Correio braziliense, n. 19.241, 30/01/2016. Economia, p. 7

Com Dilma, deficit dispara e dívida dobra

Endividamento do setor público alcança R$ 3,9 trilhões, ou 66,2% do PIB, o maior patamar entre países emergentes. Se o governo não ajustar as contas, o total pode chegar a70% nos próximos anos. Desde 2010, o resultado negativo quadruplicou
Por: ANTONIO TEMÓTEO

 

ANTONIO TEMÓTEO

 

A dívida bruta do setor público chegou a R$ 3,9 trilhões em 2015, o correspondente a 66,2% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). Esse é o pior resultado desde o início da série histórica mantida pela autoridade monetária e representa um aumento de 9 pontos percentuais em relação a 2014. Em todo o governo Dilma Rousseff, o endividamento cresceu 14,4 pontos percentuais, dobrando em termos nominais, e o Brasil passou a ostentar a maior passivo entre os países emergentes.

No mercado, os analistas avaliam que a dívida continuará em alta nos próximos anos e ultrapassará 70% do PIB se o governo não equilibrar as contas públicas e voltar a fazer superavit primário. A expectativa de elevação é confirmada pelo próprio BC, que prevê um percentual de 66,9% em janeiro.

Em vez de fazer saldo primário, contudo, o setor público acumulou, no ano passado, resultado fiscal negativo fiscal de R$ 111,2 bilhões. A esse valor se somaram as despesas com juros para formar um deficit nominal de R$ 613 bilhões. Trata-se de um número extremamente alto, equivalente a 10,34% do PIB, o maior rombo entre os países emergentes.

Em 2010, o deficit nominal nas contas públicas correspondia a 2,4% do PIB, ou seja, em apenas cinco anos de governo Dilma Rousseff, o rombo mais que quadruplicou. O chefe adjunto do Departamento Econômico da autoridade monetária, Fernando Rocha, comentou que para 2016, o objetivo do Executivo é apresentar um superavit de R$ 30,5 bilhões, o equivalente a 0,5% do PIB. “O governo está buscando os instrumentos para alcançar isso”, afirmou. Entre analistas, o que predomina é a descrença na capacidade do governo de atingir a meta.

 

Pedaladas

Rocha detalhou que dois fatores interferiram no resultado de 2015. O primeiro é a recessão econômica, que afetou a arrecadação de tributos. Com menos recursos em caixa, o governo deixou de fazer saldo primário para cobrir parte dos juros da dívida. O outro está ligado a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que  obrigou o Executivo a pagar as pedaladas fiscais.

Somente em 2015, o governo desembolsou R$ 74,2 bilhões para quitar as dívidas em atraso com bancos públicos e o FGTS, dos quais R$ 55,8 bilhões se referiam apenas a débitos de 2014. O TCU ainda determinou que o BC acompanhe a evolução desses passivos mensalmente. Pelos dados da autoridade monetária, o Tesouro Nacional pagará em janeiro outros R$ 11,3 bilhões referentes à regularização das contas.

“O melhor desenho de política fiscal é aquele que mostre uma trajetória controlada do endividamento. As autoridades fiscais do governo têm se movido nessa direção, na expectativa de retomar uma trajetória de estabilidade da dívida e, posteriormente, uma queda”, comentou Rocha.

Para Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Associados, o endividamento do setor público seguirá em alta nos próximos anos. Para ele, o governo apresentará um rombo fiscal de R$ 75 bilhões em 2016, equivalente a 1,2% do PIB. Somado às despesas com juros, esse resultado levará o deficit nominal a 7,5% da geração de riquezas no Brasil. Com isso, a dívida bruta chegará a 73% do PIB. Bistafa detalhou que o resultado será inferior ao observado em 2015 porque não haverá necessidade de quitar pedaladas fiscais.

 

Trajetória explosiva

O economista alertou que, com o Ministério da Fazenda nas mãos de Nelson Barbosa, um economista de linha heterodoxa, a tendência é de afrouxamento no controle dos gastos públicos. “Estamos em uma trajetória explosiva e, sem reformas estruturais, não será possível mudar a rota do endividamento”, alertou.

O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, avaliou que, se as medidas corretas não forem tomadas, a dívida bruta poderá alcançar 90% do PIB em três anos. Segundo ele, o governo tem emitido sinais de que está disposto a fazer as reformas da Previdência e da administração pública. “A trajetória está ruim, mas não é um carma. A sociedade precisa tomar as decisões no sentido correto. A questão é se vão conseguir implementar essas ideias”, afirmou.

Para o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a economia em recessão e os juros elevados afetam o nível de endividamento público. Para ele, permanecer com dívida em alta por dois ou três anos não seria preocupante se houvesse sinalização de que a trajetória seria revertida a médio prazo. “O problema é que, nesse momento, não há qualquer perspectiva nesse sentido, e isso pode nos levar para um caminho sem volta”, alertou.

Oreiro ressaltou que, além de fazer reformas estruturais, o governo precisa estabelecer um limite para os gastos primários da União. Para ele, esse horizonte de mudanças pode dar previsibilidade aos agentes econômicos para voltar a investir no país.

