Correio braziliense, n. 19215, 04/01/2016. Economia, p. 7

Os juros da concentração

04/01/2016 - Fonte:  Correio Braziliense - Edição Digital 

Mestre em criar impostos, o Brasil promove o maior programa de transferência de renda às avessas do planeta. Ao tributar, sobretudo, o consumo, faz ricos e pobres pagarem igualmente para financiar uma máquina ineficiente. Mas, como a pesada carga tributária de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), uma das maiores do mundo, é insuficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas, o país é obrigado a ampliar a dívida para cobrir o rombo crescente. Com isso, transfere mais de 8% de toda a riqueza produzida em um ano em forma de juros para o bolso dos investidores que aplicam em títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.


A distorção é enorme, devido à ineficiência do Estado. Apenas entre janeiro e novembro de 2015, o Brasil desembolsou R$ 449,7 bilhões em juros da dívida, o equivalente a 8,3% do PIB. A quantia corresponde a 2,5 vezes o que o governo gastou com o programa social Bolsa Família desde a sua criação, em 2003, isto é, R$ 182,4 bilhões em 12 anos. Essa conta tende a ficar cada vez mais elevada. Os juros não param de subir porque o governo negligenciou o controle da inflação nos últimos quatro anos. Em 2016, a taxa básica (Selic), que está em 14,25%, deve atingir 15,75% ao ano, o nível mais alto desde abril de 2006.


Além de reduzir a capacidade do governo de investir, o aumento dos juros tende a encarecer o crédito, que já anda escasso. Assim, as empresas suspendem a ampliação de fábricas e as famílias adiam o consumo, postergando ainda mais a retomada do crescimento econômico. Tudo isso ocorre por conta do gigantismo e da ineficiência do governo em todas as esferas. Apesar de inventar 532 normas gerais e 31 regras tributárias por dia e aplicar 63 impostos diferentes, o Estado não é capaz de manter as contas em ordem. A União está com um rombo de quase 10% do PIB. Estados e municípios também mal conseguem pagar a folha de pessoal.


Nos Estados Unidos, há um tributo sobre o consumo, que vai de 6% a 12%. E mais impostos sobre a renda e o patrimônio. "No Brasil, é o inverso. Temos quatro grandes tributos que incidem sobre o consumo, fora o que está embutido no preço final ao consumidor", enumera o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike. Isso provoca uma distribuição de renda ao contrário. "Se duas pessoas, uma pobre e uma rica, comprarem o mesmo produto, uma bola de futebol que seja, o pobre paga, proporcionalmente, 2.500% a mais", exemplifica.


Não há como reduzir a desigualdade num país onde quase 80% da população ganha, no máximo, dois salários mínimos por mês, e no qual o Estado, ao tributar o consumo, faz o pobre comprometer mais sua renda com impostos do que o rico. "Estudo da Receita Federal aponta que as pessoas mais abastadas não são atingidas pelo instrumental tributário do país", afirma o economista Paulo Dantas da Costa, ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). "Nossa equação tributária, comparada com a dos Estados Unidos, por exemplo, é invertida. Lá, mais da metade é imposto sobre patrimônio e a renda, exatamente o contrário daqui, onde o Estado cobra mais sobre consumo", diz.


Além do sistema tributário, que amplia o abismo social na base, há ainda a transferência de renda reversa provocada pela taxa de juros, argumenta o economista. "Nas alturas, os juros sacrificam as próprias contas públicas, porque a dívida aumenta. Além disso, a alta taxa inibe o investimento daqueles que precisam recorrer a financiamentos. Mas o pior é a concentração de riqueza", elenca Paulo Costa.
O economista do Cofecon ressalta que, na Alemanha e na Holanda, os programas sociais pagam 600 euros às famílias, o equivalente a mais de R$ 2,5 mil por mês. "Claro que eles não têm a dimensão do Bolsa Família porque a nossa população é muito maior", frisa. O programa brasileiro paga, em média, R$ 155 por família. Enquanto isso, investidores em renda fixa acumularam rentabilidade de 10% a 11% em 2015, ano em o PIB caiu mais de 3%. "Existe uma sutileza no Brasil. A renda média nacional diminuiu no ano passado. Mas existem indivíduos que, apesar de tudo, ficaram mais ricos só com aplicações", diz Costa.

Injustiça

A sutileza está no fato de que, quem pagou o enriquecimento dos mais ricos foram os mais pobres. "Todos perderam renda, menos os investidores, que acumularam riqueza em cima dos juros pagos pelo governo. Agora, quem coloca o dinheiro nas mãos do governo? São todos os brasileiros, de forma praticamente igualitária, independentemente da renda. Está aí a injustiça tributária do país", resume o ex-presidente do Cofecon.


"Estamos aumentando a distância entre ricos e pobres", reforça João Victor Guedes, advogado tributarista do escritório L.O. Baptista-SVMFA. "Na medida em que a inflação subiu, foi necessário elevar a taxa Selic, fazendo com que os ricos direcionassem suas aplicações para renda fixa, revertendo em mais lucro para eles", assinala.


Por isso, o governo não pode permitir que a inflação se descontrole.  Ela só acarreta distorções, pois os mais pobres não têm como se defender. Não dispõem de dinheiro para aplicar e são obrigados a adquirir tudo mais caro e a pagar mais pelo crédito, já que não podem comprar à vista. "A inflação alta é perversa demais. Quem mais precisa, paga mais. Quem menos precisa, se não fica mais rico, pelo menos protege o patrimônio", pondera Guedes.


Para agravar o quadro, o governo vem tentando aumentar tributos de todas as formas. "Veja a proposta da CPMF (Contribuição sobre Movimentação Financeira). Embora a alíquota não seja alta, todos pagarão o mesmo, o que onera de forma maléfica os setores menos favorecidos", alerta Guedes. E a tendência, com o aumento de impostos, é arrecadar menos. "Quanto maior a carga fiscal, em uma economia em declínio, mais empresas e pessoas físicas caem na inadimplência. É um tiro no pé aumentar tributos no meio da recessão."