Correio braziliense, n. 19.238, 27/01/2016. Economia, p. 7

Arroz e feijão viram luxo para brasileiros

Problemas climáticos e alta do dólar encarecem produção dos alimentos do tradicional prato feito do país. Em um ano, a alta média desses produtos foi de 20%, de acordo com o IPCA-15. Especialistas temem desabastecimento

RODOLFO COSTA – CORREIO BRAZILIENSE

Os brasileiros estão pagando 20% mais para comer o tradicional prato feito (PF) de arroz, feijão, carne, batata e salada em casa. A alta média desses produtos foi quase o dobro da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de 12 meses, que fechou janeiro em 10,74%. No mesmo período do ano passado, a variação em relação a 2013 havia sido de cerca de 10%.

E, se os preços estão altos, podem subir ainda mais, e até faltarem produtos, segundo especialistas. Com excesso de chuvas — principalmente na Região Sul do país—, o Rio Grande do Sul, que detém 70% da produção nacional de arroz, registrou perdas e atraso no plantio. O mesmo ocorreu no Paraná, que responde por cerca de 24% do feijão produzido no país. Minas Gerais, que produz 30% do total de batatas, sofreu com uma seca intensa.

A quebra da safra do arroz, por exemplo, obrigará o país a praticamente dobrar a importação do produto. No caso do feijão-carioquinha, em que não há a possibilidade de trazer de outro país, o Instituto Brasileiro do Feijão prevê desabastecimento entre 20 de fevereiro e 20 de abril, quando entra no mercado a segunda safra.

Segundo o economista Márcio Milan, da Tendências Consultoria, o clima ainda influenciará negativamente os preços por alguns meses. “O ambiente ainda é adverso e seguirá pressionando o IPCA”, reforçou. A expectativa, no entanto, é de que o quadro mude em abril ou maio, quando cessam os efeitos do fenômeno natural El Niño, responsável pelo excesso de chuvas e pela estiagem em algumas regiões do país, prevê a meteorologista Patrícia Madeira, da Climatempo.

“Depois disso, com a vinda do período seco, entre abril a setembro, devemos observar uma normalidade na região central, de poucas chuvas. No Norte e no Nordeste, a expectativa é de chuva abaixo do normal, mas sem seca severa. Nas outras áreas, devemos observar irregularidade das chuvas, com períodos secos intercalando dias chuvosos”, disse.

Orçamento

Mesmo apresentando menor variação de preço, a batata e cortes de carne, como o patinho, continuam impactando no orçamento do servidor público Aurélio Cavalcante, 29 anos. “Para mim, não tem nada barato. Noto que, há seis meses, os valores só aumentam.”

O sentimento de Cavalcante, de que tudo fica mais caro no PF, não é à toa. Em 12 meses, somente o tomate subiu 61,3%. Para driblar a alta do produto, Aurélio está reduzindo a quantidade consumida. “Não tem muito o que fazer”, disse.

Mas não é só o clima que determina o aumento nos preços de alimentos; outro fator com peso fundamental é a valorização do dólar, que elevou em 25% os custos de produção do arroz na safra 2015/2016 em relação à colheita anterior, a maior alta desde a implementação do Plano Real, afirmou o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. Os preços de itens cotados na moeda, como agroquímicos e fertilizantes, subiram 19% e 44%, respectivamente. Ele, no entanto, avalia que os alimentos não são a “causa, nem o fim” do aumento da inflação dos pratos feitos.

O economista-chefe da Farsul ressalta que, além do excesso de chuvas e do câmbio, o governo represou por muito tempo os preços dos combustíveis e, em 2013, reduziu as tarifas de energia elétrica. Esses dois efeitos desencadearam, em 2015, o aumento da gasolina, do diesel e da conta de luz, tornando o repasse ao consumidor inevitável. “São insumos que pesam no custo de produção”, destacou. Para ele, a postura do Banco Central no controle da inflação é equivocada. “Poderíamos combater a carestia com taxas de juros mais baixas. O crédito mais caro está massacrando os produtores.”

