Título: Duelo na tribuna
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/09/2011, Mundo, p. 26

A ONU aplaude de pé o presidente palestino, que discursou em defesa do Estado independente. O premiê israelense chamou o adversário ao diálogo, que pode ser destravado por uma iniciativa diplomática

Com um discurso histórico e emotivo na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, e sob aplausos entusiasmados da audiência, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, defendeu o ingresso imediato do Estado palestino como o 194º membro da ONU. O pedido formal tinha sido entregue momentos antes ao secretário-geral da organização, Ban Ki-moon. E a reação israelense foi rápida: 40 minutos depois, da mesma tribuna, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu rebateu o antecessor e apontou a rejeição dos palestinos em "reconhecer o Estado judeu" como principal empecilho para a solução do conflito. Os líderes convidaram um ao outro para o diálogo, mas suas falas deixaram evidente a distância entre as partes.

Ao fim do dia, porém, a rápida decisão da ONU de enviar a demanda ao Conselho de Segurança e o anúncio de um novo plano do Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, Rússia, União Europeia e ONU) despontaram como esperança de que israelenses e palestinos estejam se aproximando ao menos de uma nova rodada de negociações.

Assim que entrou no plenário, Abbas foi longamente aplaudido, de pé, pela maioria dos participantes, entre eles chefes de Estado e governo. Seu discurso durou 41 minutos. Na delegação norte-americana e na israelense, as expressões eram impassíveis. Abbas falou em árabe, e multidões de palestinos eufóricos acompanhavam o pronunciamento em telões, nas principais cidades da Cisjordânia. Com uma cópia do pedido nas mãos, Abbas reivindicou um Estado com as fronteiras de 4 de junho de 1967 ¿ compreendendo a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental. "Acreditamos que todos os países nos apoiam e estendemos nossa mão a Israel para negociar", disse Abba.

Netanyahu teve uma recepção discreta, partindo principalmente de própria delegação e da representação dos EUA. Algumas outras, como a da Síria, não estavam presentes. Em inglês, ele falou quatro minutos menos que Abbas. Preferiu justificar as necessidades de segurança de seu país e culpar os palestinos por não reconhecerem Israel como Estado judeu. "Não estou aqui pelos aplausos, mas para dizer a verdade", disse, para adiante dirigir-se aos palestinos. "Reconheçam o Estado judeu e façam a paz conosco", disse Netanyahu, rebatendo a afirmação da AP segundo a qual o motivo central do conflito é a colonização judaica nos territórios palestinos.

Netanyahu propôs que as conversações diretas com Abbas, congeladas há quase um ano, fossem restabelecidas ali mesmo, no prédio da ONU. Na opinião do embaixador Marcos de Azambuja, ex-secretário-geral do Itamaraty e vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), foram dois discursos competentes, em termos de retórica diplomática. "Mas, na briga por corações e mentes, foi o palestino quem tocou a alma da ONU", avalia Azambuja. Diagnóstico semelhante foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, falando mais tarde à imprensa brasileira em Nova York. "A reação da Assembleia Geral fala por si", afirmou o chanceler.

O presidente do Conselho de Segurança neste mês, o embaixador do Líbano, Nawaf Salam, informou que o organismo se reunirá na próxima segunda-feira para iniciar as consultas sobre o pedido palestino. O documento apresentado pelo Quarteto pede a israelenses e palestinos que "apresentem propostas completas dentro de três meses sobre a segurança e o território" e "façam progressos substanciais no prazo de seis meses". A ideia, segundo o grupo, é obter um acordo final "antes do fim de 2012". O negociador palestino Saeb Erekat disse que sua parte aceita o plano, e apelou para que Israel também o faça. Patriota se disse entusiasmado com a resolução. "Há perspectivas alentadoras."