Correio braziliense, n. 19215, 04/01/2016. Brasil, p. 5

Especialistas apontam única estratégia nacional de combate ao Aedes aegypti

Eles pedem a aprovação de leis que permitam acesso irrestrito da vigilância sanitária aos focos de infestação

 Hédio Ferreira Jr. - Especial para o Correio

 

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Piscina com ondas do Parque da Cidade acumula água parada: fiscais reivindicam acesso a terrenos abandonados para combater o Aedes

 


Mais de um século depois de o sanitarista Oswaldo Cruz criar um plano de combate ao mosquito Aedes aegypti e erradicar a febre amarela no Rio de Janeiro, o governo federal chega a 2016 enfrentando um problema de saúde pública ainda imensurável causado pelo mesmo transmissor da doença que assolava o Brasil no início da década de 1900. O aumento do número de casos de microcefalia — relacionada ao vírus zika e que gera má formação da cabeça e do cérebro do feto durante a gestação da mulher infectada — cresce a cada semana e tende a disparar a partir de janeiro, quando chuvas de verão e armazenamento de água parada facilitam a proliferação do inseto transmissor também da dengue e da febre chikungunya.

A falta de uma política pública nacional que direcione estados e prefeituras no combate ao vetor faz crescer medidas próprias, mas, muitas vezes, sem plano estratégico de ação conjunta com cidades vizinhas. Isso deve dificultar as ações de controle das doenças transmitidas pelo mosquito.

 

 
Por se tratar de um problema novo, surgido em 2015 e pouco conhecido até mesmo entre a comunidade médica, a microcefalia ocasionada pelo zika preocupa especialistas que apontam essas medidas descentralizadas como obstáculos para se erradicar o problema. “O governo federal tem que aumentar o nível de alerta e manter o comitê de combate ao mosquito atuante, durante todo o período do ano, até mesmo nos recessos e feriados”, defende o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Thiago Trindade.

O número de casos suspeitos de microcefalia no Brasil cresceu 7% na última semana. Os dados apresentados pelo Ministério da Saúde apontavam 2.975 notificações em 29 de dezembro, contra 2.782 sete dias antes. Quarenta mortes já foram registradas até agora em todo o país. Pernambuco lidera disparado o ranking de entes federativos, com o maior número de casos: foram 1.153 com três suspeitas de morte e proliferação em 150 municípios. Na Bahia e no Rio Grande do Norte, foram dez óbitos relacionados à doença, em cada um deles.

Acesso a residências

A criação de uma lei que permita o acesso dos agentes de saúde a domicílios e terrenos fechados é defendida pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade como uma forma de derrubar um obstáculo enfrentado no combate ao Aedes aegypti. Muitos moradores resistem em abrir suas casas ao profissional de vigilância sanitária, o que atrapalha a erradicação da doença.

Uma solução não prosperou até o momento. Em abril de 2015, o município de Piracicaba (SP) recebeu mosquitos geneticamente modificados. Por meio de um convênio com a empresa britânica Oxitec, os insetos produzidos em laboratório foram soltos na natureza para procriar com fêmeas. Os machos tinham um gene capaz de produzir uma proteína e matar os filhotes decorrentes desse cruzamento. A medida, porém, não evoluiu para o resto do país.

Transfusão

A dor de cabeça do governo federal no combate ao transmissor do vírus zika deve aumentar depois de a Divisão de Hemoterapia do Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) registrar no município a infecção de um paciente por meio de transfusão de sangue. É o primeiro caso no país, o que vai requerer das autoridades de saúde pública um novo cuidado no tratamento da doença.

O Ministério da Saúde adota medidas, como coibir por 30 dias a doação de pessoas com suspeita de infecção. O risco da transmissão existe, mas não há nenhuma medida ainda que possa diminuí-lo. “A triagem clínica ainda é nosso primeiro e principal filtro no atendimento médico”, acredita o presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemopatia e Terapia Celular, Dimas Tadeu Covas.