O Estado de São Paulo, n. 44643, 09/01/2016. Economia, p. B1

Inflação vai a 10,67%, maior patamar em 13 anos, e BC culpa o governo

A inflação em 2015 registrou a maior taxa em 13 anos: 10,67%, mais de quatro pontos porcentuais acima do teto da meta estabelecida pelo governo. Em atitude inédita, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, divulgou ontem mesmo – algumas horas depois de o IBGE anunciar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – carta aberta ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para explicar o porquê do fracasso.

A carta do BC, uma exigência regulamentar diante do estouro dos limites estipulados, praticamente atribui à política fiscal e econômica do governo a responsabilidade pelo não cumprimento da meta. Segundo o BC, as mudanças na política fiscal contribuíram “para a deterioração das avaliações sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo e da confiança dos agentes econômicos”.

Por três vezes a meta inflacionária, que vigora desde 1999, foi descumprida: em 2001, 2002 e 2003. Nenhuma delas, porém, teve uma resposta tão rápida do BC, o que reflete, acima de tudo, a estratégia de “limpar” o cenário para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que decidirá, no dia 20, a nova taxa de juros.

Ontem, em rápida entrevista para o Jornal Nacional, Tombini ressaltou que a Selic (taxa básica de juros) é o instrumento que a instituição vem utilizando e utilizará quando necessário para atingir o objetivo de convergir a inflação para o centro da meta. Para analistas, foi mais um sinal de que a taxa deve ser elevada.

Em nota divulgada logo após a publicação da carta, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que o controle da inflação é uma prioridade do governo, e que o BC está empenhado em adotar as medidas necessárias para alcançar o centro da meta de 4,5% até o final de 2017. “Nesse processo, o Ministério da Fazenda contribuirá no combate à inflação mediante a adoção de ações para o reequilíbrio fiscal e para o aumento da produtividade da economia.”

A inflação de dois dígitos do ano passado foi impactada pela alta dos alimentos e, principalmente, pela correção de preços de energia elétrica e dos combustíveis, represados exatamente para conter a inflação dos anos anteriores.

Tombini responsabiliza a política fiscal do governo, que prometeu, no início do ano, um superávit primário de 1,1% do PIB e deve ter encerrado 2015 com um déficit de quase 2% do PIB. A carta diz que a tendência de queda da inflação é “claramente interrompida no final de agosto de 2015, coincidindo com eventos negativos relacionados à definição da política fiscal”.

“Embora seja verdade que a alta da inflação em 2015 em grande parte veio do forte reajuste dos preços administrados, o que se vê é que a inflação de preços livres não está cedendo, apesar da grande crise econômica. O aumento de preços é disseminado, o que indica que seria prudente o Banco Central agir de forma a compensar as frustrações com o aperto fiscal”, disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho do Brasil.

Tarifaço. No ano passado, os grandes vilões do orçamento foram os preços administrados, alvos do “tarifaço” promovido pelo governo logo no início de 2015. Só a energia elétrica ficou 51%mais cara, injetando 1,5 ponto porcentual na inflação.

Já os combustíveis subiram 21,43%, após dois reajustes promovidos pela Petrobrás na gasolina e no diesel e com o avanço dos preços do etanol. Ao todo, energia elétrica e combustíveis responderam por 24% da alta do IPCA do ano passado.

As tarifas definidas por governos subiram 18,08% e ditaram o ritmo da inflação ao longo do ano. Como reflexo, diversos itens foram acelerando mês a mês, e 160 chegaram em dezembro com aumentos superiores a 10%, o equivalente a 42,9% de todos os 373 itens investigados pelo IBGE para o IPCA.

Os alimentos ficaram 12,03% mais caros em 2015, também a maior alta em 13 anos. Além da pressão dos preços administrados, houve a valorização do dólar em relação ao real e problemas climáticos.

Colaboraram Álvaro Campos, Maria Regina Silva, Denise Abarca e Victor Martins

Para economistas, quadro reflete sequência de erros

Luiz Guilherme Gerbelli

A inflação de dois dígitos é uma herança do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e tem como origem a política de controle de preços administrados – como por exemplo, os de energia elétrica e do combustível. Em 2015, a correção desses preços, como parte do ajuste proposto pela equipe econômica, contribuiu para a forte alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No ano passado, o preço da energia elétrica avançou 51%, e o da gasolina aumentou 20,10%.

“Foi uma sequência de erros que culminou no quadro atual”, diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. “Houve uma correção forte num País que já está com uma inflação elevada”, afirma. Desde 2010, o IPCA sempre ficou próximo ao teto da meta (6,5%).

Segundo analistas, o resultado da inflação também pode ser explicado pela ineficiência da política monetária. O Comitê de Política Monetária, do Banco Central, promoveu uma série de aumentos da taxa básica de juros para trazer a inflação para baixo. Somente no ano passado a Selic subiu de 11,75% para 14,25% ao ano.

A expectativa do controle inflacionário por meio da política monetária foi frustrada pela piora das contas públicas. “A equipe econômica não conseguiu reverter a política fiscal e criar um superávit primário”, afirma Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria. “O governo teve de pagar vários dos gastos efetuados em anos anteriores, mas que não foram devidamente contabilizados”, diz.

A piora fiscal foi decisiva para que a economia brasileira perdesse o grau de investimento, o que levou a uma depreciação do câmbio e, consequentemente, a uma pressão inflacionária adicional e de piora das expectativas – em 2015, o dólar subiu 48,93% em relação ao real.

“O ano passado era para ser do ajuste, mas a economia brasileira deixou escapar o grau de investimento. Fica muito difícil”, afirma Zeina.

Fonte: O Estado de S. Paulo