O globo, n. 30048, 13/11/2015. País, p. 4

Empréstimo do bndes à usina de bumlai teve garantia inferior a 1%

 

Banco sustenta que operação ocorreu dentro dos padrões normais

Chico de Gois

chico.gois@bsb.oglobo.com.br

Bumlai. Empresário não honrou pagamentos, e banco pediu falência da empresa

Abril/16-10-2015

Escândalos em série

BRASÍLIA O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) emprestou, entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2009, R$ 459,8 milhões para a usina São Fernando, empreendimento de José Carlos Bumlai com o grupo Bertin. A garantia oferecida, porém, foi de menos de 1% desse valor: R$ 2 milhões, ou seja, 0,45%. Na sessão de ontem, a CPI do BNDES aprovou a convocação de Bumlai para prestar depoimento.

Esse empréstimo se deu de forma direta, quando o próprio BNDES concede os recursos e arca com os riscos de inadimplência. Em resposta a um requerimento de informação do deputado José Rocha (PR-BA), relator da CPI, o banco informou que os R$ 2 milhões ofertados como garantia se deram porque "se tratava de um projeto Greenfield (quando um empreendimento começa a ser desenvolvido do zero), no qual a garantia é evolutiva e, portanto, tem seu valor incrementado ao longo de sua implementação". O banco acrescentou que as garantias atingiram R$ 496,1 milhões após a conclusão do projeto, em julho de 2010.

Ao GLOBO, o BNDES também justificou a operação com garantia inferior a 1% do valor do crédito: "A estruturação de projeto com garantia evolutiva é padrão para este tipo de empreendimento. Não houve qualquer tipo de excepcionalidade no caso em questão. Outro ponto importante é que o desembolso do BNDES não ocorre de uma só vez, mas de acordo com o andamento do projeto. À medida em que o projeto vai avançando, a garantia real vai se robustecendo. Além da garantia real, o projeto da São Fernando conta com fiança da Heber Participações".

Empréstimos e calotes

A documentação fornecida à CPI sobre a transação com a usina de Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, revela uma sucessão de empréstimos e calotes que culminaram com o pedido de falência da São Fernando pelo próprio BNDES.

A São Fernando teria capacidade para moer 2,3 milhões de toneladas de cana por ano para gerar energia. Em julho de 2009 o projeto já estava pronto e, no mesmo mês de 2010, entrou em funcionamento. Mal havia começado a operar, a usina quis dobrar sua capacidade. Mas a safra de 2010/2011 teria sido afetada pelas chuvas, como alega o próprio BNDES. Em consequência, a produção foi de 3,1 milhões de toneladas.

A partir daí houve uma sucessão de transações financeiras que acabaram levando ao calote. Em 2011, a usina reestruturou sua dívida com o BNDES. O saldo devedor era, na época, de R$ 362,4 milhões. A Bertin reescalonou sua dívida de R$ 59,3 milhões, em 23 de julho de 2012, e a São Fernando, outros R$ 303 milhões, na mesma data.

A Bertin só pagou o refinanciamento até junho de 2014 e se tornou inadimplente, devendo R$ 39,4 milhões. Mesmo assim, obteve novo reescalonamento, e, mais uma vez, não pagou. A São Fernando pagou até março de 2013 apenas R$ 2 milhões, dos R$ 303 milhões que devia e, no mês seguinte, entrou com pedido de recuperação judicial. Como não pagou aos credores, o BNDES pediu a falência da empresa.

No dia 1º deste mês, a "Folha de S.Paulo" noticiou um empréstimo do BNDES a Bumlai de R$ 101,5 milhões, em julho de 2012. Em novembro de 2011, Bumlai já fora alvo de um pedido de falência por parte de um fornecedor, a quem devia R$ 523 mil. Ainda segundo o jornal, as normas do BNDES proíbem empréstimos a empresas nessa situação.