Barbosa assume Fazenda e cria onda de incerteza

Simone Kafruni, Paulo Silva Pinto

19/12/2015

Desde que assumiu o Ministério do Planejamento, no segundo mandato de Dilma Rousseff, Nelson Barbosa sempre sonhou com a chave do cofre. Um ano depois, realizou seu maior desejo, ao ser anunciado, ontem, ministro da Fazenda, substituindo Joaquim Levy, que saiu pela porta dos fundos, depois de perder uma série de embates sobre o ajuste fiscal. No Planejamento, ficará Valdir Moisés Simão, ex-ministro da Controladoria Geral da União (CGU). Os dois serão empossados na próxima segunda-feira.

Barbosa, no entanto, assumirá envolto em desconfiança. Pesa sobre ele a nova matriz econômica - da qual ele foi um dos mentores -, que vigorou no primeiro mandato de Dilma e levou o país à recessão. Há ainda o risco de ele ser condenado pelo Tribunal de Contas (TCU) por ter sancionado as pedadas fiscais. Se considerado culpado, será proibido de exercer cargos públicos. Não à toa, a reação dos investidores à escolha do ministro foi extremamente negativa, sobretudo no exterior. O dólar disparou e a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) despencou.


Com a demissão de Levy e a nomeação de Barbosa para a chefia da equipe econômica, Dilma acredita que conseguiu acabar com os focos de tensão dentro do governo. Mais que isso, terá controle total da política econômica sem que ninguém seja capaz de lhe apresentar contrapontos. Ela reconhece que Barbosa não é o nome dos sonhos dos agentes econômicos, mas como  o Brasil já foi rebaixado por duas das principais agências de classificação de risco, a Standard & Poor's (S&P) e a Fitch, não há nada de tão ruim que possa vir em resposta à saída de Levy.

A maior desconfiança em relação a Barbosa está na área fiscal. Foi justamente a defesa de um ajuste mais frouxo das contas públicas que o colocou em permanente tensão com Levy. Mas, com apoio de Dilma, ele venceu todas as batalhas, seja no envio do Orçamento de 2016 ao Congresso com deficit de R$ 30,5 bilhões, seja na redução da meta do ano que vem de 0,7% para 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), com possibilidade de zerar o resultado. Foram essas duas propostas que levaram o país a ser visto como lixo pelas agências de risco.


Ciente dessa imagem ruim, o novo ministro da Fazenda aproveitou sua primeira aparição pública para garantir que o ajuste fiscal será prioridade do governo. Mas não deixou de sinalizar mudanças, como forma de agradar a ala do governo mais à esquerda e, sobretudo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, detratores de Levy. "Estamos em fase de transição na economia brasileira para o novo ciclo de crescimento. Essa fase passa pelo equilíbrio fiscal. Somente com estabilidade fiscal vamos ter crescimento sustentado", afirmou.

Reformas

Barbosa minimizou os efeitos do rebaixamento do país pelas agências de risco. "Grau de investimento é resultado. Creio que, com o controle da inflação e a retomada do crescimento, o grau de investimento virá como consequência", disse. Ele ressaltou ainda a autonomia do Banco Central na condução da política monetária "para trazer a inflação para o centro da meta", ou seja, aumentar a taxa básica de juros (Selic), se necessário. A perspectiva é de que, já em janeiro, os juros passem de 14,25% para 14,75%, apesar do agravamento da recessão.

O novo ministro citou a "cooperação" entre ele e Levy ao longo deste ano, com a apresentação de várias medidas de ajuste fiscal que "estão em curso", mas não se preocupou em elogiar o trabalho do antecessor. Levy embarcaria ontem para São Paulo e neste fim de semana deverá se encontrar com a família nos Estados Unidos. Não participará, portanto, da posse oficial de Barbosa, a menos que haja alguma mudança de planos. O que não surpreende. Os dois nunca se entenderam.

