Brasília na luta contra o racismo

Caroline Pompeu

04/12/2015

Lutar contra o racismo é uma tarefa diária. Em Brasília, ainda são frequentes as ofensas raciais. Além disso, nos últimos meses, foram registrados pelo menos 14 ataques a terreiros de matriz africana no Distrito Federal e no Entorno, o que reforça a intolerância na região. O mais recente deles ocorreu na última terça-feira, em Valparaíso, onde parte do templo Ile Aira Axe Mersan Orun acabou destruído por vândalos (leia reportagem abaixo). Nesse cenário, muitos grupos de música e dança que promovem ações sociais surgem no cenário brasiliense para discutir, sensibilizar e disseminar o tema. 
O preconceito e a humilhação sofridos por uma turma de sete dançarinos negros, tachados de gangue, fizeram com que o Grupo Cultural Azulim fosse fundado em Sobradinho 2, há 20 anos. O diretor-presidente da associação, Iranildo Gonçalves, 44 anos, explica que a base da entidade é o fortalecimento da cultura afrodescendente. Hoje, cerca de 300 pessoas da comunidade participam de aulas de hip-hop, caratê, capoeira, dança terapêutica, oficinas de capacitação e de uma casa de recuperação para dependentes químicos. "Em todas as atividades, nas músicas, nos trabalhos e nas pesquisas, sempre trazemos à tona a cultura negra. A gente se autoafirma todos os dias", explica.

Assim como o Azulim, o Grupo Nzinga de Capoeira Angola oferece aulas há 14 anos, na Asa Norte e no Varjão. Fazem parte do projeto cerca de 40 alunos. Segundo o coordenador, Dênis Rodrigues da Silva, o movimento surgiu em torno da capoeira ritualística e reafirma a origem africana da atividade. "A gente insiste na nossa similaridade com o candomblé. As nossas noções, principalmente de comunidade, ancestralidade, princípios educativos, movimentação e músicas, remetem aos mestres mais antigos. Se, por um lado, existem o aumento do reconhecimento e o respeito às gerações negras, por outro, estamos só no começo. Os ataques a terreiros que aconteceram, por exemplo, são ataques a nós mesmos", disse.

Musicalidade
No terreiro Ilê Ase Ode Fun Mi Layo, em Sobradinho, surgiu, há quatro meses, o Afoxé Ode Igbo. Após os ataques a templos de cultura afro-brasileira, o grupo musical se uniu para desmistificar o candomblé. Eles usam instrumentos como agogô, xequerê e três atabaques do candomblé. No fim de novembro, eles se apresentaram no Festival Samba de Coco e Maracatu, no Paranoá, em comemoração ao Dia da Consciência Negra. "À época, nós vimos a movimentação de outros templos para difundir a cultura e a religião do candomblé, que ainda é vista por muitos como algo macabro. Apesar de ser um movimento mais cultural, não queremos deixar de lado a parte religiosa, para mostrar como realmente ɔ, explicou o presidente do grupo, Rafael Siqueira da Silva.


Os Filhos de Dona Maria recorrem ao cavaquinho, ao violão e à percussão para fazer samba e misturar chula, igexá, maxixe, ciranda, maracatu, afoxé, jongo e a musicalidade da capoeira. Quatro músicos se inspiram nos tambores e nos temperos do terreiro de matriz africana. Começaram há três anos no Ilê Axé T'ojú Labá, no bairro Jardim ABC, na Cidade Ocidental. "O nosso intuito é tirar de dentro do terreiro e levar para as ruas, para as pessoas entenderem o que é a energia, a cultura do negro. As nossas letras falam sobre a valorização do negro, a cultura dos orixás, Zumbi dos Palmares, Mandela, capoeira", detalha Vinicius de Oliveira, 29 anos, um dos integrantes do grupo.

 
Outro integrante do grupo, Amilcar Paré, 36, explicou que a questão do racismo é uma luta diária, um processo que não é de agora. "Ao subirmos no palco e cantar essas músicas, o fato de sermos negros e fazer música negra já são um meio de trazer à tona a questão", relatou.

 

Correio braziliense, n. 19184, 04/12/2015. Cidades, p. 23