Marmita

Se comer em casa o tradicional arroz e feijão está caro, imagine fora de casa. O fotógrafo Caetano Brito, 64 anos, pagava há dois meses R$ 10 por um prato com arroz, feijão, carne, salada e batata frita. Hoje, não desembolsa menos de R$ 12, um gasto que representa uma alta de 20%, acima do aumento de 10,4% medido pelo item de refeição fora do lar, do IPCA-15. Para reduzir os custos, decidiu almoçar mais vezes em casa. “Quando não é possível fazer isso e o dinheiro está curto, vou a um self-service e procuro comer o menos possível. Acabo ficando com fome, mas é a única forma de cortar as despesas”, afirmou.

O servidor público Raphael Fernandes, 30, observa, há quatro anos, o encarecimento da refeição. Em 2012, pagava R$ 9 por um prato feito, atualmente sai a R$ 17, um salto de cerca de 89%. O vale-refeição, em contrapartida, sofreu reajuste de 25% no período. “Estou levando comida de casa com mais frequência para economizar porque não vejo condições de essa inflação reduzir. Talvez os preços recuem um pouco só por um aumento de concorrência, com mais comerciantes vendendo a marmita”, avaliou.

Pressão

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) acredita que os fatores climáticos tendem a manter pressionados os preços de hortaliças e frutas no atacado durante o primeiro trimestre deste ano. Com menos produtos em oferta, as Ceasas da Região Sudeste comercializaram pouco mais de 250 mil toneladas de hortaliças, em dezembro, o pior resultado mensal em pelo menos três anos. No Centro-Oeste não foi diferente. Com menos oferta para atender o mercado, o tomate foi vendido a R$ 4,15 no Ceasa de Goiânia, um aumento de 55,28% em relação a novembro.

Expectativa de inflação mais elevada

A inflação esperada pelos consumidores nos próximos 12 meses ficou em 11,3% em janeiro, o maior patamar já registrado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) desde que a pesquisa começou, em 2005. Depois de sentirem no bolso um aumento de preços de dois dígitos no ano passado, as famílias começaram 2016 com o orçamento comprimido pelos reajustes em tarifas de ônibus, o que contribuiu para o maior pessimismo. “O consumidor começa a perder renda, e os preços em seu dia a dia estão subindo. Isso piora a perspectiva”, disse o economista da FGV Pedro Costa Ferreira.

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46% não têm controle do orçamento

Por: Mariana Areias

 

MARIANA AREIAS

ESPECIAL PARA O CORREIO

Controlar o orçamento em tempos de crise é desafiador, e organizar as contas ainda não é um hábito para 46% dos brasileiros, segundo pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Falta de disciplina, pouco tempo e esquecimento são as principais justificativas dos desorganizados.

A economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, explica que a crise tem obrigado o consumidor a se ajustar financeiramente. “Quando está tudo muito bem, não temos necessidade tão grande de organizar as contas. Já passamos por períodos de baixas taxas de desemprego e de inflação. Mas hoje, devido aos problemas econômicos e aos reflexos deles na rotina do cidadão, começamos a ficar mais preocupados com os gastos”, avaliou.
Para Marcela, esse é o aspecto positivo da crise. “Teremos que repensar o nosso dia a dia financeiro”, disse ela. Para a economista, a tendência para os próximos anos é de consumidores mais conscientes, já que 2015 foi uma grande lição de casa. “Atualmente, temos mais acesso a informação e boas ferramentas. É possível fazer planilhas na internet, além de aplicativos muito eficientes que permitem a organização financeira. Tudo isso ajuda muito”, disse.
A auxiliar administrativa Paloma Ramos, 24, considera-se uma pessoa muito descontrolada financeiramente. “Eu costumo gastar muito mais do que eu ganho, e isso me gera dívidas enormes”, comenta. Umas das metas de Paloma para este ano é conseguir se livrar de um débito com o banco. “Eu me sinto angustiada quando me deparo com o resultado da minha desordem. Isso gera ansiedade e acaba virando uma bola de neve, gasto sempre mais”, explicou.
A ansiedade, de acordo com o planejador financeiro Felipe Chad, atrapalha na hora de colocar as contas na ponta do lápis. “Não saber o quanto se ganha e o quanto se gasta é preocupante. O ideal é acompanhar as despesas”, afirmou. Ele compara planejamento financeiro com alimentação. “Se você consegue medir, consegue controlar. Essa é a grande dica”. Para ele, o brasileiro é descontrolado de maneira geral. “Falta educação financeira eficiente”, ponderou.
A pesquisa apontou que, entre dezembro de 2014 e dezembro passado, diminuiu de 60,9% para 41,1% a parcela de consumidores que conseguem pagar as contas e ter uma sobra no fim do mês. Arícia Garcia, 24, estudante, conta que nunca conseguiu guardar dinheiro e que se enrola com dívidas. “A inflação alta tem me feito aprender na marra. Este ano, preciso economizar, nem que seja R$ 1 por dia”, disse.

