Correio braziliense, n. 19.240, 29/01/2016. Política, p. 2

PF PROCURA CONTRATOS DE GAVETA DA OAS

CRISE NA REPÚBLICA » Investigadores da força-tarefa da Lava-Jato suspeitam que construtora fechou acordos “por fora” com os verdadeiros donos de apartamentos no Guarujá (SP), como um atribuído a Lula, que nega a propriedade de tríplex. Testemunhas desmentem versão de ex-presidente

Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

A Polícia Federal procura indícios sobre a utilização de contratos de gaveta pela OAS para esconder a propriedade real dos donos dos imóveis no Condomínio Solaris, no Guarujá (SP). Os investigadores da Lava-Jato suspeitam que os apartamentos tenham sido usados para mascarar propina paga por contratos na Petrobras e outras estatais, incluindo um Tríplex ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — o petista tinha cotas pagas da residência, não ficou com o imóvel e nega ser dono apesar de testemunhas terem declarado que a mulher, Marisa Letícia, participou de obras no imóvel 164-A.

O prédio foi construído pela Cooperativa dos Bancários (Bancoop), cujo dirigente era o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, apontado por delatores da Lava-Jato como destinatário de propinas pagas pelas empreiteiras por negócios com a Petrobras. Em 2009, a OAS assumiu a obra do Solaris, três anos depois da falência da cooperativa do Sindicato dos Bancários. A empreiteira informou ontem que não comentaria o assunto. A defesa de Vaccari afirma que ele melhorou a gestão da Bancoop, o que permitiu entregar residências a “milhares” de associados.

O condomínio tem moradores ligados ao Partido dos Trabalhadores, além do Tríplex atribuído à família de Lula. O apartamento 133-A pertence ao ex-segurança do petista e assessor especial da Presidência da República Freud Godoy, que atuou durante anos como guarda-costas do ex-presidente e chegou a ser investigado no mensalão e também por participação no caso dos dossiês dos aloprados, na campanha eleitoral de 2006. Duas unidades residenciais têm ligação com Vaccari, preso e condenado a 15 anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato sob a acusação de recolher propina das empreiteiras para o PT.

O imóvel 44-A foi comprado pela cunhada de Vaccari, Marice Lima, em 2011. No ano seguinte, quando havia pago R$ 200 mil, ela desistiu do negócio e obteve R$ 432 mil da OAS de volta. Mas, em 2013, a empreiteira vendeu o imóvel por R$ 337 mil.

Investigadores ouvidos pelo Correio entendem que Marice “não conseguiu explicar” como obteve dinheiro para comprar o apartamento. E ainda apuram a suspeita de que, de posse do dinheiro recebido pela empreiteira, a cunhada fez um empréstimo em valor semelhante para Vaccari. A transação, em princípio, pode ser uma simulação para esconder pagamento de subornos. O doleiro Alberto Youssef disse à Justiça que Marice foi responsável por arrecadar propina da empresa Toshiba, fornecedora da Petrobras, para o PT.

Além disso, o Tríplex 162-B está em nome de uma offshore, a Murray Holdings LLC, aberta pela empresa Mossack Fonseca (leia mais na página 3). No entanto, a PF afirma que o imóvel é controlado pela publicitária Nelci Warken, presa na quarta-feira na 22ª fase da Lava-Jato, apelidada de Triplo X.

Os delegados e os procuradores do Ministério Público afirmam que ela não tem condições de comprar um imóvel desse valor e, na verdade, é uma laranja do esquema. Ontem, a advogada de Nelci, Aparecida Célia de Souza, negou que sua cliente seja “testa de ferro”. “O apartamento é dela”, garantiu a defensora. “Ela comprou e pagou com o dinheiro dela.” A advogada não soube explicar por que o Tríplex estava em nome da offshore Murray. Aparecida também não explicou por que Nelci fez um acordo judicial para, ao menos no papel, entregá-lo à empresa, que tem como procuradora uma amiga dela, Eliana Pinheiro de Freitas.

 

Depoimentos

Apesar de depoimentos de testemunhas que afirmam ter visto a mulher de Lula, Marisa Letícia, vistoriando obras no Tríplex 164-A, o petista voltou a negar que tivesse sido dono do imóvel em construção. Ontem, a assessoria dele publicou nota em uma rede social: “Adquirir cotas de uma cooperativa habitacional a prestações não significa se tornar proprietário de um imóvel”. O ex-presidente não comentou os depoimentos sobre a presença da ex-primeira-dama nas vistorias, segundo testemunhos prestados em investigação do Ministério Público de São Paulo. O instituto diz que a família optou por não ficar com nenhum imóvel, mas em receber de volta os valores investidos. A compra das cotas de apartamento no Guarujá está na declaração de bens de Lula em 2006.

