Título: A maioridade da causa palestina
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/09/2011, Mundo, p. 26

Pode ser apenas coincidência, mas a história também se presta aos sincronismos, e o fato é que a Palestina se lança oficialmente na aventura da emancipação justamente ao se completarem 18 anos dos Acordos de Oslo. A disputa no Conselho de Segurança (CS) em torno da admissão plena do 194º país-membro da ONU apenas começou de fato. Mas não é cedo para dizer que se abre um novo ciclo do conflito instalado em 1947, na mesma ONU, quando uma votação da Assembleia Geral aprovou o plano de partilha da Palestina britânica e, por decorrência, a criação de Israel.

O CS não será o único palco onde esse ato do drama se desenrolará, nem mesmo será sempre o palco principal. Mas é para lá que se voltam, de início, as atenções internacionais. Mais particularmente, para o corpo a corpo nos bastidores entre os dois lados do conflito e os 15 países que integram o organismo. O Brasil estará representado até o fim deste ano, e tem boas chances de ter assento na votação que decidirá a sorte do pedido palestino de ingresso como membro pleno das Nações Unidas.

Rolo compressor Na apreciação de um diplomata que vem acompanhando o cotidiano do conselho, saíra logo de cena a elegância oratória de ontem, quando o presidente Mahmud Abbas e o premiê Benjamin Netanyahu ofereceram-se as mãos ¿ cada qual nos seus termos. "O jogo aqui é duro", resume essa fonte, referindo-se ao estilo rolo compressor que a diplomacia americana sabe colocar em campo quando a partida vale campeonato. Barack Obama tem dito e repetido que, se preciso, os EUA usarão o poder de veto para impedir que a adesão da Palestina vá a plenário.

E a embaixadora Susan Rice, pupila de uma das secretárias de Estado mais afinadas com os interesses israelenses ¿ Madeleine Albright, titular do posto no governo Bill Clinton ¿ já se movimenta com a mesma desenvoltura de quando comandou, ao lado de Hillary Clinton, a votação que enterrou a iniciativa turco-brasileira para um acordo nuclear com o Irã.

Hussein, não A pouco mais de um ano de disputar uma reeleição que se anuncia difícil, o presidente americano parece mais do que nunca assombrado pelo "fantasma de Hussein". Em 2008, durante a campanha que o levou à Casa Branca, Obama foi alvo de uma campanha metódica dos círculos republicanos mais à direita, empenhados em associá-lo ao terrorismo pela via da ascendência paterna muçulmana. Invariavelmente, esses meios se referiam ao então candidato democrata como "Barack Hussein" ¿ aproveitando até a lembrança recente de Saddam Hussein.

A guinada da Casa Branca não passou despercebida sequer à imprensa israelense. O discurso do anfitrião à Assembleia Geral foi motivo de uma paródia com o título de "primeiro presidente negro dos EUA", conferido a Clinton pela escritora Toni Morrison: Obama, o negro, seria "o primeiro presidente judeu". Ironias à parte, o jornal Haaretz fez uma comparação profundamente crítica entre o Obama de hoje e o que se dirigiu ao mundo árabe e islâmico, no Cairo, em 2009. Sem falar naquele que um ano atrás, na Assembleia Geral, acenou com a presença da Palestina com plenos direitos, no ano seguinte.

Lawrence ou Laurence? Também de olho nas urnas, mas com o horizonte em maio, o presidente francês se equilibra entre a "diplomacia atlântica", orientada para os EUA, e a ostensiva incursão que fez no mundo árabe a galope da Primavera. Nicolas Sarkozy encarnou Lawrence, o célebre oficial britânico que se associou ao levante árabe contra o Império Otomano, na Primeira Guerra (1914-1918). Desse envolvimento, por sinal, resultou o Mandato Britânico da Palestina, estabelecido pela Liga das Nações. E foi o esgotamento desse regime, ao fim da Segunda Guerra (1939-1945), que desembocou no moderno conflito árabe-israelense.

Sarkozy, cuja reeleição está ainda mais ameaçada que a do colega americano, tem feito tudo a seu alcance para evitar a escolha de Sofia no Conselho de Segurança. Meses atrás, empurrado pelo protagonismo francês na intervenção armada contra Kadafi, o Lawrence do Eliseu acenou com o reconhecimento da Palestina. Agora, tende a orientar um voto de abstenção ¿ opção curiosa para quem, no debate sobre sanções aos regimes árabes acusados de "massacres", cobrou dos países reticentes que "assumissem suas responsabilidades".

Ser ou não ser Dilema semelhante vive o premiê britânico, David Cameron, parceiro de Sarkozy na Líbia. Depois de ter comparado a Faixa de Gaza um campo de prisioneiros, ele se vê qual Hamlet desafiado pelo espectro do próprio destino.