Correio braziliense, n. 19230, 19/01/2016. Política, p. 2

APOIO IRRESTRITO ÀS AÇÕES DA LAVA-JATO

CRISE NA REPÚBLICA » Os presidentes do Supremo e da Associação dos Juízes Federais afirmam que a magistratura trabalha pela garantia dos direitos fundamentais
Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

Enquanto o Partido dos Trabalhadores afirmou ontem que há uma “denúncia relevante” de que a Operação Lava-Jato contém um “embrião de Estado de exceção”, magistrados voltaram a defender a legalidade da investigação sobre corrupção envolvendo políticos, grandes empresários e operadores do mercado sujo de câmbio. Os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e da Associação dos Juízes Federais, Antônio César Bochenek, afirmaram que a classe trabalha “pela garantia dos direitos fundamentais”. Para o dirigente da entidade, há uma “transformação” do Judiciário e um “novo formato de processo penal”. Na semana passada, uma carta, encampada nesta segunda-feira pelo PT e assinada por 105 advogados, parte deles defensores de réus no caso, afirmou que a operação usa método da época da “inquisição”.

Até o momento, a Lava-Jato desnudou esquemas de cartel em obras públicas na Petrobras e em outras estatais do setor de energia, como a usina Angra 3, mediante pagamento de propinas de empreiteiros para altos funcionários públicos e políticos, principalmente do PT, PMDB e PP. As acusações ainda atingem figuras do PSDB, PSB e PTB. Foram recuperados R$ 2,8 bilhões, em parte graças a 40 acordos de colaboração premiada, de um total de até R$ 42 bilhões desviados, segundo laudo da Polícia Federal.

Bocheneck disse que o Judiciário passa por um momento de “transformação” no contexto da Lava-Jato, que envolve uso da delação premiada e redução dos recursos protelatórios. “Esses juízes estão agindo de acordo com suas consciências, de acordo com suas convicções”, disse ele, em entrevista ao Correio, ontem à tarde em Brasília. “Temos sobretudo um novo formato de processo penal, não mais balizado naqueles pilares antigos, há uma transformação, a mais visível são as delações”, disse. “A delação, esse novo ingrediente, vem produzir um novo processo penal, num novo momento democrático, que produz alterações no entender dos julgadores. E produz para melhor, como nós vimos.”

Lewandowski afirmou que “a magistratura brasileira trabalha pela garantia dos direitos fundamentais, pela estabilidade das instituições republicanas e pela consolidação do Estado Democrático de Direito”. As declarações, divulgadas ontem, foram feitas em Curitiba na sexta-feira passada, mesmo dia em que 105 advogados acusavam o “menoscabo à presunção de inocência”.

De acordo com Bochenek, não existe diminuição da presunção de inocência dos investigados na Lava-Jato, caso julgado em Curitiba pelo juiz Sérgio Moro, cujas decisões têm sido confirmadas, em sua maioria, pelos tribunais superiores, como o STF. “Primeiro, você pode exercer o direito de defesa praticamente total”, lembrou o presidente da Ajufe. “Temos o que os estudiosos chamam de ‘garantismo ampliado’ (corrente do direito que prega o uso de todas as formas possíveis de manutenção das garantias dos investigados em praticamente todas as situações) e não se pode fazer nada.” Ele afirmou ainda que o fato de haver presos provisórios não significa redução da condição de inocência presumida.

“Hoje 40% das pessoas que estão presas não têm nem julgamento com trânsito em julgado (encerramento completo do processo). Se for olhar por esse lado, os presos da Lava-Jato incluem-se nesses 40%. Não são nenhuma excepcionalidade. O que é novo é que são prisões provisórias de poderosos, políticos e empresários, quando tínhamos prisões provisórias daqueles que têm menos recursos, os menos favorecidos, que não iam contratar um advogado.”

