O Estado de São Paulo, n.44657, 23/01/2016. Notas e Informações, p.A3

O emprego de Tombini

Certamente o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, terminou a semana mais firme no cargo. Mas não pelas razões certas. Sua carta na terça-feira de manhã e a decisão no dia seguinte do Comitê de Política Monetária (Copom) pela manutenção da taxa básica de juros colocaram em xeque a credibilidade da política monetária do Banco Central. Mas deram-lhe – é de justiça reconhecer – um inabalável prestígio junto à presidente Dilma Rousseff. Depois do que ele aprontou nesta semana, Dilma deve estar radiante com o economista.

Quebrando o protocolo de silêncio prévio às reuniões do Copom, o presidente do Banco Central divulgou uma carta informando que a forte deterioração das previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação à economia brasileira deveria ser levada em conta na ponderação do comitê sobre a taxa de juros. É ocioso dizer que a carta era completamente desnecessária – só alguém de má-fé poderia pensar que os integrantes do Copom desprezariam em sua ponderação as previsões do FMI. No entanto, o comunicado deu ao mercado a exata medida de como Tombini se porta no cargo – abdicou da autonomia que fazia do Banco Central um órgão respeitável de condução da política monetária para atender subservientemente aos caprichos da presidente Dilma.

Ainda que não confirmada pelos canais oficiais, a ninguém passou despercebida a reunião de Dilma e Tombini na segunda-feira. E se havia alguma dúvida quanto ao conteúdo da conversa presidencial, a carta de Tombini – emitindo sinal claro de que a estratégia do Copom no combate à inflação seria alterada – a cortou pela raiz. Tombini trocou a proteção da moeda – função primordial de qualquer Banco Central – pela simpatia da presidente Dilma. Tudo isso foi devidamente confirmado com a decisão do Copom, na quarta-feira, de manter a taxa Selic em 14,25%, apesar de todas as indicações prévias do próprio Banco Central de que era preciso um novo aumento para combater a inflação.

Estranha que um presidente do Banco Central não tenha qualquer pudor de explicitar – como fez Tombini – uma direta interferência na conduta da instituição. Isso, obviamente, não ocorreu por desconhecimento do modo de funcionamento da economia e da influência das expectativas. Dessa falha não se pode acusar o atual presidente do Banco Central, com Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois. Ele conhecia perfeitamente as regras, que desprezou olimpicamente para atender às próprias razões.

Embora o Banco Central não seja independente, seu presidente não está no cargo para agradar ao presidente da República. Sua principal missão é proteger a moeda nacional, muito especialmente nesses tempos de persistente inflação. No entanto, os movimentos recentes de Tombini – a reunião com Dilma, a brilhante carta e a decisão do Copom – são qualquer coisa, menos proteção da moeda.

No caso concreto, há ainda uma não pequena agravante. De longa data, o mercado sabe muito bem qual é a capacidade de análise e de decisão da presidente Dilma em relação à política econômica e monetária do País. Os resultados estão expostos a quem queira ver – uma crise sem precedentes, batendo todos os recordes da história recente nacional de estagnação econômica, desemprego, inflação, desvalorização da moeda ante o dólar, etc. Isso porque a presidente Dilma está firmemente convencida – ai de quem queira dizer o contrário – de que possui um amplo e profundo conhecimento sobre economia e acha que a economia deve obedecer aos seus caprichos. Tem-se então seu famoso voluntarismo (mal) esclarecido.

Apesar de todas essas evidências, Tombini diz ao mercado com todas as letras que, a partir de agora, quem está no comando da política monetária é a presidente Dilma Rousseff. Trata-se simplesmente da pior notícia possível. Todos os brasileiros têm motivo para temer, exceto Tombini. Nunca, como agora, ele esteve tão firme no emprego.