Paris revive medo

08/01/2016

Paris Os gritos de “Alá é grande” e o cinturão de explosivos — falso, descobriu-se depois — se repetiram. Mas, desta vez, a polícia conseguiu conter uma tentativa de ataque a uma delegacia de Paris, exatamente um ano após a chacina no semanário satírico “Charlie Hebdo”, que deixou 13 mortos na capital francesa e chocou o país e o mundo. O agressor, morto pela polícia, carregava uma faca de açougueiro e um papel que mencionava, em árabe, sua lealdade ao chefe do grupo jihadista Estado Islâmico (EI), Abu Bakr al-Baghdadi, e uma reivindicação manuscrita em árabe, indicou o procurador de Paris, François Molins. No texto, ele justificava a ação em vingança pelos ataques na Síria.

O homem foi identificado no final da tarde como Ali Sallah, um cidadão marroquino, nascido em 1995 em Casablanca, e que já havia sido indiciado por roubo no Sul da França, em 2012. Descrito como “ameaçador” pela polícia, ele vivia nas ruas.

Pouco antes do ataque frustrado, o presidente François Hollande fazia uma homenagem às vítimas do semanário e anunciava que ampliaria os poderes da polícia, além de pedir maior cooperação entre as forças de segurança. O setor antiterrorista do Ministério Público foi encarregado da investigação. Mas a ministra da Justiça, Christiane Taubira, disse em entrevista ao canal i-Tele que o homem não teria, a priori, “qualquer conexão com a radicalização violenta”.

— Sabemos que este é um ambiente extremamente pesado e que as pessoas têm fragilidades psicológicas. Não digo que seja o caso desta pessoa, mas aqueles que têm essas fragilidades podem agir desta forma (...) O inquérito irá esclarecer isso.

Hollande: medidas contra terror

Os incidentes ocorreram no bairro popular de Goutte d'Or, setor multiétnico no Norte de Paris, no distrito 18 da capital. A região, assim como o bairro de negócios La Défense, já havia sido mencionada como potencial alvo dos jihadistas que cometeram uma série de atentados em 13 de novembro do ano passado — contra o Stade de France, alguns restaurantes do Leste da capital e a sala de espetáculos Bataclan — que deixaram 130 mortos, no maior ataque terrorista no país.

Os ataques levaram Hollande a decretar Estado de emergência, em meio a críticas à atuação dos serviços de segurança. Ontem, ele comentou a medida, lembrando, no entanto, que permitiu abertura de 25 investigações judiciais diretamente relacionadas com o terrorismo.

— O estado de exceção não tem vocação para durar numa democracia — disse ontem o chefe de Estado francês.

No discurso, Hollande também pediu aos serviços de segurança franceses maior cooperação, diante do risco de mais atentados, e anunciou novas medidas contra o terror — que incluem a flexibilização das normas nos controles de identidade, registros de pessoas e veículos e inspeções, assim como a prisão domiciliar de jovens radicalizados que retornarem da Síria e do Iraque.

— Todas essas medidas estarão sob o controle do juiz, já que isto é uma garantia da regularidade e da legitimidade destes atos, que são forçosamente limitados no tempo e na luta contra o terrorismo — afirmou.

Crianças se refugiaram em escola

Esta semana, Hollande inaugurou três placas comemorativas em memória às vítimas do “Charlie Hebdo”; uma quarta será inaugurada no sábado. Em 7 de janeiro de 2015, os irmãos Cherif e Said Kouachi mataram 12 pessoas na sede da “Charlie Hebdo” e, nos dias seguintes, Amédy Coulibaly, ligado a eles, matou uma policial e fez reféns num supermercado kosher, onde matou mais quatro pessoas. Três policiais figuram entre as 17 vítimas nos dois atentados.

Ontem, agentes ordenaram aos pedestres que se refugiassem numa loja da rua, e crianças foram levadas para uma pré-escola nas proximidades. O corpo do agressor, que vestia um casaco escuro e calça jeans, ficou estendido na calçada, em frente à delegacia. Sob o casaco, ele carregava um pequeno saco pendurado com fita adesiva do qual saía um fio. Um robô da polícia permitiu comprovar que o dispositivo não continha explosivos.

Lydie Quentin, presidente da associação do bairro, a cem metros da estação de polícia, ouviu cerca de cinco tiros.

— A polícia me pediu para não sair. Esta é a única instrução que tivemos. Ao redor da associação, todas as lojas cumpriram as instruções, fechando as portas — disse.

O globo, n. 30104, 08/01/2016. Mundo, p. 22