Título: Greve contra Evo
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 29/09/2011, Mundo, p. 24

Principal central sindical da Bolívia se une a protesto indígena e convoca paralisação de 24 horas contra estrada financiada pelo Brasil

No poder há seis anos, o presidente da Bolívia, Evo Morales, vive sua pior crise, agravada ontem com uma paralisação geral no país. Desde domingo, seu governo enfrenta críticas à violenta repressão para conter o protesto dos indígenas contra a construção de uma estrada financiada pelo Brasil, e cujo traçado corta uma reserva natural. Desde então, quatro funcionários de alto escalão deixaram o cargo por não concordarem com as ações do presidente. As demissões deixam Morales em uma posição mais vulnerável, na medida em que se aproxima a primeira eleição, por voto direto, para a escolha das autoridades máximas do Poder Judiciário, considerada por um especialista ouvido pelo Correio uma espécie de plebiscito para o mandatário boliviano.

Na opinião do cientista político boliviano Ricardo Paz, da Universidad Andina Simón Bolívar, de Sucre, Morales vive, ao mesmo tempo, uma crise estrutural e outra circunstancial. A primeira, segundo o acadêmico, tem origem na expectativa criada por seu governo, e não alcançada, de estabelecer o projeto de um "novo Estado". A outra, por conta da repressão que terminou com a morte de uma criança e a prisão de indígenas que exigem, desde 15 de agosto, uma moratória na construção da estrada entre Villa Tunari e San Ignacio de Moxos. O percurso faz parte de um projeto, com financiamento de US$ 322 milhões do BNDES e a cargo da construtora brasileira OAS, para ligar Santos (SP) a outros portos do Chile e do Peru, passando pela Bolívia. Em território boliviano, o traçado cruza o Território Indígena do Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), razão que motivou o protesto. Os manifestantes pretendiam marchar até a capital, La Paz.

Segundo Ricardo Paz, faltou habilidade política ao governo para lidar com a situação de uma maneira que não fosse vista como "arrogante". Agora, o presidente corre o risco de pagar o preço político, com uma queda de popularidade e uma derrota nas eleições de 16 de outubro. Com os últimos episódios no país, a oposição intensificou sua campanha para que os eleitores votem em branco ou nulo no sufrágio inédito. "Há uma expectativa de que esses votos (brancos e nulos) ultrapassem os válidos, e isso será uma mensagem ao presidente", explicou Paz.

O presidente deu posse ontem aos novos ministros de Governo e de Defesa, depois das demissões causadas pelo repúdio à repressão policial de domingo. Morales, porém, se mostrou desafiador e lançou duros ataques à imprensa, chamando alguns veículos de "mentirosos" durante a cerimônia de posse de Wilfredo Chávez (Governo), no lugar de Sacha Llorenti, e de Rubén Saavedra (Defesa), que substitui Cecília Chacón. Hoje, os ministros da Presidência, Carlos Romero, e de Obas Públicas, Wálter Delgaillo, terão de dar explicações ao Parlamento sobre o conflito de domingo. Uma investigação penal foi aberta pela Procuradoria-Geral do Estado.

Paralisação Enquanto a tensão se instala no governo, nas ruas a população demonstra sua rejeição ao projeto. Às 9h de ontem, teve início uma paralisação geral de 24 horas convocada pela Central Operária Boliviana (COB), que também promoveu manifestações em várias cidades, principalmente La Paz, em apoio aos indígenas.

A mobilização teve a adesão de todos os sindicatos e das associações de professores e estudantes, além de ativistas e personalidades políticas.

O secretário executivo da Federação Sindical de Trabalhadores Mineiros da Bolívia, Miguel Peres, afirmou ao Correio que a manifestação também pede ao governo uma solução para o impasse nas negociações salariais.

Ontem, cerca de 200 indígenas reunidos na localidade de Rurrenabaque decidiram retomar a marcha até La Paz, um percurso de 600km. Evo Morales anunciou na segunda-feira a suspensão temporária da obra, que agora será submetida a referendo nas regiões de Beni e Cochabamba.