O globo, n. 30048, 13/11/2015. Economia, p. 23

Reservatórios no Nordeste caem a nível crítico
 

Volume de água nas hidrelétricas está em 6,6%, abaixo do registrado em 2001, ano do racionamento

Bruno Rosa

bruno.rosa@oglobo.com.br

Ramona Ordoñez

ramona@oglobo.com.br

A forte seca que castiga o Nordeste deixou os reservatórios das hidrelétricas da região em nível crítico, o menor de sua história. De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o volume de água armazenado nas usinas chegou a 6,6% no último dia 11, uma queda de 43,3% em relação há um mês, quando o nível estava a 12%. Comparado com janeiro, quando estava em 18,3%, o volume despencou 62,8%.

Para se ter uma ideia, o menor nível já registrado nos reservatórios da região até então era o de novembro de 2001, ano do racionamento de energia, quando ficou, em média, em 7,84%. Para especialistas, o risco é que, com a escassez de água nas hidrelétricas, as usinas térmicas mais caras (como as movidas a diesel) sejam religadas, encarecendo a conta de luz.

A medida pode ser necessária mesmo com o alto volume de chuvas na Região Sul, onde os reservatórios estão acima de 97%. Isso porque o sistema interligado nacional tem um limite de capacidade de transmissão de energia de uma região para outra do país. A Região Nordeste responde por cerca de 12% da energia gerada no país.

João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos, destaca que a situação é mais grave nas usinas do Rio São Francisco. Cita a hidrelétrica de Sobradinho (que responde por 58,2% da energia da região), cujo nível chegou a 2,88%, o menor da história.

- O motivo para um nível tão baixo está relacionado a fatores climáticos como o El Niño. Com isso, você tem a região Sul cheia de água, e o Sudeste com chuvas dentro da média - disse Mello.

mais geração eólica do que hídrica no nordeste

Rafael Kelman, da PSR Consultoria, acredita que as térmicas mais caras terão de ser acionadas caso a situação da região não melhore, principalmente a partir de dezembro, quando começa o período das chuvas. Segundo Kelman, apesar do nível baixo, a usina de Sobradinho é obrigada a liberar 900 metros cúbicos de água por segundo, e estão chegando ao seu reservatório só 300 metros cúbicos por segundo. Ou seja, ele está se esvaziando lentamente.

- A produção de energia eólica está superior à hídrica no Nordeste. Se não chover, não tem outra saída senão ligar mais térmicas de custo mais caro - disse Kelman.

No Nordeste, as hidrelétricas estão produzindo 2.725 megawatts (MW) médios, enquanto os parques de energia eólica estão gerando 3.275 MW. A geração de térmicas está em 3.400 MW.

Segundo o ONS, o nível dos reservatórios de Centro-Oeste e Sudeste - que respondem por 70% da energia gerada no país - está em 27,4%, acima dos 23,04% de novembro de 2001, mas também no menor patamar desde março deste ano. Na Região Sul, o nível está em 97,2% da capacidade e acima dos 86,9% de 2001. No Norte, em 22,1%, acima dos 17,9% do ano do racionamento, mas o menor nível de 2015.

Assim, diz Mello, o governo pode ser forçado a religar as térmicas mais caras (com custo variável unitário acima de R$ 600/MWh) já em 2016. Em setembro, essas unidades foram desligadas, o que, segundo estimativas do governo, permitiu uma economia de R$ 5,5 bilhões neste ano e a redução do valor da bandeira vermelha (tarifa extra cobrada na conta de luz dos brasileiros) de R$ 5,50 para R$ 4,50 a cada 100 kW consumidos.

- O que está ajudando hoje é que a atividade econômica do país está fraca. É isso que está segurando o risco de racionamento - destacou.

