Correio braziliense, n. 19.223, 12/01/2016. Economia, p. 7

Mercado vê crise se estender para 2017

Analistas de instituições financeiras duvidam que o Banco Central conseguirá levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, no próximo ano. Com o governo à deriva, expectativas para o desempenho do PIB se deteriora e recessão pode se prolongar

Por: Simone Kafruni

 

O fundo do poço da pior crise econômica do Brasil ficou mais distante. Previsões de especialistas já dão conta de que a recessão vai contaminar 2017 e a inflação só alcançará o centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%, em 2019. De nada adiantou a autoridade monetária sinalizar que a taxa Selic deve subir na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima semana. Sozinha, a política monetária, com elevação de juros para conter a carestia, não tem conseguido ancorar as expectativas, que continuam em deterioração.

No primeiro Boletim Focus do ano, divulgado ontem, com as projeções das 100 maiores instituições financeiras do país, a estimativa para a inflação em 2016 subiu de 6,87% para 6,93%. A velocidade da alta de preços em 2015, a inércia inflacionária e a previsão de novos reajustes de preços administrados, como transportes e energia, já fizeram o BC rever a estratégia e empurrar para 2017 o objetivo de trazer o custo devida para a meta. Os especialistas, no entanto, não acreditam que isso vá ocorrer no ano que vem se o Ministério da Fazenda não fizer um ajuste fiscal consistente, deixando o BC como único responsável pela tarefa de segurar o custo de vida.
Juros mais altos têm efeito recessivo, pois encarecem o crédito e inibem os investimentos. Por isso, o mercado, acredita também, que o recuo do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano será maior que o esperado, atingindo 2,99%, ante uma previsão de 2,67% há um mês. Para 2017, a projeção de expansão da economia se mantém, mas caiu de 1% para 0,86%, reforçando a expectativa de que, a continuar nesse ritmo, a recessão pode avançar também pelo ano que vem.
No entender de Adriano Gomes, sócio-diretor da Méthode Consultoria, o único instrumento que sobrou para controlar a inflação foi a taxa de juros. “Não existe mais o tripé de políticas fiscal, monetária e cambial. A fiscal já está desacreditada. A cambial se esgotou. Sobrou a taxa de juros. Mas, com o BC trabalhando sozinho, é difícil acreditar em melhora”, explicou.
Tanto é assim que nem mesmo a sinalização de que o Comitê de Política Monetária (Copom) está disposto a elevar a Selic em 0,50 ponto percentual, dos atuais 14,25% para 14,75% ao ano, na próxima semana, melhorou as expectativas. Para Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, a inflação só vai convergir para o centro da meta em 2019. “Este ano está perdido, vai fechar acima do teto”, previu.
As previsões do mercado vão de mal a pior porque o governo está perdido. Apesar de afirmar que prioriza o ajuste fiscal, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa prepara um pacote de expansão do crédito para estimular a economia. “É um contrassenso.  De um lado, o BC tenta tirar moeda do mercado. De outro, a Fazenda sinaliza com aumento do crédito. Como estratégia, é muito ruim. É um sinal de desorientação”, avaliou José Kobori, professor de Finanças do Ibmec/DF. “Para complicar, enquanto permanecer a indefinição política, a economia vai continua em deterioração. Se a paralisia na agenda perdurar, teremos PIB negativo também em 2017.”
O Credit Suisse calcula que a atividade econômica vai encolher 8% entre 2014 e 2016, o maior tombo da história do Brasil. “Não existe paralelo nem nos anos 1930. Esta crise é a mais intensa e a mais extensa já vista no país”, disse Newton Rosa, da SulAmérica, que projeta quedas no PIB de 3,7%, em 2015, e de 3% em 2016.
O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, afirmou que as previsões no início de 2015 eram de que este seria um ano de recuperação. “Todo mundo errou”, alertou. Kawall estima queda do PIB de 2,9% em 2016 e de 3,9% no ano passado. “Para 2017, nossa previsão é zero. O fundo do poço ficou para o fim deste ano e a recessão contaminou o próximo”, afirmou. “Na medida que o governo não mostra que buscará um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida)  robusto, a inflação não cede e o PIB desaba”, disse ele.

Pressão
Kawall ainda chamou a atenção para a possibilidade de mais pressão na carestia. “Dada a dificuldade de aprovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), o governo deve aumentar a Contribuição sobre o Domínio Econômico (Cide) da gasolina. Isso terá grande impacto, dentro de uma previsão de câmbio de R$ 4,20 no fim do ano”, assinalou.
Para Gomes, da Méthode, não só o país atravessa a maior crise da história, como o viés é de piora. “O Brasil caminha para um estado provável de insolvência das contas públicas, com a dívida beirando 80% do PIB. Chegar a esse patamar é quase como bater na porta do FMI (Fundo Monetário Internacional), coisa que a gente achou que nunca mais iria fazer”, destacou. O economista lembrou que duas das maiores agências internacionais de classificação de risco já retiraram o grau de investimento da economia brasileira, e não deve demorar para que a terceira faça a mesma coisa. “Além disso, torramos bilhões para segurar o câmbio nas operações de swap feitas pelo BC. Mas, caso ele não fizesse isso, o dólar estaria em R$ 4,70”, ressaltou.