Frase

"Eu me sinto angustiada quando me deparo com o resultado da minha desordem. Isto gera ansiedade e acaba virando uma bola de neve, gasto sempre mais”
Paloma Ramos, auxiliar administrativa

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ALÍVIO NA CONTA DE LUZ

Por: Simone Kafruni
 

» SIMONE KAFRUNI

Ainda é pouco para comemorar, mas a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está dando sinais de que a tarifa de energia elétrica não vai subir, em 2016, nos patamares absurdos do ano passado. Ontem, o órgão regulador decidiu diminuir o valor da bandeira tarifária amarela e criar um patamar intermediário antes da vermelha para reduzir o custo adicional pago pelo consumidor quando há geração termelétrica, a mais cara do mercado. Na prática, em fevereiro, cada 100 quilowatts/hora (kWh) consumidos ficarão R$ 1,50 mais baratos.

A alteração determina que a bandeira amarela, hoje em R$ 2,50, caia para R$ 1,50 a partir de 1º de fevereiro, uma redução de 40%. A sinalização vermelha, atualmente em R$ 4,50, será dividida em dois patamares. O primeiro, caso só as térmicas até R$ 610 o megawatt/hora (MWh) estejam funcionando, terá custo adicional de R$ 3 a cada 100kWh consumidos. Num cenário em que as termelétricas com custo acima de R$ 610 o MWh sejam acionadas, o valor extra nas contas de luz será de R$ 4,50.
“Em fevereiro, será considerado o primeiro patamar da bandeira vermelha. Isso significa que o valor adicional para custear a geração térmica terá redução de 33%, saindo de R$ 4,50 para R$ 3”, afirmou o diretor da Aneel André Pepitone da Nóbrega. “A redução total da conta, no entanto, vai depender do consumo de cada um”, ressaltou.
Se o consumo mensal foi só de 100kWh, a fatura vai ficar R$ 1,50 mais barata em fevereiro. No caso de uma unidade que consuma 500kWh por mês, o custo adicional com a bandeira tarifária cairá de R$ 22,50 (cinco vezes a bandeira vermelha de R$ 4,50) para R$ 15 (cinco vezes R$ 3). A conta, portanto, será R$ 7,50 mais barata.

Chuvas
Conforme o diretor da Aneel, a entrada em operação comercial de mais 6,4 mil megawatts (MW) de energia nova e o cenário hidrológico, mais favorável este ano, com chuvas mais abundantes, permitiram as mudanças. “O principal motivo, no entanto, foi o GFS”, destacou. A sigla, de Generation Scaling Factor em inglês, significa, na prática, a quantidade de água nos reservatórios. Quanto mais água estocada, menor a chance de usar as térmicas mais caras.
As novas bandeiras tarifárias valem para todo o território nacional interligado, do qual só está fora o Estado de Roraima. “Excepcionalmente, devido a uma medida judicial, os consumidores do Amazonas também não estão pagando a bandeira”, disse Pepitone.