O globo, n. 30048, 13/11/2015. País, p. 3

Os amplos poderes de cunha

Procuração mostra que cunha podia movimentar conta na suíça, diferentemente do que afirma

Francisco Leali e Eduardo Bresciani

Enquanto isso... Cunha faz um brinde no lançamento da frente parlamentar dedicada a vinhos: documento contesta alegações dele

Escândalos em série

BRASÍLIA Começa a desmoronar a principal tese da defesa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de que não controlava as contas na Suíça e, por isso, não mentiu à CPI da Petrobras. Em meio aos documentos enviados ao Brasil pelo Ministério Público da Suíça e incluídos no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção supostamente cometidos por Cunha, uma procuração desmonta a alegação do deputado.

De acordo com a procuração, Cunha tinha amplos poderes para, com os recursos depositados em conta no banco Merrill Lynch, fazer aplicações financeiras em fundos e no mercado futuro, e ainda fazer investimentos de curto prazo, comprar e vender títulos, moedas e até metais preciosos. Só não podia sacar o dinheiro da conta.

Cunha sustenta que não era dono das contas, não podia movimentá-las e que o banco nem o reconhecia como tendo algum direito em relação aos ativos depositados. Tudo porque as contas eram oficialmente operadas por trusts (empresas constituídas para administrar ativos de pessoas físicas e jurídicas).

Cunha, procurador da Orion SP

O documento, do dia 10 de junho de 2008, é assinado por um representante legal da trust Orion SP. Ela detinha a conta no Merrill Lynch da Suíça. Os ativos depositados nessa conta eram de Cunha, mas ele alega ser apenas um beneficiário, sem qualquer ingerência sobre os ativos. A procuração, assinada pelo representante da Orion, estabelece Cunha como procurador junto ao Merrill Lynch para fazer investimentos, o que contraria a versão do deputado.

Diz o texto: "O procurador é/está autorizado a comprar e vender todos os tipos de valores mobiliários, títulos de crédito, moedas, metais preciosos, veículos de investimento (fundos), em dinheiro ou outra modalidade, para fazer investimentos de curto prazo em caráter fiduciário, sob risco exclusivo do Principal, em qualquer país e em qualquer moeda, para realizar quaisquer transações abrangidas nos mercado de opções e futuro (qualquer outros tipos de transações nos mercados de opções e futuro só podem ser realizadas se uma autorização específica é assinada)".

Cunha é o procurador e "Principal" é a identificação da Orion. O texto da procuração faz uma ressalva: Cunha não teria poderes para "dispor ou retirar quaisquer desses ativos da conta". O documento reproduz o nome do presidente da Câmara, a data de seu nascimento e sua nacionalidade. Há uma assinatura do próprio Cunha.

A conta em nome da Orion é justamente a mesma em que, em 2011, foram depositados 1,3 milhão de francos suíços. Esse dinheiro, segundo narrou o lobista João Henriques, é uma comissão por negócio fechado com a Petrobras em Benin. Henriques disse que fez o depósito por orientação de Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz, já morto. Felipe nega ter dado tal indicação. Perguntando se sabia deste depósito na época, Cunha sustentou, na entrevista ao GLOBO, que não tinha acesso aos extratos e que o banco não o reconhecia como tendo ligação direta com a conta, porque tudo estava em nome da trust, da qual ele era apenas beneficiário.

- Se a conta fosse minha, se eu fosse o gestor da conta, poderia ter pago despesas diretamente. Mas não há uma assinatura minha no banco. Só tem assinatura minha do trust, não há movimentação financeira feita por mim. O banco não me reconhecia como movimentador da conta - disse Cunha, na semana passada, ao GLOBO.

Indagado se dava alguma orientação sobre os investimentos a partir das contas da Suíça, ele negou:

- Não (oriento aplicações). O que tem é quando prestam contas, uma vez por ano. Quando eles apresentaram os relatórios, teve muita discussão sobre essa performance (das aplicações) que estava negativa. Eu dizia o seguinte: "Essa aplicação mantida nos ativos, da forma como está, ela não vai ter retorno. É preciso um arranjo, estudem o rearranjo, como devem fazer, porque ela está produzindo uma perda". E eles fizeram uma operação de arranjo.

Como se vê na procuração, Cunha podia fazer os investimentos pessoalmente; não precisava passar orientações.

Recursos da Orion compraram ações

Outro ponto da defesa de Cunha sob contestação é a afirmação dele de que não houve movimentação dos recursos depositados por Henriques na conta Orion. O dinheiro entrou entre maio e junho de 2011. Extrato da Orion mostra que, em janeiro de 2014, parte deste dinheiro foi usado para tapar um buraco que havia na conta devido à compra de ações da Petrobras, como revelou ontem o jornal "Folha de S. Paulo".

Foram compradas na conta Orion US$ 387 mil em ações da estatal brasileira. Com isso, foi feita uma conversão de 328,2 mil francos suíços para US$ 362,2 mil, liquidando o saldo negativo que a operação tinha deixado. O extrato aponta que não houve retorno dos recursos, tanto que, quando Cunha fechou a conta Orion e transferiu o dinheiro para outra trust, a Netherton, o repasse foi de 970 mil francos suíços.

Na conta Netherton, o dinheiro também foi "misturado". Em fevereiro de 2015 outros 600 mil francos foram convertidos e US$ 641,6 mil entraram na conta em moeda americana. Cunha alegou que a falta de movimentação era sinal de que não tinha responsabilidade pelo depósito feito em sua conta.

- A clareza para mim é que o dinheiro não foi movimentado. Ele não ser aplicado e não ser reconhecido é um fato que tem que ser realçado - disse Cunha.

Procurada ontem, a assessoria de Cunha não quis comentar as informações da reportagem e afirmou que tudo o que o deputado tinha para dizer já foi falado nas entrevistas da semana passada.