Já o Ministério de Minas e Energia (MME) disse, em nota, que "os órgãos e entidades que compõem o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) acompanham continuamente as condições de suprimento energético no país". O MME lembrou que o "CMSE avaliou, em sua mais recente reunião, que o risco de qualquer déficit de energia no Nordeste é zero neste ano, da mesma forma que nas demais regiões". Por isso, "neste momento não há evidências de que seja necessário religar essas usinas térmicas", diz a nota. O MME destacou ainda que foram adicionados, ao longo do ano, 4.436 MW ao sistema, com novos projetos de geração.

para especialista, situação é contornável

Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, destacou que, apesar do nível crítico dos reservatórios do Nordeste, é preciso aguardar o início do período das chuvas:

- Esses níveis tão baixos mostram que vivemos um problema muito grave de abastecimento de água. Mas, em termos de energia, a situação é contornável pelo fato de o sistema elétrico ser interligado. Além disso, temos as eólicas que estão produzindo energia na região.

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Represas e lagoas secam pela primeira vez no interior de BA e PI
 

Falta d'água acaba com empregos e prejudica pecuária e produção agrícola

Tiago Dantas*

tiago.dantas@sp.oglobo.com.br

Terra seca. A lagoa de Pavussu, uma das maiores do Piauí e que era usada para abastecimento humano, desapareceu

Lamento. "Precisa chover para o sofrimento acabar," diz Perpétua da Silva

Fotos de Pedro Kirilos

Pavussu (PI) e Remanso (BA) A falta de chuvas que já dura quatro anos no Nordeste secou, pela primeira vez, represas e lagoas do interior de Bahia e Piauí. Considerada a pior dos últimos 50 anos, a seca prejudica a produção agrícola e a criação de animais na região. Sem emprego, a maior parte da população vive basicamente com o dinheiro do Bolsa Família.

O Rio São Francisco, mais importante fonte de água do semiárido, registra os níveis mais baixos da história. O volume útil da represa de Sobradinho, por exemplo, deve acabar entre o fim do mês e o começo de dezembro, segundo a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).

As ruínas de ao menos duas cidades baianas que foram inundadas na década de 1970 para a construção do reservatório estão visíveis: Casa Branca e Remanso. Os bares que ficavam na prainha de Remanso tiveram que se deslocar cinco quilômetros para se manter à beira do São Francisco.

- É muito triste ver que o rio ficou desse jeito. Antes era como um mar, você não via onde acabava. Agora a gente olha e vê bancos de areia no meio, consegue andar na terra que ficava embaixo d'água - diz o comerciante Guilherme de Souza, de 51 anos, enquanto olha o cais da cidade antiga, que emergiu há três meses.

No interior do Piauí, moradores se depararam, em setembro, com o fim da lagoa de Pavussu, uma das maiores do estado e utilizada para abastecimento humano e pesca. O reservatório sumiu há dois meses devido à falta de chuva e ao represamento de córregos feito por fazendeiros. Só sobrou terra rachada.

- Essa lagoa foi até tema de música, era a coisa mais bonita. Hoje não tem uma gota d'água e não sei quanto tempo vai demorar para ela voltar ao normal - afirma a dona de casa Maria Ozélia de Macedo Souza, de 45 anos.

A água superficial é uma das poucas fontes da região, já que é difícil encontrar poços subterrâneos. Em São Raimundo Nonato (PI), moradores dizem que precisam cavar até 200 metros para achar água - imprópria para beber.

- A situação é de total colapso - diz Carlos Humberto Campos, coordenador da ONG Articulação do Semiárido (ASA) no Piauí. - Boa parte das cidades está dependendo de carro-pipa e cisterna.

Mesmo quem fugiu da seca sofre com os efeitos da falta de chuva. Nascida no Piauí e dona de um bar em Petrolina (PE), Perpétua Raimunda da Silva, de 73 anos, lembra de como criou os filhos na seca e diz que tudo melhora se chover:

- Precisa chover para esse sofrimento acabar.

A previsão do Inmet, porém, é de que as chuvas fiquem abaixo da média até janeiro.