O globo, n. 30121, 18/01/2016. País, p. 3

Audácia de bandidos atinge áreas nobres
Nos primeiros dias de janeiro, regiões até então consideradas seguras se tornaram alvo de ações criminosas. Ontem, perto de um shopping à beira do Lago, duas mulheres foram assaltadas à mão armada. Secretaria de Segurança afirma que números melhoraram

 

» ALEXANDRE SANTOS
ESPECIAL PARA O cORREIO
» THIAGO SOARES

Publicação: 18/01/2016 04:00

Moradores da 402 Sul assustaram-se com a movimentaĆ§Ć£o policial na tarde de ontem: carro roubado em shopping de classe alta foi encontrado na Asa Sul (Paula Braga/Esp. CB/D.A Press)

Moradores da 402 Sul assustaram-se com a movimentação policial na tarde de ontem: carro roubado em shopping de classe alta foi encontrado na Asa Sul

 
D e sexta-feira até ontem, pelo menos dois casos acabaram incluídos nos números de um janeiro assustador para moradores e comerciantes de regiões nobres do Distrito Federal. Entre sexta e sábado, quatro pessoas foram rendidas em um apartamento da Quadra 203 da Asa Sul. Ontem, por volta das 16h, duas mulheres sofreram assalto à mão armada em ao lado de um shopping à beira do Lago Paranoá. Assim, Plano Piloto e lagos Sul e Norte ficaram nos holofotes das páginas policiais com ocorrências seguidas em apenas 16 dias do ano. A Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP-DF) avalia que os números de violência diminuíram nessas regiões, porém especialistas dizem que a audácia dos bandidos reforça a sensação de insegurança nessas localidades.
 
Na primeira ocorrência, além de levarem objetos de valores e dois veículos da família, os criminosos sequestraram uma mulher e a abandonaram em uma via de Valparaíso de Goiás (GO) — 40km distante de Brasília. Ontem, no domingo chuvoso que tomou conta da cidade, duas amigas foram abordadas em um centro comercial frequentado pela classe alta brasiliense. Os bandidos levaram o carro de uma delas, encontrado uma hora depois na 402 Sul.
 
A aposentada Célia Coutinho, 72 anos, por exemplo, evita sair de casa em determinados horários. O motivo: não quer engrossar as estatísticas de violência no DF. “Necessitamos de segurança efetiva. Brasília tem uma topografia muito descampada. Os moradores ficam expostos. O governo diz que faz isso, faz aquilo, mas o que precisamos é de uma coisa eficiente, séria, não dessa conversa fiada de sempre. E olhe que moro no mesmo prédio da mãe do governador”, critica a habitante da SQS 206.
 
Fins de semana
Os comerciantes também temem a escalada da criminalidade no Plano Piloto. O gerente de uma loja da 303 Sul conta que a sensação de insegurança é maior durante os fins de semana. Segundo ele, as calçadas da região ficam tomadas por moradores de rua. “Aos sábados à tarde, quando o movimento é menor, eles vêm todos para cá. Isso afasta os clientes, que são abordados constantemente à porta dos estabelecimentos”, conta. 
 
A sensação não é diferente na Asa Norte. Ao assumir o ponto há cerca de um ano e meio, Jussara Avelino, 38, cogitou a contratação de um segurança particular para a panificadora, localizada na 407 Norte. Mas os custos seriam muito altos e ela desistiu. “Com tantos impostos que pagamos, isso seria uma afronta, pois o poder público é quem deve, ou deveria, nos garantir a segurança”, reivindica. Na 110 Norte, moradores reclamam de arrastões de roubos de carros promovidos por flanelinhas, também responsáveis pelo tráfico de drogas no local. Desde dezembro, vários postes estão sem luz.
 
O especialista em segurança pública George Felipe Dantas avalia que os crimes dos últimos dias chocaram devido à audácia dos bandidos, que agiram em regiões consideradas seguras na capital do país. “Esses crimes produzem comoção e afetam a sensação de segurança da população”, explica. “O Brasil passa por uma crise econômica e o que vemos são os bandidos motivados para expandirem a criminalidade, além daquelas áreas consideradas como violentas”, detalha.
 

 (Ed Alves/CB/D.A Press)

Audácia
O sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Testa aponta que, em época de férias, os furtos a residências aumentam significativamente no Distrito Federal. Segundo ele, a característica reforça a análise que os crimes contra o patrimônio foram os que mais cresceram no último ano. “Os criminosos estão cada vez mais audaciosos. Eles estudam o comportamento das vítimas e o movimento na região. E verificamos também que, por mais esforço feito pela polícia, a Justiça libera os bandidos. A culpa é da legislação brasileira, que é atrasada. Enquanto isso, a população fica cada vez mais com a sensação de insegurança”, analisa Testa, em referência às polêmicas audiências de custódia, em que os acusados precisam ser ouvidos por juízes em, no máximo, 24 horas. Segundo policiais, mais da metade dos suspeitos são liberados rapidamente.
 
A violência dos crimes também tem chamado a atenção. Na primeira semana do ano, um adolescente de 12 anos acabou esfaqueado por um homem que tentava assaltar uma residência na QL 15 do Lago Norte. No mesmo dia, no Lago Sul, três pessoas da mesma família se tornaram reféns na QL 12. Na última segunda-feira, a joalheria da designer brasiliense Carla Amorim foi assaltada e um segurança do comércio, baleado (veja Memória).
 