Fazenda nega subsídio
O Ministério da Fazenda afirmou, em nota, que não há espaço fiscal para a concessão de subsídios ao setor automotivo. O documento foi divulgado após o ministro Nelson Barbosa receber o presidente da Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, que apresentou a ele o plano de renovação da frota. Ao sair do ministério, Moan afirmou que as montadoras nunca receberam benesses do governo. “Nunca pedimos subsídio estatal. O programa de redução do IPI não foi um plano de desoneração. Foi um ajuste temporário na mais alta carga tributária do mundo”, sustentou.

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Mais empresas em risco

Com a economia ladeira abaixo, as empresas estão lutando para sobreviver. Os pedidos de recuperação judicial bateram recorde no ano passado e cresceram 55,4% em relação a 2014. Com menos acesso ao crédito e capital de giro limitado para enfrentar a fraca demanda, as micro e pequenas empresas lideraram as insolvências. Os pedidos de falência também aumentaram — 7,3% em 2015.
De acordo com o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações, foram requeridos 1.287 processos de recuperação judicial. Foi o maior resultado anual desde 2006, após a entrada em vigor da nova Lei de Falências, em junho de 2005. Em 2014, foram 828 ocorrências contra 874 em 2013.
Segundo os economistas da Serasa Experian, o quadro conjuntural da economia brasileira que prevaleceu durante o ano de 2015, marcado pelo aprofundamento da recessão, das sucessivas elevações do custo do crédito e da disparada do dólar, prejudicou a geração de caixa das empresas e aumentou seus custos financeiros e operacionais. “Houve deterioração da saúde financeira das empresas brasileiras, ocasionando patamar recorde dos pedidos de recuperação judicial”, explicam os especialistas da entidade.
Do total de 1.287 pedidos, 688 foram feitos por micro e pequenas empresas, 354 por médias e 245 por grande companhias. Em 2015, também foram feitos 1.783 pedidos de falência em todo o país, um aumento de 7,3% em relação aos 1.661 requerimentos de 2014. Do total, 923 foram de micro e pequenas empresas, 415 de médias e 448 de grandes.


Captação encolhe
O volume de recursos captados pelas empresas brasileiras no mercado de capitais caiu 49% no ano passado em relação a 2014, segundo levantamento feito pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Ambima). O total de R$ 124,8 foi o menor dos últimos 7 anos. De acordo com a entidade, além da recessão econômica, a retirada do grau de investimento do país pelas agências Standard & Poor’s e Fitch contribuiu para o resultado negativo. Tanto assim que a queda nas captações foi influenciada, principalmente, pela retração acentuada da emissões de títulos feitas no exterior, que despencaram de US$ 45,5 bilhões para apenas US$ 8 bilhões.

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Bolsa em queda livre

Nova deterioração das expectativas da economia, a sombra da desaceleração da China e a sinalização de novo aumento de juros nos Estados Unidos fizeram o Ibovespa, principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) romper o piso dos 40 mil pontos. Isso não ocorria desde 17 de março de 2009, no auge da crise mundial. No pregão de ontem, o índice recuou 1,63%, aos 39.950 pontos, na quarta queda consecutiva. No ano que mal começou, a bolsa já acumula perda de 7,8%. O dólar subiu 0,28% cotado a R$ 4,052.
Na avaliação do economista-chefe do Home Broker Modalmais, Álvaro Bandeira, a segunda semana de 2016 mostra que os mesmos problemas do início do ano continuam afetando o mercado. “A China segue sendo a maior preocupação pela possibilidade de desaceleração maior do segmento industrial, o que tem arrastado os preços das commodities e outros ativos de países emergentes”, disse ele. A Bolsa da Xangai teve perda de 5,33% e provocou um dia de volatilidade e queda nas principais praças da Europa: Londres caiu 0,69%, Paris recuou 0,49% e Frankfurt teve desvalorização de 0,25%.
No Brasil, o derretimento dos preços das commodities derrubou os papéis de Petrobras e Vale. O petróleo caiu quase 6% ontem, com o barril cotado a US$ 31,22, o menor patamar em 12 anos, e o minério de ferro foi negociado no mercado spot da China com queda de 1,4%, a US$ 40,90 a tonelada. Com isso, as ações preferenciais (PN) da petroleira caíram 2,87%, para R$ 6,09 e as ordinárias (ON) recuaram 3,56%, precificadas em R$ 7,58. Os papéis da mineradora Vale, que vive seu pior momento, caíram 3,41%, a R$ 7,92 (PN), e 2,85% a R$ 10,24 (ON).
A interferência doméstica no comportamento do pregão ontem, conforme Bandeira, veio da pesquisa semanal Focus. O mercado piorou as projeções para a queda do Produto Interno Bruto (PIB), para 2,99%, e elevou a estimativa de inflação para quase 7%. “Além disso, o saldo da balança comercial na primeira semana de janeiro mostrou deficit de US$ 150 milhões e a Anbima anunciou que a captação líquida de fundos atingiu R$ 500 milhões em 2015, quase um terço do R$ 1,4 bilhão verificado em 2014”, ressaltou Bandeira.
Nos EUA, o emprego em alta aumentou a expectativa de que o Federal Reserve (Fed) continuará a aumentar os juros em 2016. Com isso, a tendência é que investidores migrem de aplicações em países emergentes, como o Brasil, para os títulos do governo americano, considerados o investimento mais seguro do mundo. Esse processo valoriza o dólar diante das outras moedas. (SK)