Título: Agir para legalizar Brasília
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Fonte: Correio Braziliense, 28/09/2011, Opinião, p. 14

Três dias depois de denúncia feita pelo Correio Braziliense, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) foi reintegrada na posse de apartamento funcional (na SQS 203) ocupado de forma ilegal, havia 15 anos, pelo ex-funcionário público Clineo Monteiro França Netto. Além de a retenção do imóvel configurar esbulho possessório, era ele usado como depósito para distribuição de queijos em regime de exploração comercial. Deu-se a reintegração por ordem da 13ª Vara Federal do DF. Mas a face audaciosa do espisódio é idêntica a certas violações correntes no Distrito Federal, sempre apontadas pela mídia e tratadas com a mínima força coercitiva da gestão oficial.

As anomalias tomam formas diversificadas e alcançam múltiplos efeitos na qualidade de vida dos brasilienses. Mas há muitas bastante visíveis mesmo aos olhos menos atentos do observador fortuito. Calçadas malcuidadas ou inexistentes se distribuem por todos os recantos, desde as quadras residenciais do Plano Piloto e nas laterais das vias trafegáveis, até as cidades circundantes. Em raros espaços é possível encontrar acesso aos portadores de dificuldades para locomoção. No sistema de transporte coletivo, só por exceção há equipamento para recolher cadeirantes nos pontos de embarque. As omissões do gênero correspondem a grave violência aos direitos humanos.

A despeito de normas em vigor e anúncios frequentes de ações em marcha, os puxadinhos permanecem intocáveis nas portas, fundos e lados de bares e restaurantes. Parece que a desfiguração urbana não incomoda aos que têm a obrigação de corrigi-la mediante o uso enérgico do poder de polícia atribuído ao Estado. Não são raros os casos em que o transeunte se vê compelido a verdadeiro contorcionismo para driblar cadeiras e outros aparatos colocados no passeio.

Quanto à invasão de terras, violência que remonta aos primeiros anos da fundação da capital, quase sempre é objeto de ações judiciais para revertê-la depois de coberta de residências e prédios. Na quase totalidade dos casos, os solos grilados ou impróprios para serventias urbanas obtêm suprimento de água, luz, telefone, acesso viário e outros serviços públicos. Não há como ocultar a cumplicidade da administração na formação de núcleos à margem da lei.

O quadro desalentador clama pela conscientização de todos em favor de jornada conjunta, do governo e da sociedade, para legalizar Brasília, como convém às comunidades civilizadas e à sua condição de capital da República. Trata-se de agir e de conferir eficácia aos tributos pagos pelos brasilienses. No caso do uso ilícito de imóveis funcionais da União, fenômeno que atinge a imagem da cidade, lembre-se de que rondam em torno de 500 os inquilinos envolvidos na mesma afronta à ocupação irregular registrada no episódio do apartamento 303 do Bloco H da SQS 203.