Correio braziliense, n. 19.224, 13/01/2016. Política, p. 3

Campanha contra o caixa dois

CRISE NA REPÚBLICA » Diante da proibição do financiamento empresarial, a OAB, a CNBB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral quer criminalizar a prática do "por fora" nas disputas eleitorais
Por: JOÃO VALADARES

 

Diante do fantasma do caixa dois, que assombra as eleições municipais de 2016, sobretudo, após a fixação de um limite de gastos e proibição de doações empresariais, uma rede de comitês voluntários será espalhada pelo Brasil para denunciar qualquer sinal externo de incompatibilidade entre os recursos arrecadados pelos políticos e possíveis campanhas milionárias. A ideia da OAB Nacional, Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) é utilizar a capilaridade da Igreja Católica, por meio das paróquias, e as 1,3 mil subseções da OAB como postos recebedores de denúncias de irregularidades durante a campanha eleitoral. O objetivo é repetir a mobilização vitoriosa ocorrida durante a aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Uma das prioridades do movimento, lançado na tarde de ontem na sede da OAB Nacional, em Brasília, com a presença de várias entidades da sociedade civil organizada e representações de classes, é pressionar o Congresso Nacional para que os deputados aprovem projeto de lei que criminaliza a prática do caixa dois. Hoje, há mais de 20 matérias sobre o mesmo tempo nas gavetas da Câmara e do Senado.

“Nós vamos transformar cada subseção da OAB, que são mais de 1.300 em todo o país, e cada paróquia em comitês contra o caixa dois na campanha eleitoral deste ano. Queremos que a sociedade brasileira tenha consciência de que não pode votar em candidatos que realizarem campanhas incompatíveis com os recursos arrecadados”, informou o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

Sem financiamento empresarial, os candidatos só poderão utilizar os recursos do Fundo Partidário e doações provenientes de pessoas físicas. Há limites de gastos. Na edição de domingo, o Correio mostrou que, no pleito de 2012, por exemplo, prefeitos e vereadores gastaram pouco mais de R$ 3,5 bilhões. Neste ano, os 32 partidos terão R$ 867 milhões, provenientes do fundo, para investir. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, gastou em valores atualizados, pouco mais de R$ 800 milhões nas eleições de 2012. Só no primeiro turno, foram quase R$ 400 milhões. No ano passado, a cota do Fundo Partidário destinada ao PT ficou em pouco mais de R$ 108 milhões, bem distante do total gasto há três anos. O PSDB recebeu, em 2015, R$ 89 milhões do fundo. Em 2012, gastou, apenas no primeiro turno das eleições, R$ 274 milhões em valores atualizados. O abismo é gigantesco.

 

Mecanismos

O principal idealizador da Lei da Ficha Limpa, juiz Marlon Reis, alertou ontem que os candidatos terão que mudar a forma de fazer campanha política. “Há sinais externos de gastos milionários. O fato é que agora houve a proibição das doações empresariais por um lado e, por outro, houve a limitação de gastos de campanha. Essas duas medidas fazem com que nós não podemos ter campanhas ostensivamente parecidas com as que já tivemos sob pena de ter facilitar a descoberta de ilegalidade”, informou.

Reis declarou que o principal trunfo é a transparência que as novas regras permitem. Agora, após receber qualquer doação, o candidato é obrigado a informar, num prazo máximo de 72 horas, quanto e de quem recebeu, explicou. “Por conta da redução do dinheiro lícito disponível, dispomos de mais mecanismos para confrontar o que o candidato declara com aquilo que de fato ele tá fazendo na campanha. E dessa confrontação podem surgir sanções previstas na Lei da Ficha Limpa para o que se chama de abuso de poder econômico. Aquele que usa recursos ilegais pra campanha pode ser cassado com base na Lei da Ficha Limpa, perder o mandato e ficar inelegível por oito anos”, atesta o magistrado.

 

Frases

“Queremos que a sociedade brasileira tenha consciência de que não pode votar em candidatos que realizarem campanhas incompatíveis com os recursos arrecadados”

Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da OAB

 

“Por conta da redução do dinheiro lícito disponível, dispomos de mais mecanismos para confrontar o que o candidato declara com aquilo que de fato ele tá fazendo na campanha”

Marlon Reis, juiz

 

Memória

Exemplo da Ficha Limpa

O parâmetro para a campanha contra o caixa dois, lançada ontem, é a grande mobilização que foi realizada há mais de cinco anos em torno da Lei da Ficha Limpa. Aprovada em 2010, a regra valeu pela primeira vez nas eleições municipais de 2012. A campanha foi encabeçada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e conseguiu reunir mais de 1,3 milhão de assinaturas em todo o Brasil. A legislação, fruto da pressão popular, determina a inelegibilidade, por oito anos, de políticos condenados em processo criminais em segunda instância, cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação, entre outros critérios. A regra ainda torna inelegível os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure improbidade administrativa. Estão na mesma condição aqueles detentores de cargos públicos que beneficiaram a si ou a terceiros, pelo abuso de poder econômico ou político.

Órgãos relacionados:

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Registros do hotel

O operador de propinas Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano, entregou à Polícia Federal cópia dos registros de entrada e saída do hotel em que se hospedou em Brasília, em junho de 2010, ocasião que teria participado de reunião entre o ex-ministro Antonio Palocci e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. No encontro, ele afirma que foi acertado o pagamento de R$ 2 milhões para a campanha da presidente Dilma Rousseff.

O documento foi anexado na quinta-feira pela defesa de Fernando Baiano, com o comprovante das passagens de ida e volta para Brasília, em novembro de 2010. O delator sustenta que, do Hotel Meliá, foi de carona em um carro da Petrobras com Paulo Roberto Costa até uma casa usada pelo comitê da campanha, onde Palocci — que era coordenador da campanha presidencial do PT — e o ex-assessor Charles Capella de Abreu teriam pedido apoio financeiro.

O pagamento de R$ 2 milhões à campanha presidencial do PT em 2010 foi inicialmente apontado aos investigadores da PF em agosto de 2014 por Paulo Roberto Costa, o primeiro delator da Lava-Jato.

O ex-diretor relatou ter recebido um pedido via Alberto Youssef, que teria falado no nome de Palocci. O doleiro negou ter sido ele o autor do pedido e revelou posteriormente que outro operador de propinas traria à tona tal demanda. Ele confirmou que entregou naquele ano R$ 2 milhões, em São Paulo, a pedido de Costa, sem saber quem era o beneficiário.

Na versão de Fernando Baiano, o ex-diretor da Petrobras o teria procurado em 2010 preocupado com sua permanência no cargo em uma eventual vitória de Dilma. O lobista afirma ter se reunido com o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que ele tentasse garantir a permanência de Costa na Diretoria de Abastecimento da estatal caso a candidata petista fosse eleita.

“Bumlai respondeu que sim (poderia ajudar) e que faria o que fosse possível”, afirma Baiano. “Bumlai disse que a pessoa mais indicada para fazer a aproximação de Paulo Roberto Costa com o PT era Antonio Palocci, uma vez que era naquele momento o coordenador da campanha de Dilma Rousseff e provavelmente seria o ministro da Casa Civil.”