Título: ONU recebe queixa de tortura em clínicas
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2011, Brasil, p. 8

Conselho Federal de Psicologia denuncia à organização internacional 66 casos de maus-tratos e morte em 15 unidades de internação psiquiátrica. Três deles ocorreram no Distrito Federal

Pacientes acorrentados, sessões de choque, amputações de dedos e mortes violentas em locais de internação psiquiátrica e de atendimento a dependentes químicos no Brasil foram denunciados, ontem, à Organização das Nações Unidas (ONU). A lista com 66 casos entregue a Wilder Tayler, representante do Subcomitê de Prevenção à Tortura da entidade, pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), traz ocorrências em 15 unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal. O objetivo, segundo o presidente do CFP, Humberto Verona, é pressionar autoridades brasileiras, por meio da organização internacional, a darem uma resposta às violações de direitos humanos ocorridas dentro das instituições fechadas.

"São brasileiros que estão sendo torturados e mortos debaixo dos nossos olhos e nenhuma atitude é tomada", lamenta Verona, destacando que já entregou as mesmas denúncias ao Ministério da Saúde e à Secretaria de Direitos Humanos. Os 66 casos relatados no documento abrangem quatro regiões do país. A exceção é o Norte. São Paulo e Pernambuco lideram o ranking da violência praticada nas unidades de tratamento dos mais variados tipos ¿ públicas; privadas, mas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS); e particulares, além de comunidades terapêuticas, entidades que lidam com viciados em álcool e drogas. As violações ocorreram de 2001 a agosto de 2011, concentrando-se nos últimos três anos.

Ao ouvir o presidente do CFP detalhar os dados do relatório, Tayler classificou as denúncias como "graves" e se comprometeu a analisá-las. Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva, é preciso investigar todas as denúncias de maus-tratos a fim de aperfeiçoar o atendimento prestado à população, sobretudo a parcela mais pobre, mas não fechar hospitais. "Pergunto-me qual a motivação das denúncias e quais as soluções propostas. O que me preocupa é a lógica do Ministério da Saúde, calcado na reforma antimanicomial, de fechar unidades, alternativa mais fácil em vez de transformá-las em centros de excelência", critica. O Ministério da Saúde informou que está fazendo uma auditoria nos 201 hospitais psiquiátricos do país a fim de verificar irregularidades.

Negligência Um dos três casos ocorridos no Distrito Federal diz respeito à morte de um jovem dependente químico na clínica Recanto, localizada em Brazlândia, há cerca de dois anos. A família do rapaz duvida da tese de suicídio e acusa o local de negligência, com base no laudo cadavérico, que apontou maconha e álcool no organismo do paciente. Além disso, o rapaz teria comentado que substâncias ilícitas circulavam pelo lugar de tratamento. O dono da clínica, Deusdete Benevides, nega que o paciente tenha sido vítima de homicídio ou descuido. "Já pegamos drogas por aqui, é verdade. Às vezes, é o próprio familiar que traz. Não temos poder de polícia para revistar visitantes, mas fazemos pentes-finos uma ou duas vezes por semana", explica.

Financiamento polêmico O Ministério da Saúde prepara dois editais para financiar as comunidades terapêuticas que lidam com usuários de drogas. A determinação para que tais entidades integrem a estratégia do governo de atendimento a dependentes químicos partiu da presidente Dilma Rousseff, ocasionando um racha no governo. Muitas autoridades do setor são contrárias à ideia por entenderem que as comunidades não têm capacitação para esse fim. Entre categorias de profissionais da área, o projeto também é repudiado. "Verdadeiro absurdo colocar dinheiro público nesses locais, que, para funcionar, basta ter um profissional de nível superior como responsável", critica Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.