Correio braziliense, n. 19.238, 27/01/2016. Política, p. 2

Dirceu promete falar sobre jatinhos e petrolão

CRISE NA REPÚBLICA » Advogado garante que ex-ministro não ficará em silêncio durante depoimento ao juiz Sérgio Moro. Delator revela que petista usava aviões particulares para compensar a propina pendente: foram 113 viagens que dariam para dar duas voltas e meia ao redor da Terra

Por: EDUARDO MILITÃO

EDUARDO MILITÃO

 

O depoimento do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu ao juiz da Lava-Jato no Paraná, Sérgio Moro, na próxima sexta-feira será “muito bom”, avalia o advogado dele, Odel Antun. “Vai ser esclarecedor, porque ele vai responder a tudo, não vai ficar em silêncio”, contou ao Correio. “O José Dirceu quer falar”, continuou. Entre os temas que precisarão ser explicados, estão as 113 viagens em aviões de Júlio Camargo, um dos operadores do esquema de desvios da Petrobras. Somados, os voos no jatinho chegam a 105 mil quilômetros, ou duas voltas e meia ao redor do planeta, e 179 horas, ou seja, mais de uma semana no ar. Os principais destinos das viagens são Brasília, São Paulo, e Rio de Janeiro  — há também um voo até Havana. Outro ponto a ser esclarecido é a indicação do ex-diretor de Engenharia da petroleira Renato Duque, que foi apontado como apadrinhado do ex-ministro pelo Ministério Público.

Odel reforça que outro delator, Fernando Moura, já afirmou em depoimento que, apesar de “a palavra final” ter sido de Dirceu, ele só bateu o martelo por que o nome do ex-dirigente tinha apoio do PT de São Paulo. Hoje, Moro vai ouvir Luiz Eduardo Oliveira e Silva, o irmão do ex-ministro, e dois donos da empreiteira Engevix: José Antunes e Cristiano Kok. Dirceu é acusado de indicar Renato Duque e dar sustentação política para um esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. A Engevix, empresa que contratou consultorias do ex-ministro, pagou R$ 60 milhões em propinas para pessoas ligadas a Dirceu e ao Partido dos Trabalhadores, segundo o Ministério Público. Os operadores do esquema foram os lobistas-delatores Camargo e Milton Pascowitch.

A planilha apresentada por Camargo mostra que Dirceu viajou de 8 de novembro de 2010 até 3 de julho de 2011 em dois aviões Citation, um Excel (prefixo PT-XIB) e um Mustang (prefixo PP-EVG). O documento foi levado ao Complexo Médico Penal na região metropolitana de Curitiba, onde que o ex-ministro cumpre pena. “Ele voava bastante”, comenta Odel. “Ele disse que vai olhar a planilha e explicar”, contou o advogado.

 

Sete dias

Camargo disse que Dirceu tinha um saldo de propinas a receber de R$ 1 milhão. Esse valor foi pago com o afretamento de aviões. A soma dos percursos de Dirceu chega a 179 horas e 19 minutos. É como se o ex-ministro tivesse passado sete dias e meio ininterruptos dentro das aeronaves do operador. Em média, cada um dos 113 voos durou uma hora e 35 minutos. “O ministro se utilizava dois aviões que eram de minha propriedade. E isso representava um débito e era compensado nessa conta de R$ 1 milhão que ficou restante”, disse Camargo em depoimento a Sérgio Moro.

O ex-ministro tentou se municiar de informações para embasar seu depoimento ao pedido para Moro para acompanhar as oitivas dos delatores. Mas o pedido foi negado e Dirceu agora tenta estudar os depoimentos da cadeia. Fernando Moura conhece o ex-ministro há 40 anos, é empresário colaborador de campanhas do PT e fechou acordo com a Procuradoria-Geral da República para confessar crimes, indicar provas contra outros suspeitos e obter redução das penas.

Em 28 de agosto do ano passado, ele disse à Polícia Federal que um empresário que ajudou a campanha de Dirceu em 2002, chamado de Licínio, da empresa Etesco, o procurou em 2003. O empresário indicou Duque para a Diretoria de Engenharia da Petrobras. Moura encaminhou-o a Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT. O nome foi aprovado e Licínio, que tinha contratos com a petroleira, passou a pagar US$ 30 mil a cada três meses para Moura.

No entanto, segundo Odel, a história tem mais detalhes que isentam Dirceu da participação direta na indicação do ex-diretor. Sílvio Pereira, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e outros integrantes do PT ficaram de fechar a nomeação, mas houve empate. No depoimento de Moura na sexta-feira, ele conta que, segundo Sílvio Pereira, Dirceu desempatou a disputa após saber que o concorrente de Duque era indicação do PSDB. A indicação de Duque era “do diretório estadual de São Paulo do PT”, segundo o depoimento do delator.