À frente da Fazenda, Barbosa garantiu que o governo já adotou várias medidas de redução de gastos. "Fizemos reformas estruturais, no seguro-desemprego, na pensão por morte, além de medidas de gestão para melhorar o gasto público. O foco continua sendo a estabilidade fiscal", garantiu. Ele admitiu, porém, que é preciso avançar nas reformas estruturais de longo prazo, a partir do controle dos gastos obrigatórios, e isso passará, obrigatoriamente, por ajuste na Previdência Social, que consome 47% do Orçamento.

Segundo Barbosa, o governo já está fazendo uma reforma da Previdência a partir da chamada fórmula 85/95 pontos (que permite aposentadoria integral quando a soma da idade mais o tempo de contribuição é de 85 pontos para mulheres e 95 para homens). Fez isso com o intuito de rebater Levy, que havia dito que o governo parece ter medo de reformas. Para Barbosa, há várias iniciativas em andamento.

Sem rótulos e caricaturas

Ao ser anunciado como novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa rebateu com irritação a indagação sobre a possibilidade de retomar a chamada nova matriz macroeconômica, que, segundo analistas, levou ao desequilíbrio das contas públicas ao elevar gastos. “Prefiro não fazer o debate com rótulos e caricaturas. É importante aprender com erros e acertos do passado. Mas não estamos no governo para confirmar teses”, disse.

Para o mercado, contudo, esse é o maior temor. Na opinião do analista do Nomura Securities, Mario Robles, enquanto seu antecessor, Joaquim Levy, sempre defendeu uma posição mais forte de ajuste fiscal, Barbosa é um economista mais heterodoxo, “a favor de medidas anticíclicas, além de ser mais receptivos à interferência da presidente Dilma Rousseff”.
O economista e especialista em contas públicas Mansueto Almeida, recém-chegado de uma viagem aos Estados Unidos, disse que foi pego de surpresa com a notícia da troca na Fazenda. “O Nelson Barbosa é um nome que o mercado tem uma enorme desconfiança. Para ganhar credibilidade, terá que ser mais duro que o Levy”, avaliou.

A substituição também surpreendeu o diretor do Eurasia Group, Christopher Garman. “Nós estávamos esperando que a presidente Dilma Rousseff fosse evitar nomear alguém que sinaliza frouxidão fiscal, por medo de estimular uma maior crise de confiança. Em vez disso, ela provavelmente raciocinou que, uma vez que já perdeu a elite econômica na batalha pelo impeachment, e até mesmo status de grau de investimento com o segundo rebaixamento nesta semana, pode muito bem optar por um toque mais suave na gestão fiscal”, analisou.

O economista-chefe para mercados emergentes da consultoria britânica Capital Economics, Neil Shearing, reconheceu que a troca deverá tumultuar os mercados. “É provável que Barbosa tenha uma linha menos agressiva na contenção dos gastos. Levy tinha ganhado aplausos em Wall Street como um falcão fiscal, mas lutou para empurrar sua agenda no Congresso cada vez mais fragmentado. E Barbosa tem um discurso de que um ritmo agressivo para o equilíbrio orçamentário vai mergulhar a economia mais ainda na recessão”, disse.

Shearing acredita que alguns elementos do plano de austeridade de Levy, como a volta da CPMF, podem ser arquivados. “Dada a dimensão do deficit nominal, de 9,5% do PIB (no acumulado de janeiro a outubro), os investidores vão ter cautela. Mas vale lembrar que Barbosa é favorável à contenção de gastos em um ritmo mais lento que o proposto por Levy e criticou, no passado, os truques contábeis utilizados pelo governo para encobrir a verdadeira dimensão do rombo fiscal”, comentou. Ele aposta que, em janeiro, o Banco Central vai ter que fazer um aperto monetário maior diante dessa mudança.

 

Correio braziliense, n. 19199 , 19/12/2015. Economia, p. 6