Segundo o jornal Valor Econômico, o sócio da empresa Tallento Construtora, Armando Dagre Magri, disse que trabalhava na obra do 164-A, quando Marisa entrou acompanhada de dois homens, um deles Léo Pinheiro e o outro, Fábio Luis Lula da Silva, filho do ex-presidente. A engenheira civil Mariuza Marques declarou que “tomou ciência” de que a ex-primeira-dama, Léo Pinheiro e Fábio Luis estiveram nas obras.

 

Quem mora por lá

Matrículas dos apartamentos registram boa parte dos imóveis em nome da OAS

 

Apartamento    Proprietário

133    Freud Godoy (ex-segurança de Lula)

43-A    Sueli Falsoni (declarado por Giselda)

34-A    OAS

44-B    OAS

52-B    OAS

53-B    OAS

61-B    OAS

Duplex 141-B    OAS

Tríplex 162-B    Murray (Nelci Warken diz ser seu)

Tríplex 163-B    OAS

Tríplex 164-B    OAS

Tríplex 164-A    OAS (atribuído a Lula, que nega a posse)

Tríplex 161-A    Celso Marques

Tríplex 162-A    Ignorado

Tríplex 163-A    Nelson e Gabor Tuba

Fontes: PF e MPF

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No rastro da publicitária

A publicitária Nelci Warken é considerada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal o caminho mais curto para descoberta dos verdadeiros proprietários de imóveis adquiridos em um suposto esquema de ocultação patrimonial e lavagem do dinheiro desviado da corrupção na Petrobras, que teria envolvido a empreiteira OAS, a Cooperativa Habitacional do Sindicato dos Bancários (Bancoop) e o PT.

Nelci é ex-funcionária da área de marketing da Bancoop e dona de uma empresa de panfletagem, a Paulista Plus. Ao lado de Eliana Pinheiro de Freitas — também ligada a Bancoop e madrinha de uma das filhas de Nelci —, as duas são apontadas pela força-tarefa da Lava-Jato como “testas de ferro” no esquema.

O ponto de partida da apuração da Triplo X é o apartamento 163-B, do Edifício Solaris, no Guarujá (SP) — no mesmo endereço, a família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria sido dona de um Tríplex, o 164-A. Formalmente, o 163-B pertence desde 2009 a Murray Holdings LLC, aberta em Las Vegas, estado de Nevada, nos Estados Unidos, em nome de Eliana Freitas. Para os procuradores, Eliana é uma “laranja” de Nilce Warken.

A offshore foi aberta em uma das maiores empresas do mundo especializada nesse tipo de negócio, a Mossack Fonseca & CO — com sede no Panamá. Cinco pessoas ligadas a Mossack no Brasil foram alvo da Triplo X.

“Fica evidenciado que a Mossack Fonseca era uma grande lavadora, participava de um grande esquema de lavagem. Oferecia seu serviço a esquemas dos mais diversos. Nós temos indicações de que a participação dela em outros esquemas em andamento que não é nossa responsabilidade”, afirmou o procurador da República Carlos Fernando Santos de Lima.

 

“Não existe este papo de cota”

O ex-presidente Lula “mentiu” ao afirmar que comprou cotas de um apartamento no Guarujá, segundo Marcos Sergio Migliaccio, conselheiro da Associação das Vítimas da Bancoop. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Migliaccio disse que não existia venda de cotas no condomínio Solaris, na praia de Astúrias, mas sim de apartamentos. O Instituto Lula repete, desde o ano passado, que o ex-presidente comprara cotas do empreendimento.  “Não existe este papo de cota. Isso é mentira. A Bancoop vendia apartamentos, com o andar e a unidade especificados”, afirma Migliaccio, que é técnico em eletrônica. O promotor José Carlos Blat, autor de uma acusação contra a Bancoop que tramita na Justiça, reafirma que não viu nenhum caso de compra de cotas no empreendimento do Guarujá.  Cotas é um sistema usado em consórcios, no qual o comprador adquire um certo bem em parcelas, e um sorteio define o bem que caberá a ele.