Correio braziliense, n. 19225, 14/01/2016. Economia, p. 8

Crise leva trabalhador a aceitar emprego por hora

Com a recessão e o aumento do desemprego, cresce o número de brasileiros que sobrevivem como horistas, recebendo menos de um salário mínimo por mês, ou até mesmo metade do piso. Empresas reduzem custos e cortam vagas de maior remuneração

 

 Antonio Temóteo

A recessão econômica, que destruiu milhões de empregos em 2015, também criou distorções profundas no mercado de trabalho brasileiro. Levantamento do Correio aponta que o fechamento de 1,5 milhão de postos formais nos últimos 12 meses, até novembro último, foi generalizado e atingiu quase todas as faixas de remuneração. No entanto, as poucas vagas geradas se concentraram em ocupações que só garantiam renda de até meio ou, no máximo, um salário mínimo, os chamados horistas, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência Social.


Na faixa de renda de até R$ 394 mensais— que correspondiam à metade do mínimo no ano passado — foram criados 41.044 postos de trabalho. E para rendimentos de até R$ 788, o valor do piso na época, o país gerou 208.388 vagas (veja arte). Isso não aconteceu nos anos anteriores. De 2009 a 2014, o número de desligamentos superou o de admissões no extrato de trabalhadores que recebiam até meio salário. Na faixa de até um salário mínimo, a última vez em que a abertura de empregos foi maior que as demissões foi em 2009.


Isso indica, segundo o consultor Rodolfo Peres Torelly, ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do ministério, que, ao mesmo tempo em que passaram a suprimir vagas de maneira generalizada, as empresas começaram a oferecer apenas ocupações com baixa remuneração aos poucos que conseguem se recolocar no mercado. “Com a recessão, as companhias estão reduzindo custos e diminuindo a folha de pagamento, pois não encontram demanda”, disse ele.

Retrocesso


O Ministério do Trabalho classifica como horistas aqueles que ganham menos do que o mínimo. Entre os profissionais que recebem por hora trabalhada estão operadores de telemarketing, vendedores do comércio varejista e empregados do setor agropecuário. Com a crise econômica, quem foi dispensado do mercado formal passou a aceitar uma remuneração menor para para garantir, pelo menos, a cobertura previdenciária, os benefícios trabalhistas e o sustento da família em um momento de inflação galopante, que cravou alta de 10,67% em 2015. Esse movimento contribuiu para a queda de 3,1%, até novembro, do rendimento médio real dos brasileiros, a redução do poder de compra das famílias e o retrocesso social de quem ascendeu nos últimos anos.

De 2009 a 2014, a criação de postos de trabalho se concentrou nas faixas de renda de um a quatro salários mínimos. Esse grupo se beneficiou dos programas sociais dos governos petistas, do aumento real do salário mínimo, da oferta de cursos técnicos e do modelo de crescimento baseado no consumo e na expansão do crédito. Com isso, os setores da construção civil, de serviços e o comércio absorveram parte significativa dessa mão de obra e contribuíram para a ascensão de milhares de pessoas à chamada nova classe média.