Correio braziliense, n. 19226, 15/01/2016. Política, p. 2

À procura do intermediário da propina


Por João Valadares

Acareações realizadas ontem entre o ex-assessor da Casa Civil Charles Capella de Abreu, apontado em delação premiada como o emissário do recebimento de R$ 2 milhões para campanha de Dilma Rousseff (PT) em 2010 a pedido do ex-ministro Antônio Palocci, o doleiro Alberto Youssef e o lobista Fernando Soares, mais conhecido como Fernando Baiano, trouxeram novas dúvidas para a investigação da Operação Lava-Jato. Frente a frente, Youssef não reconheceu Charles e garantiu que ele não era a pessoa que havia recebido o dinheiro. Já Baiano disse não ter 100% de certeza de que o homem que estava na sua frente era o mesmo que teria participado de um encontro em Brasília em 2010 para efetivação do caixa dois de campanha. Ele, no entanto, confirmou que o nome Charles foi o indicado pelo petista para recebimento do recurso. O doleiro e o lobista, em delações premiadas, reafirmam detalhes de reuniões para tratar de propina com o objetivo de abastecer a campanha petista.

Anteriormente, Youssef havia reconhecido o ex-assessor de Palocci por uma foto que havia sido mostrada pelos policiais federais. Na ocasião, tinha afirmado que a imagem dele guardava semelhanças com a fisionomia de Charles. De acordo com a delação do doleiro, os R$ 2 milhões foram pagos num hotel de luxo em São Paulo. O intermediário teria sido o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que se encontra em prisão domiciliar.

A acareação entre Youssef e Charles foi bastante rápida. Durou aproximadamente 20 minutos. No depoimento prestado no ano passado, o doleiro afirmou que “que tal pessoa tinha a cor da pele branca, estatura média alta, sendo um pouco mais alta que o reinquirido, que tem 1,71m, compleição física normal, não se tratando de pessoa obesa ou com barriga saliente, não lembrando a cor do cabelo, tendo a certeza apenas que não eram amarelos, não lembrando a cor dos olhos ou qualquer tatuagem aparente”. Ainda no mesmo depoimento afirmou que o nome Charles não lhe era estranho e disse que a pessoa da fotografia tinha de 70% a 80% de chances de ser o emissário do dinheiro sujo.

A acareação com Baiano foi mais longa e demorou cerca de uma hora. Em depoimento de delação, Fernando Baiano, apontado como o operador de propinas do PMDB, havia dito que, em 2010, teria participado de um encontro num comitê de campanha de Dilma com Paulo Roberto Costa e Palocci. Teria sido justamente nesta reunião, conforme o delator, que o acordo dos R$ 2 milhões para irrigar a campanha petista havia sido fechado.

Antes das acareações de ontem, Charles Capella prestou depoimento. Ele negou ter sido assessor de Palocci em 2010. De acordo com a advogada dele, Charles só começa a assessorar o ex-ministro em janeiro de 2011, no início do primeiro governo da presidente Dilma Rousseff. “Charles afirmou que nunca esteve e não conhece Paulo Roberto, Youssef e Fernando Baiano. Ele não era assessor de Palocci na época desta suposta reunião. Ele assessorava Marta Suplicy de 2007 a 2010. O então presidente do PT, José Eduardo Dutra, convidou Charles para a campanha de Dilma. Ele tinha uma relação extremamente superficial com Palocci”, declarou a advogado de Charles, Danyelle Galvão.

A defesa levou os registros de exoneração e nomeação de Charles para evidenciar a ausência de vínculos com Palocci. “A posição de Charles fazia parte da logística e do imobiliário do comitê. Alguém precisava de um computador, era o Charles que mandava providenciar, um local de evento, um comitê, era o Charles.” Segundo Danyelle, seu papel era operacional e distante da política. “Zero político, zero assessoria política e zero assessoria de arrecadação.”

Ela informou que Baiano afirmou na acareação que achava que se tratava de Charles. “No entanto, diz que ele teria só o recepcionado. Mesmo assim, não tem certeza de 100% da fisionomia. A única certeza que ele diz ter é em relação ao prenome Charles”, declarou.

Frente a frente

À tarde, Baiano e o pecuarista José Carlos Bumlai ficaram frente a frente. Os dois mantiveram a versão sobre a reunião em que Palocci teria pedido os R$ 2 milhões para a campanha. Baiano afirma que o pecuarista foi quem articulou o encontro. Já Bumlai nega qualquer participação no esquema.

O ex-ministro Antônio Palocci afirmou que as inúmeras contradições que apareceram sobre o fato evidenciam a inveracidade das informações. Ele diz que Baiano mente ao dizer que presenciou Palocci solicitar os recursos para a campanha da presidente Dilma Rousseff. A defesa de Paulo Roberto Costa afirma que o cliente reafirma todos os termos das delações premiadas.

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Sem vetos ao Orçamento de 2016

Por Naira Trindade

A presidente Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, o Orçamento de 2016, que prevê as receitas e despesas da União para este ano. A lei orçamentária completa sairá hoje no Diário Oficial da União de hoje. No texto, a presidente manteve a redução de R$ 48 milhões do Fundo Partidário, que ficou fixado em R$ 819 milhões para 2016. Em 2015, o valor era R$ 867 milhões. Em ano eleitoral, sem financiamento privado para as campanhas municipais, a medida desagradou aos partidos políticos, que chegaram a reclamar com a cúpula de ministros.

Aprovada no fim do ano passado, a Lei Orçamentária Anual (LOA) trouxe ainda cortes em programas sociais e educacionais, como o Minha Casa Minha Vida. O fundo que financia a compra de imóveis para pessoas carentes foi reduzido para R$ 4,3 bilhões. Em relação ao Pronatec, o programa de ensino técnico, ficou com orçamento bem inferior: R$ 1,6 bilhão, contra R$ 4 bilhões previstos para 2015.

A presidente decidiu preservar o Bolsa Família, que terá R$ 28,1 bilhões para atender 14 milhões de famílias, R$ 1 bilhão acima do autorizado para 2015. Apesar da manutenção, o programa não será reajustado, como pretendiam congressistas na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no ano passado. Apenas dois ministérios: Saúde e Educação ficaram sem cortes no orçamento em 2016. A saúde terá R$ 118 bilhões e a educação ficará com R$ 99,8 bilhões — R$ 3,2 bilhões acima do ano anterior. Ainda na saúde, a proposta aprovada pelo Congresso prevê a destinação de R$ 500 milhões para o combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, do chikungunya, e do zika vírus.

CPMF

No orçamento, está previsto corte com servidores propostos pelo ajuste fiscal. Os gastos com pessoal serão de R$ 277,3 bilhões, valor que incorpora os reajustes negociados pelo Ministério do Planejamento. Os aumentos do Executivo serão concedidos a partir de agosto. Para os demais poderes, a concessão vai depender da aprovação dos projetos de lei que tramitam na Câmara.

Na arrecadação, está previsto ganho de R$ 10,1 bilhões com a recriação da CPMF, como deseja o governo, mas que ainda não passou no Congresso. A lei orçamentária prevê também a meta de superavit primário (economia que o governo tem que fazer para pagar os juros da dívida) de 0,5% do PIB, o equivalente a R$ 30,5 bilhões — desse valor, R$ 24 bilhões são na conta do governo federal, enquanto R$ 6,5 bilhões de estados e municípios.

Dilma também sancionou, com 78 vetos, o Plano Plurianual de 2016-2019 (PPA). A íntegra do texto foi publicada no Diário Oficial da União de ontem. Entre os vetos, está a proposta do PSol de realizar uma auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil.