Título: Palestinos recebem o seu "herói"
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 26/09/2011, Mundo, p. 12

Presidente Mahmud Abbas é ovacionado por uma multidão, em Ramallah, e faz discurso histórico. Ele promete não ceder às negociações e anuncia uma nova "primavera"

A multidão começou a chegar à Muqataa, sede da Autoridade Palestina (AP), por volta das 13h (7h em Brasília). Era o primeiro dia de trabalho após o fim de semana, e Ramallah ¿ capital da Cisjordânia ¿ preparou uma grande festa para seu presidente. Às 14h40, Mahmud Abbas caminhou sobre um tapete vermelho até o túmulo do ex-líder Yasser Arafat e subiu em um pequeno palanque, acompanhado de cerca de 20 pessoas, entre assessores e policiais. Lá embaixo, em meio a várias bandeiras e fotos de Abbas, os presentes gritavam "O povo quer um país palestino, o povo quer um país independente". A partir das 15h15 (horário local), o presidente falou por 15 minutos, em um tom carregado de emoção. "A jornada é longa e há muitos obstáculos, mas com a obstinação de nosso povo, superaremos esses obstáculos", declarou. "Fomos à ONU levando suas esperanças, sonhos, ambições, sofrimentos, visões e o desejo de um Estado palestino independente", acrescentou. Ele admitiu que o pedido à Assembleia Geral das Nações Unidas para o reconhecimento de seu país soberano provocará animosidade entre alguns países.

Bandeiras e cartazes com fotos do líder ocupam a Muqataa, sede da Autoridade Palestina, em Ramallah

"Nós temos que dizer ao mundo que existe uma Primavera Árabe, mas a Primavera Palestina nasceu. Uma primavera popular, uma primavera populista, uma primavera de batalha pacífica, que atingirá sua meta", previu Abbas, antes de ecoar o apelo da população. "O povo quer um Estado palestino", declarou. Em clara alusão ao governo do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o líder da AP avisou: "Nós nunca concordaremos com negociações sem legitimação internacional e sem o completo fim da expansão dos assentamentos". Para o fim do pronunciamento, Abbas guardou uma frase de impacto, repleta de patriotismo. "Levantem suas cabeças, porque vocês são palestinos", disse à multidão.

Linah Al-Saafin, uma escritora freelancer de 20 anos, contou ao Correio que decidiu participar do protesto, em Ramallah, na condição de observadora. "Fui à Muqataa para ver a reação dos palestinos, sua bajulação e sua ignorância amplificada pelo apoio cego a Abbas", relatou. "Ele tem uma longa história de colaboração com Israel e trabalha contra os interesses de meu povo." A jovem não esconde o desprezo pelo presidente. "Eu não sou uma ovelha. O mandato de Abbas expirou há quase três anos", acrescentou. Ao contrário de Linah, Mohammed Amudi ¿ outro palestino que compareceu ao quartel-general da AP ¿ não disfarçava o orgulho. "Eu vim para declarar meu apoio ao bravo discurso de Abu Mazen na ONU e ao seu desafio aos Estados Unidos", disse à agência France-Presse, ao referir-se ao apelido do presidente. "Abu Mazen merece ter todos os palestinos com ele nessa batalha", emendou.

Assad Hijjah, 30 anos, pai de duas crianças, até pretendeu se unir ao movimento, não muito longe da sede da operadora de telecomunicações que ele gerencia. Mas o excesso de trabalho impediu-o de caminhar os 5km até a Muqataa. "O sentimento das pessoas por aqui é ótimo. Você não pode ver como os palestinos estão felizes pelo discurso de Abbas na ONU. Ele pôs um basta ao jogo israelense de "negociação por negociação", afirmou à reportagem, por meio da internet. "Tenho total convicção de que Abbas é um herói. Ele voltou a mencionar que só começará um diálogo real após Israel interromper a colonização e se basear nas terras ocupadas em 1967."

Diálogo difícil Analista do Centro para Estudos Estratégicos Begin-Sadat (em Ramat Gan), o israelense Mordechai Kedar critica a postura de Abbas. Segundo ele, os palestinos tornam inaceitáveis as pré-condições de Israel, porque sabem que, ao fim das negociações, terão que reconhecer o direito de Israel existir como Estado do povo judeu. Na opinião dele, até mesmo uma intervenção do Quarteto de Madri ¿ grupo formado por EUA, ONU, Rússia e União Europeia ¿ seria estéril. "Os palestinos não querem a paz com Israel, tanto que foram à ONU para obter um Estado sem negociações", ataca. A proposta do Quarteto visa um acordo de paz final até 2012 e conta com o respaldo do chanceler israelense, Avigdor Lieberman. "Acho que é preciso aceitá-la, porque ela inclui um ponto muito positivo: a abertura de negociações sem condições prévias", defendeu o ministro.