Correio braziliense, n. 19.240, 29/01/2016. Política, p. 3

Uma fábrica de offshores

CRISE NA REPÚBLICA » A panamenha Mossack Fonseca já criou empresas para investigados e suspeitos nos casos Ararath, Alstom, Banestado e Lava-Jato

Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

Pivô da 22ª fase da Operação Lava-Jato, o escritório de advocacia Mossack Fonseca já criou offshores para mais três escândalos de corrupção no país: a Operação Ararath e os casos Alstom-Siemens e contas CC-5, envolvendo até o presidente do grupo JBS, o empresário Wesley Batista. Um dos relatórios da Polícia Federal mostra as ligações da empresa com outros escândalos no Brasil e a relação com ditadores internacionais.

A empresa foi aberta em 1977 no Panamá, tem filiais em 40 países e está relacionada a vários brasileiros suspeitos de esconderem dinheiro sujo no exterior. Para a Lava-Jato, é uma “fábrica de offshores”, empresas em que é difícil localizar o real proprietário e que costumam abrir contas bancárias em outros países para esconder lucros de atividades criminosas. O juiz Sérgio Moro determinou a prisão de agentes do escritório Mossack. Ontem, o diretor de Relações Públicas da empresa, Carlos Sousa, disse que o grupo foi envolvido em temas sobre os quais não tem “ingerência alguma”, os negócios dos clientes finais.

O delegado regional de Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paula, afirmou que investigar o escritório de advocacia é o caminho para se ir mais longe. A Mossack “tem demanda, porque a demanda de dinheiro sujo no Brasil é farta, e ele precisa ser lavado”. “Não só já apresentou indícios de aparecer em outras investigações que foram deflagradas, como muito provavelmente vai se descobrir muita coisa, porque a gente não pode descartar o encontro fortuito de provas para outras investigações.” Relatório da PF diz que a Mossack, “travestida como escritório de advocacia, cuida de abrir empresas em paraísos fiscais e outras opções voltadas à ocultação de patrimônio”.

Para o Ministério Público, foi a Mossack quem abriu as empresas Avel Group e Elany Trading. Por sua vez, elas são sócias da Global Participações. A Operação Ararath “apurou crimes financeiros ocorridos no estado de Mato Grosso, supostamente praticados pelo empresário Wesley Mendonça Batista e pelas empresas Global Participações e Confiança Participações”, narra a Procuradoria da República no Paraná.

 

Destruição de papéis

A Lava-Jato detectou ordens datadas de 2007 em que funcionários do Mossack no Brasil são orientados a destruir papéis e documentos ou retirá-los de onde se encontravam, após um cliente ser alvo de uma batida da PF. A empresa disse ontem que era apenas uma operação de digitalização. “Uma vez digitalizados, dispuseram-se dos documentos físicos, armazenando-os fora do escritório por questão de espaço disponível”, disse Carlos Sousa, em nota.

A criação da Murray, envolvida no episódio do Edifício Solaris, da OAS, foi solicitada por Ademir Auada, “que atende os clientes finais”, de acordo com Sousa. A empresa é controlada por uma amiga de Nelci Warken, que se diz dona de um tríplex no condomínio do Guarujá.

A PF lista outros clientes da Mossack: operadores do ditador Robert Mugabe, do Zimbábue; o bilionário israelense Benny Steinmetz, acusado pagar propina ao ditador da Guiné, Teodoro Obiang; Rami Makhlouf, primo do ditador da Síria, Bashar Al Assad; e o falecido ditador da Líbia Muammar Kadafi; Lázaro Baez, ligado ao ex-presidente argentino Nestor Kirchner.

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Delator é suspeito de mentir a juiz

Treze advogados que formavam a defesa do empresário Fernando Moura, ligado ao PT e delator da Operação Lava-Jato, deixaram o caso nessa quinta-feira. Fernando Moura foi preso em 3 de agosto, na deflagração da Operação Pixuleco, 17ª fase da Lava-Jato. O empresário firmou acordo de delação premiada e foi solto.

Na sexta-feira passada, Fernando Moura prestou depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava-Jato em primeira instância. Durante a audiência, o empresário pôs em dúvida trecho de suas próprias afirmações que constavam de sua delação premiada assinada em meados de 2015. Fernando Moura corre o risco de perder seu acordo de colaboração.

Durante o interrogatório, o empresário foi confrontado pelo juiz Sérgio Moro com o que tinha dito em sua delação premiada, em agosto. Em determinado momento, o magistrado citou trecho de declaração de Fernando Moura no acordo de colaboração. “O declarante tem conhecimento que esse arranjo entre Etesco e Renato Duque permitiu que a Etesco fechasse diversos contratos milionários com a Petrobras; que a Etesco, que era uma empresa de pequeno e médio porte, passou repentinamente a ficar como um player entre as gigantes da construção.”

“Falei isso?”, questionou Fernando Moura.

“Falou”, respondeu Moro.

“Assinei isso?”, perguntou o empresário, rindo. “Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu tinha falado. Mas se eu falei, eu concordo.”

“Não, não é assim que a coisa funciona”, repreendeu Moro.

“Se eu falo e depois é colocado no papel, eu nem leio. Eu até pergunto para o advogado, ‘é isso aqui?’. Falou: ‘é’”, afirmou.

Durante a audiência, Fernando Moura disse ainda que pagou propina ao PT e que seus contatos sobre valores ilícitos foram feitos com o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira e com o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, preso desde março de 2015.

Ele disse que Dirceu “deu a palavra final” para a indicação de Renato Duque à Petrobras, em 2003. Afirmou que ouviu essa informação de Silvio Pereira e acrescentou que a escolha por Duque atendia o PT de São Paulo. Em depoimento a Moro, questionado se havia pagado propina ao ex-ministro, Moura afirmou, porém, que “nunca negociou com o Zé, direto, de dinheiro de nada”.

 

Em defesa dos magistrados

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) saiu em defesa dos magistrados do país, principalmente, aqueles que atuam nas operações Lava-Jato e Zelotes. Em manifesto divulgado ontem, a Ajufe repudia as acusações feitas contra a categoria, como as desferidas no início do mês por um grupo de advogados. Afirma ainda que os magistrados agem de maneira independente e que não cederão a “qualquer tipo de pressão ou intimidação”. O texto também reclama dos cortes orçamentários feitos na área.  “Diante dessa nova realidade que começa a quebrar velhos paradigmas e transformar a percepção da sociedade sobre a punição dos corruptos, os juízes federais sempre defenderão a missão de julgar e distribuir justiça, sem ceder a qualquer tipo de intimidação ou pressão”, diz o manifesto, assinado pelo presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek.