados, a oposição tem 45; dos quais 32 são da Unita, 8 da Casa-CEA, 3 do PRF e 2 do FLNA.

Para a principal representante brasileira empresarial no país, a Odebrecht, Angola é um dos mercados mais importantes da companhia fora do Brasil no ramo de infraestrutura. Os contratos no país representavam 17% da carteira internacional da Odebrecht Engenharia e Construção até outubro do ano passado, segundo informou a companhia.

Em 31 anos de atuação em Angola, ergueu barragens, conjuntos de casas populares, fez obras de saneamento, estradas, é sócia de uma mina de diamantes, entre outros projetos. Tem 12 mil empregados no país. Atualmente, a multinacional informa em seu site que constrói, entre outras obras, uma hidrelétrica em Angola que será a maior da África. É a maior empregadora privada no local.

No sábado, por meio de nota a empresa disse sobre as afirmações dos marqueteiros: "A Construtora Norberto Odebrecht informa que se manifestará, assim como seus integrantes, no âmbito do inquérito em curso sobre os fatos mencionados e reitera que se mantém e sempre se manteve à disposição das autoridades para prestar os devidos esclarecimentos."

Valor econômico, v. , n. , 09/02/2016. Política, p. A5