 

Frase

“O ministro se utilizava dois aviões que eram de minha propriedade. E isso representava um débito e era compensado nessa conta de R$ 1 milhão que ficou restante”

Júlio Camargo, delator da Lava-Jato

 

Destinos

Confira os locais para onde viajou José Dirceu nos jatinhos do delator

 

Cidade                         Viagens

São Paulo                             35

Brasília                                28

Rio de Janeiro                     13

Jundiaí (SP)                        8

Salvador                             5

Manaus                               3

Curitiba                             3

Oranjestad (Aruba)           1

Caracas (Venezuela)          1

Havana (Cuba)                    1

Santiago (Chile)                  1

Outros no Brasil                 14

As dúvidas

 

O que os investigadores querem ouvir do próprio José Dirceu

1) Padrinho

»  Quem indicou Renato Duque para a Diretoria de Engenharia da Petrobras? A indicação é atribuída ao ex-ministro, mas seu advogado Odel Antun afirmou ontem que ela partiu do Diretório do PT em São Paulo.

 

2) Consultorias

»  As consultorias que Dirceu prestava para a empreiteira Engevix, fornecedora da Petrobras, eram reais? Ou eram apenas para mascarar recebimento de propina pelos contratos da empresa com a petroleira? Há relatórios dessas consultorias?

 

3) Imóveis

»  Por que o lobista Milton Pascowitch participou da reforma de imóveis para José Dirceu e sua família? A que se devem esses serviços?

 

4) Engevix

»  Dirceu tinha influência nos contratos da empreiteira Engevix na Petrobras?

 

5) Telefonemas

»  Qual a razão dos telefonemas e visitas entre o lobista Milton Pascowitch, o irmão de Dirceu, Luiz Eduardo, e pessoas ligadas ao ex-ministro, como Roberto Marques e Olavo Moura?

 

6) Avião

»  Por que José Dirceu voou tantas vezes no avião de Júlio Camargo? Qual era o acordo entre os dois?

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MP propõe delação por e-mail

O Ministério Público Federal propôs uma conversa com o objetivo de tentar um acordo de delação premiada para um dos réus da Operação Zelotes por correio eletrônico. O advogado Getúlio Humberto Barbosa de Sá, que defende José Ricardo Silva, ex-integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) acusado de ser um dos lobistas que pagaram propina para conseguir a aprovação da Medida Provisória 471 e obter a extensão de benefícios fiscais para montadoras como a Mitsubishi, relatou ao Correio que recebeu uma mensagem do procurador Frederico Paiva avisando de uma conversa com seu cliente. “Doutor Frederico mandou um e-mail para meu escritório dizendo que ia ouvi-lo lá (na penitenciária da Papuda)”, disse. A mensagem não falava diretamente em delação premiada, segundo Barbosa de Sá. “Falou que podia ver alguma benesse que a lei confere para quem quiser colaborar com a Justiça”.

A conversa também foi “em termos genéricos”, segundo o defensor. “Falamos para ele que não temos interesse em colaborar porque não existe nada a colaborar.” Barbosa de Sá disse ao Correio que, “a princípio” e “no momento”, José Ricardo não fará delação nem mesmo confissão espontânea.

O advogado do lobista Mauro Marcondes, Roberto Podval, também disse que o Ministério Público o procurou para oferecer delação, mas depois a PGR recuou. A assessoria do MPF disse que não comenta tratativas por colaborações premiadas.

Ontem, Paiva disse ser difícil comprovar a participação de parlamentares no esquema de compra de MPs. O procurador relatou um saque de R$ 1 milhão na boca do caixa. Segundo ele, com uma “mochila” de dinheiro na rua, fica difícil rastrear o destinatário final.

Novos depoimentos na 10ª Vara Federal de Brasília defenderam a legalidade do lobby. O consultor Paulo Kramer afirmou que a atividade não pode ser confundida com o crime, como os praticados por Marcos Valério Fernandes de Souza, publicitário condenado como operador do mensalão. O juiz Vallisney Oliveira determinou prazo até 5 de fevereiro para a presidente Dilma Rousseff e outras testemunhas arroladas com foro privilegiado, como senadores e deputados, prestarem declarações por escrito no processo.

Em depoimento à PF, a ex-ministra Erenice afirmou que fez negócios com José Ricardo. De acordo com Barbosa de Sá, os negócios se referiam a consultoria e defesa jurídica da empresa chinesa Huawei perante o Carf, mas em um órgão no qual seu cliente não participava como julgador. (EM)