 

Paz social

Diante de uma plateia de juízes no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), em Curitiba, Lewandowski afirmou que os magistrados contribuem para a paz na sociedade brasileira, apesar da intranquilidade no mundo, como na África e no Oriente Médio. “Sem sombra de dúvidas, o Poder Judiciário, os juízes brasileiros, anônimos, distribuídos por todos os rincões, são responsáveis por esta paz social, por esta harmonia de que, felizmente, ainda desfrutamos.” Na ocasião, o presidente do STF recebia uma Comenda do Mérito Judiciário.

Lewandowski comentou que a garantia dos direitos fundamentais faz juízes, desembargadores e ministros atuarem “unidos”, apesar de a Justiça brasileira ser “plural, heterogênea”. Há mais de 16 mil magistrados no país. O presidente do STF disse que os juízes atuam diariamente para transformar para melhor a sociedade. “A cada dia, trabalhamos para cumprir a promessa do Constituinte: nos transformarmos numa sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária”, afirmou.

 

Frase

“A delação, esse novo ingrediente, vem produzir um novo processo penal, num novo momento democrático, que produz alterações no entender dos julgadores. E produz para melhor, como nós vimos”

Antônio César Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais

 

 

Três perguntas para

Antônio César Bochenek, presidente da Ajufe

 

Os advogados dizem que falta imparcialidade aos juízes da Lava-Jato. Magistrados aceitam pressão?

Verificamos que a imparcialidade e a independência são dois requisitos para o juiz ter tranquilidade. Esses juízes estão agindo de acordo com suas consciências. Eles não se deixam influenciar por essas pressões e julgam com imparcialidade e independência. Temos sobretudo um novo formato de processo penal, ou seja, o processo penal não é mais balizado naqueles pilares antigos, são novos pilares, há uma transformação. A transformação mais visível são as delações. As quantidades de delações promovem um “apressamento” na colheita das provas em relação às atividades ilícitas e, com isso, produzem mais resultados em termos de investigação, responsabilização e punição. Portanto, a delação, esse novo ingrediente no formato da legislação, vem produzir novo processo penal, num novo momento democrático, num novo momento institucional, que produz alterações no entender dos julgadores. E produz para melhor, como nós vimos.

Em termos de delação, pode haver alguns ajustes? Sim. Agora, dizer que este novo sistema é inquisitorial, como colocado na carta, é até um desrespeito com aquelas pessoas que sofreram com a Inquisição. Na verdade, esses advogados que assinaram a carta não perceberam que o processo penal, que eles estudaram e por muitos anos trabalharam, sofreu alterações significativas. E principalmente pela delação. Portanto, as balizas e os vetores não são mais os mesmos. É um sistema que rui, que está desmoronando, está se transformando. E eles querem manter aquele status quo antigo. E aí, usam de artimanhas e artifícios extraprocessuais, porque dentro do processo não conseguiram vencer, para tentar fazer, aí sim, alguma pressão midiática ou social em defesa de seus interesses privados, de seus contratantes, de seus clientes.”

 

Qual é o sistema antigo?

Esse processo penal anterior. Quando não havia delações, quando grandes escritórios utilizavam recursos protelatórios, utilização do sistema para que o processo demore, com resultados ruins para o sistema. Obtivemos muitas propostas alternativas para solucionar, como o Projeto nº 402/2015, que está no Senado (permite a prisão imediata após condenação em segunda instância), as 10 medidas de (combate à) corrupção do Ministério Público, e o projeto do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que reduz o sistema prescricional criminal. Já não são mais sistemas que estão mais adequados às sociedades democráticas contemporâneas, que exigem uma resposta mais adequada do Judiciário.

 

O corte do orçamento da Justiça é uma retaliação à Lava-Jato?

Ainda estamos avaliando, estamos estudando os impactos que isso possa causar.  Quando um sistema funciona bem e apresenta resultados, qualquer corte atrapalha. Não é tão simples, é complexo, estamos vendo todas as manifestações para não poder cometer... estamos estudando, não é nenhuma posição definitiva. É possível prejudicar. Não usaria a palavra “retaliação” ainda, mas estamos estudando os impactos. Em princípio são impactos que podem causar prejuízo no rápido andamento dos processos.

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