Título: Dilma na ONU e a projeção externa do Brasil
Autor: Saraiva, José Flávio Sombra
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2011, Opinião, p. 21
A estréia da presidente do Brasil no palco inaugural da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas foi criticada pelos céticos como alegoria paroquial do orgulho brasileiro. Mas a primeira mulher a proferir o discurso de abertura no órgão colegiado mais democrático das Nações Unidas, sua assembleia de 193 países, permanecerá nos anais.
A presidente foi aplaudida por cerca de 15 segundos ao pronunciar o termo mulher. Se o planeta avança celeremente para a marca de 7 bilhões de habitantes, suas mulheres ainda estão submetidas a condições de degradação. Não podem falar, não podem caminhar livremente, não podem estudar ou trabalhar.
Dilma quase não precisaria falar. Bastaria fitar as delegações de todo o mundo. Uma brasileira com formação culta, educada em família próspera, personagem política de um país do emergente Sul das relações internacionais mundiais, país vasto e generoso, foi manchete em várias partes do mundo.
A fala brasileira na Assembleia foi ainda melhor que a cara da personagem. O Brasil, que vem cativando um lugar de mais responsabilidade no cenário internacional, ganhou com o discurso da presidente. Em tom severo, olhos firmes, uma mulher brasileira disse a que vem o Brasil. E foi direto ao ponto quando criticou a carência política e de ideias nos países desenvolvidos ante a paralisia decisória dos dirigentes do Norte.
Mostrou que há evolução da posição da mulher no sistema econômico, social e político no Brasil. Mas isso não é suficiente. Precisará convencer a presidente que o Brasil tem perspectivas de continuar, em contexto econômico internacional de desequilíbrio, o esforço de equilibrar renda, inclusão social e desenvolvimento autônomo e competitivo. A equação não é de fácil resolução.
A medida de reforço da indústria instalada no Brasil tem ressonância junto aos brasileiros preocupados com a modéstia do padrão tecnológico e competitivo do Brasil. Se as novas medidas estimulam emprego no território, a tecnologia é a porta da inserção altaneira da nação. Mesmo com avanços em áreas específicas, como a do petróleo e a modernização da agricultura de exportação, o Brasil tem pouco estoque no mercado de ideias e produtos inventivos. E ainda carregamos baixíssima disciplina educacional.
Outra lembrança da presidente foi a responsabilidade compartilhada do mundo com região complexa, o Oriente Médio, a qual o Brasil tem também uma das fontes da brasilidade. Aqui vivem em paz árabes e judeus. O apoio claro do Brasil ao nascer do Estado palestino é dever histórico como foi nosso voto no nascimento do Estado de Israel.
Repetiu Dilma a necessidade da reforma das instituições onusianas, especialmente no que tange ao Conselho de Segurança. Mas há pouca hipótese de reforma uma vez que os atores estatais centrais da governança global, e particularmente a China, não tem interesses em verter mudanças de fundo nos lugares de privilégios que já possuem. O multilateralismo esgarçado, por outro lado, é um argumento a favor de uma nova governança ampliada por potências médias, do Sul, como o Brasil e a Índia.
Mas nada disso ficará para a história se a presidente do Brasil não agir com visão de Estado, para dentro e para fora do Brasil. O movimento notado nos últimos meses, de ação corretiva diante da corrupção sistêmica que se espraia na administração pública da União, dos estados e dos municípios brasileiros, é positivo. Significativa e simbólica a sessão específica na ONU, ao lado do presidente Obama, no compromisso da transparência e do acesso dos cidadãos aos seus recursos manejados pelos seus representantes.
Fundamental que siga a presidente a lembrança de que a vida parlamentar deveria ser a dos homens bons e boas mulheres, como é ela. No Brasil, essa área se degradou. Não interessará à primeira presidente do Brasil e à primeira mulher que abre a conferência anual da ONU deixar grassar o pântano e o lodo que nos empurra para o atraso, como já lembrava Rui Barbosa há 100 anos. A projeção externa do país exige melhorias nessa área.