O globo, n. 30058, 23/11/2015. Opinião, p. 12

O avanço do Aedes aegypti

Resultado da inépcia pública e da leniência social

POR EDITORIAL

 

OS PERIGOS DO MOSQUITO

MICROCEFALIA

DENGUE NO BRASIL

No Nordeste, o número total é de:

O número total no país é de:

693 mortes

399 casos

É o numero mais alto desde 1990, quando começaram a ser feitos os registros. recorde anterior foi em 2013, com 674 Óbitos

confirmadas até

agosto de 2015

Aumento do número de casos em PE

Estados com

maior número

de mortes

2011

2012

2013

2014

Além dos 268 casos em PE, foram

confirmados 131 em outros estados

Fonte: Ministério da Saúde

A anormal explosão, no espaço de menos de um ano, do número de casos de microcefalia no Nordeste (399 em toda a região, 268 ocorrências confirmadas somente em Pernambuco) e o recorde de mortes de vítimas de dengue entre janeiro e agosto (693 em todo o país), todos dados do Ministério da Saúde, não só indicam que o Aedes aegypti tem encontrado condições apropriadas para se reproduzir, como evidenciam que o mosquito ampliou consideravelmente seu leque de vítimas no Brasil.

Em si, a proliferação do vetor, com algumas alterações no mapa nacional de distribuição do inseto, é um fenômenos preocupante; a perspectiva de que teremos nos próximos meses um ciclo de calor mais intenso do que em outros anos agrava a situação. A sensação é que, não pela primeira vez, a saúde pública brasileira terá um grande desafio pela frente: evitar que o Aedes seja, mais uma vez, protagonista de novos ciclos de colapso sanitário.

A microcefalia é um tipo de malformação que se origina na gestação, responsável por reduzir o crânio do bebê e que leva a sequelas neurológicas, deficiências motoras e dificuldade respiratória. É um mal sem cura. Embora sejam variadas as possíveis causas da doença, consolida-se a hipótese de que o surto no Nordeste seja decorrente de uma epidemia de zika e chicungunha, infecções congênitas espalhadas pelo Aedes aegypti, que assolou a região no início do ano. Além de Pernambuco, o estado onde a situação é mais crítica, também há registros de casos de microcefalia fora dos padrões normais em Sergipe (44 ocorrências), Rio Grande do Norte (39), Paraíba (21), Piauí (10), Ceará (9) e Bahia (8). O diagnóstico do ministério é de que se trata de uma epidemia.

A outra ponta da proliferação do mosquito faz estragos por meio da dengue. O recorde de 693 mortes este ano bate o pico anterior de 674 óbitos, em 2013. São dados levantados até o fim de agosto, indicação segura de que os números serão piores até o fim do ano. Os indicadores de 2015 são 70% maiores que os registrados em 2014. Ao todo, o país contabilizou nos oito primeiros meses um total de 1,4 milhão de infectados, quase a metade (667,5 mil) somente em São Paulo. O estado responde por um triste recorde: em torno de 58% (ou 403 registros) das mortes por dengue registradas este ano ocorreram em municípios paulistas. Em seguida aparecem Goiás (67), Ceará (50), Minas (47) e Paraná (24).

No Rio de Janeiro, que já passou por duas grandes epidemias de dengue, morreram 19 pessoas entre janeiro e outubro, segundo a Secretaria estadual de Saúde. Não chega a ser ainda uma situação crítica, em comparação com os indicadores dos surtos anteriores, mas é preciso considerar que o número de notificações da doença é nove vezes maior do que o de todo o ano de 2014. Uma curva perigosa, levando-se em conta, à parte as medidas de prevenção adotadas pelo poder público, que os meses de calor mais intenso, propício à reprodução do mosquito, ainda não começaram.

No front das políticas públicas, há um antecedente que põe em xeque a eficiência dos organismos sanitários para lidar com o problema. O mosquito, combatido por Oswaldo Cruz no início do século passado, foi dado como erradicado no país da década de 1950. Meio século depois, no entanto, o inseto não só reapareceu, como espalhou-se como vetor de variadas doenças, ante a inépcia da burocracia dos serviços de saúde pública. Joga-se muito dinheiro fora em ações tópicas.

Depois de mais de uma década do reaparecimento do Aedes ainda não se tem uma estratégia de combate nacional, coordenada e unificada. A sociedade, por sua vez, tem sua parte no contencioso dessa rede de leniência, ao neglicenciar ações para inibir a reprodução do mosquito.

A realidade é que, em síntese, a população está cada dia mais vulnerável.

OS PONTOS-CHAVE

1

Já chega a 399 o número de casos de microcefalia este ano no Nordeste. Em Pernambuco são 268 notificações

2

Não existe cura para a doença, que reduz o tamanho do crânio da criança e pode levar a

diversos tipos de sequela

3

As 693 mortes por dengue, registradas no país até o fim de agosto, são um recorde. Quadro tende a piorar até o fim do ano

4

Cerca de 58% dos óbitos foram registrados em municípios

paulistas. São Paulo também tem o maior número de notificações

5

No Rio de Janeiro, com 19

mortes, a curva de notificações de dengue é ascendente