Correio braziliense, n. 19.240, 29/01/2016. Economia, p. 7

FGTS E BANCOS PÚBLICOS PAGAM PACOTE DE DILMA

CONJUNTURA » Mais da metade dos R$ 83 bilhões anunciados como reforço ao crédito têm como origem o fundo, que é patrimônio dos trabalhadores. Ministro quer ainda criar uma banda fiscal, o que pode afrouxar o compromisso com ajuste das contas do governo
Por: Rosana Hessel/Paulo Silva Pinto
 

 

» ROSANA HESSEL
» PAULO SILVA PINTO

 

O trabalhador vai pagar a conta da maior parte do pacote de estímulo ao crédito de bancos públicos anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que soma R$ 83 bilhões. Das sete medidas apresentadas pelo chefe da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, três usam o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como fonte de nada menos que R$ 49 bilhões, ou seja, mais da metade dos recursos que o governo pretende injetar na economia.
A principal das tentativas de reaquecer a combalida atividade econômica é usar 10% do saldo do FGTS e a multa de 40% no caso de demissão sem justa causa como garantia de empréstimos consignados para trabalhadores do setor privado, que podem ser descontados diretamente na folha de pagamento. A proposta é a única das apresentadas por Barbosa que precisará ser viabilizada por meio de medida provisória, logo, depende de aprovação do Congresso Nacional.
De acordo com o ministro, há um potencial de R$ 17 bilhões para a oferta de crédito consignado usando o FGTS, mas é possível que o número seja maior, pois, segundo ele, essa é uma “hipótese conservadora”. “O setor privado pode se beneficiar dos direitos com o Fundo e reduzir as taxas de juros. É uma medida que aumenta a eficiência do sistema financeiro”, disse Barbosa após a retomada do Conselhão, que tinha sido abandonado há 19 meses. Apesar das críticas do mercado de que não há demanda por crédito na atual conjuntura recessiva, o sistema financeiro é bem criterioso e vai garantir que “esses empréstimos não estimulem o superendividamento” da população, afirmou.

Refinanciamento
O fundo dos trabalhadores também vai bancar a aplicação de R$ 10 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), para habitação, e outros R$ 22 bilhões para infraestrutura. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) será responsável por R$ 24 bilhões da oferta de crédito para exportadores, para investimentos em bens de capital e reforço de caixa das pequenas e médias empresas. Desse total, a maior parte, R$ 15 bilhões, será destinada a refinanciamento de prestações subsidiadas que as companhias não estão conseguindo quitar.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse que os juros dessa modalidade terão por base a Selic (taxa básica da economia), sem subsídios. “Vamos anunciar as condições na próxima semana, depois de fecharmos todos os programas”, disse. Ele adiantou que o banco vai participar, como agente financiador, dos próximos projetos de concessão em infraestrutura. “Esperamos que nosso orçamento, em 2016, seja um pouco maior que o de 2015”, avisou.
Para o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, o refinanciamento das parcelas de créditos anteriores é de “extrema importância” para evitar uma crise ainda maior. “Não se pode punir as pessoas que decidiram investir na recessão”, disse ele, demonstrando otimismo com a retomada das atividades do Conselhão, que terá grupos de trabalho a partir da próxima semana.

Banda
Em seu discurso, Barbosa propôs a criação de uma banda fiscal, que poderá reduzir a meta de superavit primário, caso a conjuntura se mostre desfavorável. Com isso, ele ressuscita a proposta que foi um dos grandes pontos de discórdia, no ano passado, quando ele estava à frente do Planejamento e Joaquim Levy, da Fazenda. A flexibilização, segundo críticos, tende a reduzir a preocupação do governo com os gastos públicos.
Por outro lado, Barbosa defendeu a criação de limites para as despesas do governo, sem dar detalhes. “A evolução da economia brasileira nos últimos anos indica que é necessário estabelecer um limite para o crescimento do gasto público. Ele tem aumentado mais do que o PIB  nos últimos 20 anos. Isso gera uma pressão por elevação da carga tributária, o que não é sustentável”, afirmou.
Consultorias estrangeiras não viram o anúncio do pacote com bons olhos. “É prova de uma estratégia de política econômica cada vez mais equivocada, e até mesmo incoerente”, avaliou o diretor para América Latina do Eurasia Group, João Augusto de Castro Neves. “Enquanto o governo defender medidas de estímulo ‘responsáveis’, elas vão minar a credibilidade adquirida através da introdução de reforma das pensões ou contenção de gastos”, completou.
Para o economista-chefe de mercados emergentes da Capital Economics, Neil Shearing, “há forças que podem limitar a eficácia em termos de atividade econômica”. “O pacote deve ajudar a aliviar os temores de que a crise de crédito iminente poderia desencadear uma  fase mais dolorosa no Brasil. Mas é duvidoso que ele irá acionar a reviravolta na atividade que o governo espera.” Colaborou Naira Trindade

