Correio braziliense, n. 19.217, 06/01/2016. Opinião, p. 11

Câncer de mama no Brasil

Ronaldo Corrêa Ferreira da Silva
Luís Fernando Bouzas

Nos últimos meses foram publicados diversos textos de opinião sobre o controle do câncer de mama no Brasil. Tendo em vista que o Inca tem mais de 70 anos de tradição no controle do câncer, com programas de controle reconhecidos internacionalmente, faz-se pertinente e necessário fazer algumas considerações. Os indicadores de morbidade (casos) e mortalidade (mortes) do câncer de mama colocam o Brasil em posição intermediária entre os países com maior risco cumulativo (países desenvolvidos) e países com menor risco cumulativo (países de baixa renda) de ter e morrer de um câncer de mama.

Nos últimos 20 anos, ocorreram reduções na mortalidade por câncer de mama nos países desenvolvidos; além disso, em alguns deles, ocorreu também redução na incidência da doença entre os últimos 5 anos e 10 anos. Nos países em desenvolvimento, as taxas de incidência e mortalidade permanecem com tendência de aumento.

O câncer de mama é doença heterogênea, que reúne sob mesma denominação vários subgrupos biológicos de doença com prognóstico, comportamento clínico, aspectos histológicos, genéticos, moleculares e tratamentos diferentes. Embora cerca de 80% dos cânceres de mama sejam considerados de bom prognóstico, indolentes ou de crescimento lento, são os 20% dos cânceres de comportamento agressivo ou de mau prognóstico que determinam grande parte do crescente número de mortes.

Os programas de rastreamento mamográfico — realização de exames em populações assintomáticas, de maneira sistemática, organizada e monitorada pelos sistemas de saúde — e a introdução dos tratamentos sistêmicos (quimioterapia e hormonioterapia) são considerados os principais vetores da diminuição da mortalidade nos países desenvolvidos. Apesar da excessiva percepção de importância do rastreamento mamográfico na academia, na mídia e no senso comum, a contribuição isolada do rastreamento é, na melhor das hipóteses, modesta e exclusiva para determinados subgrupos de mulheres.

O rastreamento mamográfico é intervenção sanitária complexa que demanda sistemas de serviços de saúde maduros e, por esse motivo, somente países desenvolvidos possuem programas de rastreamento consolidados — o Brasil ainda não se inclui nesse grupo. Os custos financeiros e operacionais são altos e os resultados são modestos. Não é por acaso que alguns países desenvolvidos estão revendo seus programas e alguns estudando formas mais eficientes de rastreamento (rastreamento individualizado).

O que historicamente vem se mostrando efetivo e eficiente na redução da mortalidade do câncer de mama são os avanços na organização dos sistemas de serviços de saúde, integrando os diferentes níveis de atenção, diminuindo o tempo de espera entre a suspeita diagnóstica e início do tratamento, além das inovações em relação ao tratamento, em especial a introdução das terapias-alvo moleculares. Ainda existe grande lacuna de conhecimento em relação ao que torna determinados subgrupos de cânceres potencialmente metastáticos e letais. O rastreamento mamográfico não alterou as taxas de tumores metastáticos nos últimos 20 anos.

É preciso mudar o foco do debate e priorizar o diagnóstico precoce (mulheres com sinais e sintomas) e acesso rápido a diagnóstico e tratamento de qualidade. Enquanto se discute mfaixas etárias e periodicidade do rastreamento, milhares de mulheres com sinais e sintomas ficam aguardando acesso aos serviços de saúde para realizar exames diagnósticos ou iniciar o tratamento.

A probabilidade de encontrar um tumor agressivo em mulheres sintomáticas é muito maior do que encontrá-lo em mulheres assintomáticas. Muitos países desenvolvidos que oferecem programas de rastreamento para mulheres entre 50 anos e 69 anos têm redução expressiva da mortalidade do câncer de mama em mulheres abaixo de 50 anos e acima de 70 anos, comprovando a importância do diagnóstico precoce e tratamento de qualidade e em tempo adequado.

Por fim, um apelo. Em cenário nacional em que a desinformação sobre saúde e ciência é alta e a credibilidade das instituições está em baixa, que tal assumirmos o compromisso de fornecer dados corretos, sermos fiéis às evidências científicas, prezarmos a utilização correta de conceitos epidemiológicos e não apelarmos para o sentimentalismo e o medo para conquistar nossos interlocutores?