 

CPMF

Boa parte das apostas da equipe econômica está na aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que deve proporcionar uma receita de R$ 11 bilhões neste ano, pelas estimativas oficiais. A medida, porém, encontra forte resistência no Congresso, até mesmo no PT, partido da presidente da República. Com a arrecadação em baixa, técnicos palacianos apostam que a melhor alternativa de curto prazo para aumentar as receitas é elevar tributos. Empresários e analistas do mercado, no entanto, defendem a redução de gastos e a realização de reformas na administração pública e na Previdência Social.

Órgãos relacionados:

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Conta de juros soma R$ 501,7 bi

Em meio à crise de confiança em relação aos rumos da economia brasileira, o setor público desembolsou R$ 501, 7 bilhões para pagar os juros da dívida em 2015, conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central. Essa fatia é a maior da série histórica e corresponde a 8,46% do Produto Interno Bruto (PIB). Receosos sobre os rumos da política econômica, os investidores têm cobrado taxas maiores para comprar títulos públicos, o que aumenta os gastos do Tesouro Nacional.

Parte dessa conta se deve ao fato de a autoridade monetária ter acumulado um prejuízo de R$ 89,6 bilhões com os contratos de swap cambial, espécie de venda futura de dólares para conter a valorização da moeda norte-americana. O chefe adjunto do Departamento Econômico do BC, Fernando Rocha, explicou que essas operações não foram criadas para ter maior ou menor impacto na política fiscal do país, mas para eliminar a volatilidade no mercado cambial e dar mais segurança às empresas.

Rocha comentou que, em momentos de alta do dólar, o BC perde recursos, como ocorreu no ano passado, quando a moeda subiu 47% frente ao real. Quando a divisa se desvaloriza, a autoridade monetária é remunerada pelos contratos.

 

Prejuízos

O economista Paulo Rabello Castro comentou que o aumento das despesas com juros é catastrófico e representa um retrocesso em relação ao esforço feito nos últimos anos para reduzir o tamanho da dívida pública em relação ao PIB e favorecer a entrada de investimentos no país. “Toda a confiança conquistada perante os investidores foi por água abaixo.” Para ele, em 2016, a tendência é que o resultado se repita, uma vez que a economia não dá sinais de recuperação, o dólar seguirá em alta e o setor público não conseguirá fazer superavit primário, devido à queda na arrecadação de impostos. (AT)

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Ação contra uso do FGTS

Por: ROSA FALCÃO

 

ROSA FALCÃO

 

O Instituto FGTS Devido ao Trabalhador vai entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar que o governo federal altere as regras de saque do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A ONG aguarda a publicação da medida provisória (MP) que permitirá ao trabalhador usar 10% do saldo do FGTS e 40% da multa paga nas demissões sem justa causa para quitar os empréstimos consignados dos bancos. Pelo último balanço divulgado pela Caixa Econômica Federal (CEF), os ativos do FGTS somavam R$ 400 bilhões.

Em 2015, o lucro líquido do fundo foi de R$ 14 bilhões. Mário Avelino, presidente da ONG, argumenta que as mudanças prejudicam o trabalhador. Segundo ele, o dinheiro do fundo é uma reserva para ser usada em situações de emergência, quando o trabalhador fica desempregado ou adoece. Pela lei do FGTS, o saldo pode ser sacado no momento da aposentadoria, na compra de um imóvel, nos casos de doenças graves (câncer e HIV), e na demissão sem justa causa, entre outros casos. Ao anunciar a medida, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, estimou que devem ser injetados R$ 17 bilhões na economia com recursos do fundo.

 

Festa

Simulação do Instituto explica como vai funcionar o uso do dinheiro do FGTS com as mudanças propostas pelo governo. O cálculo toma como exemplo um trabalhador que ganha R$ 1.000 por mês, está há 10 anos no emprego, e tem saldo de R$ 10.000 no fundo. Caso a MP entre em vigor, se o trabalhador for demitido sem justa causa e tiver empréstimo consignado, poderá usar R$ 1.000 (10%) do saldo e R$ 4.000 (40%) da multa rescisória para quitar a dívida. “A medida é inócua. Primeiro porque o trabalhador já está endividado e não vai contratar empréstimo para consumir. Segundo, o governo não pode mudar as regras de empréstimo já contratado”, assinala Mário Avelino.

Outro argumento para respaldar a Adin é o prejuízo financeiro para o trabalhador que pega empréstimo consignado. Ele menciona as condições mais vantajosas para os funcionários públicos, aposentados e pensionistas do INSS, cujos juros cobrados pelos bancos variam de 21% a 26% ao ano. Para o trabalhador celetista o juro é de 41% ao ano, quase o dobro. “Os bancos vão fazer a festa. Só se justifica contratar um empréstimo no banco para se livrar do juro do cartão de  crédito e do cheque especial”, diz.  A ONG espera a publicação da MP do FGTS pelo governo federal para encaminhar a ação ao STF.

O ministro do Trabalho, Miguel Rossetto, convocou para 26 de fevereiro reunião extraordinária do Conselho Curador do FGTS para debater as medidas anunciadas.