O globo, n. 30057, 22/11/2015. Economia, p. 34

Nos Estados Unidos, recuperação da economia não alivia pobreza

Há 5 anos, número de pobres fica estacionado em 15% da população​

POR O GLOBO

22/11/2015 6:00 / atualizado 22/11/2015 10:23

Nas ruas. Robbin Douglas prefere ficECO - Robbin, sem-teto de Washington, DC. Nos EUA, desemprego caiu, mas pobreza, não - Henrique Gomes Batista / Henrique Gomes Batista

WASHINGTON - O sol não nasce mais para todos na América. Os Estados Unidos estão cada vez mais desiguais e pobres. O problema começou com a crise financeira de 2008, mas a economia já se recuperou, inclusive com a geração de empregos. Mesmo assim, a pobreza, que afeta 46,7 milhões de americanos, continua na casa dos 15% da população. Desde o início dos anos 1980, logo após o segundo choque do preço do petróleo, esse patamar de pobreza não ficava tão alto por um período seguido de cinco anos.

O Censo americano mostrou que, em 2014, uma em cada cinco crianças dos Estados Unidos era pobre. Quatro estados (Novo México, Mississipi, Lousiana e o Distrito de Columbia, onde está a capital, Washington) também têm ao menos 20% de sua população abaixo da linha da pobreza. A exclusão social e o aumento da desigualdade cria problemas como tensão racial —o percentual de negros pobres é muito maior que o de brancos — e violência, em um país que nunca teve tantos milionários e cuja economia cresce mais de 3% ao ano.

Steven N. Durlauf, professor de Economia da Universidade de Wisconsin-Madison, afirma que muitos pobres estão completamente dissociados da economia americana e não sentem os benefícios de seu crescimento. Em geral, são pessoas com baixo nível de instrução, que vivem em áreas marginalizadas ou que têm histórico criminal e que ficam totalmente à margem da recente forte geração de empregos. A taxa de desocupação hoje nos EUA está em 5%, a menor desde abril de 2008, antes da crise global.

— A pobreza moderna americana é uma espécie de armadilha. As crianças pobres não conseguem desenvolver habilidades, não têm acesso à educação de qualidade, o que as impede de sair da pobreza, perpetuando o problema através das gerações — avalia.

radicalização política

Durlauf afirma que o debate sobre o aumento do salário mínimo no país, apesar de bem intencionado — a taxa de pobreza está quase três vezes maior que a do desemprego — pode gerar ainda mais desigualdade, em sua opinião. Ele argumenta que os pobres não têm acesso a emprego formal, mas poderão ser prejudicados pelo aumento de custo que será gerado com um eventual reajuste do piso. Ele defende um aumento do salário mínimo, mas desde que, antes, adotem-se políticas de combate à pobreza.

— Acredito que a solução passa por melhorar o investimento em educação, que garante alto retorno por dólar gasto. Em segundo lugar, políticas como ação afirmativa e políticas urbanas para a promoção da integração econômica são necessárias para evitar o isolamento de subconjuntos de população dos Estados Unidos.

Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, acredita que a desigualdade está na pauta do dia e será tema fundamental nas eleições presidenciais. Os Estados Unidos escolhem em novembro de 2016 seu novo presidente. Segundo Shifter, a pobreza levou uma “agenda latino-americana” para os EUA.

— A forte desigualdade dos Estados Unidos hoje em dia auxilia no aumento da radicalização do país. Parte de fenômenos como o forte apoio popular de Donald Trump (pré-candidato republicano na corrida eleitoral) é causada pela inquietação social — analisa.

A realidade das grandes cidades americanas confirma os números. Robbin Douglas, de 58 anos, não quer sair da rua. Ele recusou proposta do governo de Washington para ganhar uma casa:

— Eles querem me dar uma casa muito longe, em um local perigoso, com drogados, onde não posso ganhar meu dinheiro. Eu sou músico, toco minha guitarra em frente ao Starbucks de Dupont Circle e vivo bem — disse ele, que mistura declarações em inglês, espanhol e um pouco em francês, algo raro para um americano.

ricos têm benefícios fiscais

Douglas garante que, além de ganhar mais dinheiro e ter mais segurança, prefere a rua por causa das companhias. Vivendo assim há dois anos — ele é nascido na capital americana, afirma ter sido paraquedista na primeira guerra do Iraque e diz ter perdido toda a família aos poucos —, ele vê a população de sem-teto crescer, a imensa maioria de americanos nativos. Fome, diz, pobres nos Estados Unidos não passam:

— Aqui é cheio de igrejas que nos dão comida. Muitas pessoas que trabalham em escritórios sempre nos dão alimentos bons. Tenho uma caixa aqui só de coisa boa — afirma ele, que contou com a ajuda de uma ONG para conseguir provar danos psicológicos e obter uma pensão.

Para Marcello Estevão, vice-chefe da Divisão de Estudos do Departamento das Américas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a desigualdade de renda e a pobreza relativa nos Estados Unidos estão entre as maiores dentro do grupo das economias mais desenvolvidas do mundo e têm crescido bastante nas últimas décadas. As fortes diferenças salariais, causadas por abismos educacionais, explicam este fenômeno, em sua opinião.

— Há duas maneiras de se reduzir a desigualdade de renda e a pobreza relativa no país: reformando-se o sistema educacional para melhorar o acesso à boa educação de estudantes vindos de famílias relativamente pobres e aperfeiçoando-se o regime fiscal americano, visando a uma melhor redistribuição da renda nacional sem afetar em demasia os incentivos à produtividade — afirma Estevão, defendendo uma reforma tributária para acabar com benefícios aos mais ricos, como as compensações fiscais das hipotecas.