Para o presidente da Associação dos Moradores do Lago Sul, Edilamar Pereira, as ações são consequência da falta de policiamento adequado na região. “Várias ruas colocam guaritas para garantir a tranquilidade na vizinhança. A segurança tem que ser pública, e não privada”, reclama. A principal reivindicação dos residentes na região é um sistema de monitoramento por câmeras. “Precisamos de um policiamento ostensivo e não aceitamos desculpas do governo, que alega estar sem dinheiro para tal investimento. Uma medida que poderia garantir um pouco mais de segurança é o patrulhamento a pé, porém, até isso foi suspenso”, sugere.
 
Maior repercussão
Apesar dos crimes graves e da grande repercussão registrados recentemente, a Secretaria da Segurança do DF considera que os índices de violência estão mais baixos, se comparados ao mesmo período do ano passado. “De acordo com as estatísticas disponíveis a partir de registros de ocorrência nas delegacias do DF, tecnicamente não é possível dizer que a região administrativa está vivendo uma onda de violência. Tampouco Lago Sul, Lago Norte e Plano Piloto são as regiões mais atingidas. A SSP entende que o que aconteceu foram crimes graves e de grande repercussão concentrados em um curto intervalo de tempo”, afirmou o órgão em nota.
 
Nos 10 primeiros dias de 2016, a SSP registrou 21 homicídios e um latrocínio. No mesmo período em 2015, os números chegaram a 27 e a dois, respectivamente. Em relação aos crimes contra o patrimônio,18 casas se tornaram alvos dos bandidos, duas a mais que no ano passado. Em 2015, esse tipo de crime contra residência fechou em alta de 17,5%. “A Polícia Militar e a SSP iniciaram a Operação Redução dos Índices de Criminalidade (RIC), que prevê o reforço de 600 policias no policiamento ostensivo da RISP Metropolitana (Plano Piloto, Guará, Cruzeiro, Lago Sul, Sudoeste, Estrutural e SIA) dentro de um planejamento que segue análises e manchas criminais”, completa a nota.
 
Colaborou Paula Braga
 
 
 
Memória
 

 (Ed Alves/CB/D.A Press)

15 de Janeiro
Dois bandidos renderam quatro pessoas durante um assalto em um apartamento do Bloco K da 203 Sul (foto). A dupla roubou documentos, três tevês, celulares, roupas, joias, um notebook, R$ 5 mil e dois carros. Os criminosos levaram a mulher para sacar dinheiro em um banco e a deixaram em Valparaíso (GO). O roubo ocorreu por volta das 23h30, quando os criminosos renderam o porteiro e foram até a garagem, onde esperaram por uma hora e meia e abordaram um morador do prédio no momento em que ele estacionava o carro na garagem. Com o rapaz, subiram até o apartamento das vítimas, onde se encontravam a mãe e o pai dele. Todas as vítimas foram amarradas. Apesar do susto, ninguém ficou ferido. A 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul) investiga o caso.
 
11 de janeiro
O vigilante da joalheria Carla Amorim, situada na QI 5 do Lago Sul, foi baleado durante assalto. De acordo com testemunhas, um carro sedan prata circulava a região e parou bem em frente à loja, frequentada por autoridades e celebridades. Quatro homens bem vestidos entraram no estabelecimento, todos armados e renderam os funcionários. O vigilante tentou reagir, deu dois tiros e acabou atingido. Com uma marreta, eles quebraram a vitrine da loja, levando joias e dinheiro. O valor subtraído não foi divulgado.
 
6 de janeiro
 
Lago Sul
Quatro homens mantiveram três pessoas reféns durante um assalto a residência na QL 12 do Lago Sul, na Península dos Ministros. O endereço fica ao lado das residências oficiais dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. As vítimas, entre elas dois idosos, ficaram cerca de 1 hora sob poder dos assaltantes. O bando chegou ao local em um Palio vermelho e conseguiu entrar após surpreender o jardineiro da residência. As vítimas declararam à polícia que os criminosos sabiam exatamente onde estavam os pertences que queriam levar. Os bandidos levaram três celulares, três tevês, cerca de R$ 200, além do carro do proprietário do local, uma picape Tucson prata.
 
Lago Norte
Um homem esfaqueou um menino de 12 anos após roubar uma residência na QL 15 do Lago Norte. A família dormia no momento em que o assaltante entrou na residência, roubou objetos e atacou a criança. De acordo com o relato da dona da casa, o suspeito a abordou em seu quarto, a ameaçou com uma faca e pediu para que ela entregasse joias, dinheiro e indicasse o cofre da casa. Após a ameaça, o homem levou a mulher até o closet e tentou estrangular a vítima. Nesse momento, o filho agarrou o assaltante por trás, no intuito de defender a mãe, e foi esfaqueado na altura do peito pelo criminoso. Após o ataque, o homem fugiu do local levando joias da família.
 
4 de janeiro
Quatro homens roubaram uma joalheria do shopping Fashion Mall, na 302/303 Sul. Três deles, armados, renderam funcionários da loja. Um ficou no carro dando apoio ao grupo. De acordo com a Polícia Militar, no momento do crime, havia três empregados no estabelecimento, além do proprietário da joalheria e da filha dele. Os criminosos fugiram em um Citroën C3. A mesma loja foi alvo do ataque em 12 de agosto do ano passado. Na ocasião, houve troca de tiros entre criminosos e um policial militar à paisana. À época, a Polícia Militar prendeu os criminosos e recuperou os objetos.