Mais do mesmo

Veja as medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda

Linhas de crédito    Total (em R$ bilhões)
Pré-custeio da safra agrícola (Banco do Brasil)    10,0
Compra de CRI com recursos do FGTS para crédito habitacional    10,0
Aplicação do FI-FGTS em projetos de infraestrutura    22,0
Capital de giro com recursos do BNDES    5,0
Refinanciamento para prestações do PSI e do Finame    15,0
Pré-embarque de exportações    4,0
FGTS como garantia para consignado    17,0

Fonte: Ministério da Fazenda


E EU COM ISSO

Impacto no bolso
O impacto positivo das medidas anunciadas ontem no bolso depende da situação de cada um. Empresários que compraram máquinas e não conseguem pagar as prestações vão se beneficiar da rolagem dos débitos. Trabalhadores que estão pendurados em dívidas bancárias poderão conseguir crédito consignado mais barato.
Quanto ao ônus, há maior equilíbrio na distribuição: todos pagarão pelas medidas por meio de impostos. Embora o governo negue, especialistas chamam atenção para o inexorável custo fiscal.
Ainda que os bancos públicos estejam com dinheiro sobrando depois que o governo pagou as pedaladas, eles serão obrigados a conceder empréstimos em determinadas condições, com lucro menor do que teriam. Assim, pagarão menos dividendos ao governo. Se tiverem prejuízo, terão de ser capitalizados.

 

"É prova de uma estratégia de política econômica cada vez mais equivocada, e até mesmo incoerente”
João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latinado Eurasia Group

Órgãos relacionados:

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Presidente defente CPMF

Por: Rosana Hessel/Paulo Silva Pinto

A presidente Dilma Rousseff usou grande parte de seu discurso ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para defender a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), com que conta para diminuir o rombo nas contas públicas. Da meia hora do pronunciamento, três minutos foram dedicados à defesa do aumento da carga tributária. “Peço encarecidamente que reflitam sobre a excepcionalidade do momento, o que torna a CPMF a melhor solução disponível, pelo baixo custo da fiscalização e o menor impacto sobre a inflação”, afirmou a presidente.
Ela disse estar “inteiramente aberta” a alternativas, mas indicou já estar decidida pelo tributo. Prometeu, em troca, que não será um sacrifício permanente, ao ressaltar que, entre outras opções, a CPMF é “melhor por ser rigorosamente temporária”. Para o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, esse item tem grande importância. “A presidente reafirmou que a CPMF será provisória.” Trabuco evitou, porém, declarar apoio à proposta. “A CPMF é uma das possibilidades. O Congresso vai avaliar”, disse.
O presidente do Bradesco sugeriu que, embora indesejado, o aumento da carga tributária pode ser necessário. “Desequilíbrio fiscal é a maior razão do risco Brasil, que saiu de 250 para quase 500 pontos”, comentou. No Conselho, ele defendeu medidas de controle fiscal. “O gasto público teria de ter limites”, sustentou. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que o tema será analisado pelo governo.
Diferentemente de Trabuco, o presidente do Itaú, Roberto Setúbal, não quis falar com jornalistas. “Foi muito bom”, limitou-se a dizer. Ele deixou o encontro às 17h25, três minutos antes de Dilma começar a falar. “Tenho um compromisso em São Paulo”, explicou.

Agenda
Dilma tentou fazer da reunião um evento de apoio ao governo, dizendo ser importante unir forças para superar as dificuldades econômicas. “O partido de todos nós é o Brasil”, afirmou. Ela sugeriu que não pretende levar as medidas de equilíbrio fiscal às últimas consequências. “Superada a parte mais premente do ajuste, temos a oportunidade de construir uma agenda que diminua a incerteza e construa as bases para a volta do crescimento.”
A presidente também sugeriu que não abandonou a convicção de que as empresas dependem do Estado. “Produção e consumo não aumentam se não houver recursos disponíveis pela arrecadação para estimular a crescimento econômico”, afirmou.
Para o presidente da Câmara Brasileira da Construção Civil, José Carlos Martins, há muitas dúvidas sobre as propostas. “A presidente teve uma postura mais humilde, pedindo a colaboração dos presentes. Mas o que importa é o desdobramento”, disse. Ele mostrou frustração com o fato de o programa Minha Casa Minha Vida não ter sido incluído no pacote de estímulo ao crédito, como estava previsto. “Ficou para depois do carnaval”, lamentou. (PSP e RH)

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