O Estado de São Paulo, n. 44618, 15/12/2015. Política, p. A4

Ministério Público denuncia Bumlai, que confirma empréstimos para o PT

 

O Ministério Público Federal denunciou ontem o empresário e pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, e outros dez investigados pela Operação Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta (Lei do Colarinho Branco).

Os denunciados são suspeitos de participar de um esquema de propinas na contratação da Schahin Engenharia, finalizado em 2009, para operar o navio-sonda Vitória 10.000, da Petrobrás. Segundo a Procuradoria, a assinatura do contrato ficou condicionada à quitação de um empréstimo de R$ 12 milhões concedido pelo Banco Schahin a Bumlai, mas que teria como beneficiário real o PT.

Em seis horas e meia de depoimento ontem, Bumlai admitiu à Polícia Federal, em Curitiba,que os RS 12 milhões que tomou de empréstimo no Banco Schahin, em 2004, foram destinados ao PT. Apontou ainda dois ex-tesoureiros do partido, Delúbio Soares e João Vaccari Neto, como envolvidos no negócio. Segundo Bumlai, quem sugeriu a ele que fizesse o negócio foi o próprio presidente do banco, Sandro Tordin. Ele disse que Tordin lhe indicou que tomasse o cm préstimo "para passar ao PT".

Bumlai declarou à PF que "ficou de pensai* no assunto", mas que no dia seguinte foram a sua casa em Campo Grande (MS) Delúbio, então tesoureiro, "e mais gente do partido" que afirmou não se lembrar do nome porque "nem abriram a boca na reunião". Tordin estava com o contrato na mão,segundo Bumlai.

Ele afirmou que "não sabia" do negócio do Grupo Schahin relativo ao navio-sonda Vitória 10.000, contratado pela Petrobrás ao preço de US$ 1,6 bilhão, em 2009 - um dia antes do negócio da Schahin com a Petrobrás, o empréstimo do banco com Bumlai foi quitado.

A PF quis saber de Bumlai o motivo de ele ter realizado o empréstimo. "Não tinha havido mensalão ainda, o partido estava com grande popularidade. Não iria custar nada para mim, eu quis fazer um favor, uma gentileza, para quem estava no poder", afirmou, referindo-se ao caso da transferência irregular de dinheiro a parlamentares. Bumlai disse que "fez um gesto de simpatia, que se transformou em uma grande bobagem".

•"Real beneficiário"

"A verdadeira quitação do valor foi feita pelo direcionamento ilegal, do contrato de operação de sonda, pela Petrobrás, o que foi feito por funcionários desta e mediante influência do PT, real beneficiário do empréstimo original" 
Ministério Público Federal 
EM DENÚNCIA APRESENTADA ONTEM

Denúncia. O Ministério Público afirma ainda que existem "indícios" de que Bumlai teria usado "indevidamente"o nome de Lula "para conseguir vantagens". Como reparação dos danos causados pela infração, a Procuradoria cobrou dos denunciados R$ 53,5 milhões.

Caso as denúncias sejam aceitas pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato, Bum-lai e os outros dez investigados se tornarão réus e deverão responder pelos fatos na Justiça.

Bumlai foi preso pela Polícia Federal em 24 de novembro durante a 21.ª fase da operação, a Passe Livre, em referência ao acesso irrestrito que o pecuarista tinha ao Palácio do Planalto. A origem do episódio que envolve o amigo de Lula é o empréstimo de R$ 12 milhões concedido pelo Banco Schahin.

Segundo a apuração, tal empréstimo foi concedido a Bumlai, mas se destinava ao PT, e teria sido "pago" ao Grupo Schahin por meio de um contrato de US$ 1,6 bilhão do navio-sonda Vitória 10.000. A Schahin, nó entanto, diz que a dívida do pecuarista foi perdoada em 2009.

"Ato de ofício da Petrobrás vendido cm troca da quitação do empréstimo, ou seja, o PT tinha uma dívida com a Schahin e o pagamento dessa dívida se daria mediante ato de ofício da Petrobrás feita com o Grupo Schahin", disse o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol.

"A verdadeira quitação do valor foi feita não pelos negócios simulados, mas sim pelo direcionamento ilegal, do já mencionado contrato de operação de sonda, pela Petrobrás, o que foi feito por funcionários desta c mediante influência do PT, real beneficiário do empréstimo original", afirma a denúncia, que atinge ainda João Vaccari Neto.

Na denúncia, a Procuradoria revela empenho de Delúbio Soares e de José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula. Segundo os procuradores, Delúbio Soares ressaltou a urgência do empréstimo, detalhando os termos do financiamento pretendido e confirmando o interesse do PT para que a operação fosse concluída.

O criminalista Arnaldo Malheiros Filho, advogado de Bumlai, afirmou ontem, em nota, que "não é usual e pode ser chamada de temerária a apresentação de uma acusação formal contra quem não foi ouvido, especialmente quando novos esclarecimentos poderiam contribuir para o conhecimento da verdade". "José Carlos Bumlai e seus advogados tiveram conhecimento de que fora apresentada a denúncia (mas não de seu teor) quando a Polícia Federal dava início a seu depoimento." Bumlai também disse que jamais usou o nome do ex-presidente Lula nessas conversas.

Em nota, o PT negou irregularidades. "Todas as doações recebidas pelo PT aconteceram estritamente dentro da legalidade e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral". O criminalista Luiz Flávio Borges D"Urso tem reiterado que João Vaccari jamais pediu doações ilícitas. / FAUSTÔ MACEDÔ. JULIA AFFONSO. MATEUS COUTINHO. RICARDO BRANDT 6 EDSON FONSECA. ESPECIAL PARA O ESTADO

•Delcídio

A transferência do senador petista da Superintendência da PF em Brasília ao quartel da PM do Distrito Federal foi autorizada pelo STF, mas a PM diz que não foi notificada. Ele permanece na PF.