O globo, n. 30114, 18/01/2016. País, p.4

MP vê falhas em licenciamento de barragem

O Ministério Público de Minas verificou que a Samarco obteve autorização para construir a barragem de Fundão, que rompeu em novembro, sem apresentar projeto executivo. Segundo o MP, o processo de licenciamento foi decisivo para a tragédia. As informações foram reveladas pelo “Fantástico”. O Ministério Público de Minas Gerais investiga como a Samarco conseguiu autorização do governo estadual para a construção da barragem de Fundão, que rompeu em novembro, sem apresentar informações consideradas essenciais para a realização do empreendimento. De acordo com o órgão, a licença prévia para a obra em Mariana foi concedida, em 2007, sem que a mineradora apresentasse o projeto executivo, que reúne todas as informações de uma intervenção deste porte.

O MP afirma ainda que técnicos do governo solicitaram a realização de um estudo sobre o escoamento da água. A barragem é vizinha à pilha de estéril — materiais descartados durante a mineração — da Vale, uma das donas da Samarco. Havia a preocupação de que, com a ampliação da barragem, as duas estruturas pudessem se encontrar. O estudo, segundo a investigação, também não foi apresentado. As informações foram reveladas ontem pelo “Fantástico”, da TV Globo.

— O Ministério Público, desde o início, analisou o licenciamento com a maior profundidade possível. Podemos apontar com grande exatidão que ele (licenciamento) foi decisivo para que ocorresse essa tragédia — afirma o promotor Carlos Eduardo Ferreira, um dos responsáveis pelo caso.

 

‘INCONSISTÊNCIAS E OMISSÕES’

O rompimento da barragem deixou 17 mortos e dois desaparecidos. A enxurrada de lama provocou transtornos em cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Além da tragédia social, os impactos ambientais também foram expressivos: depois de contaminar o Rio Doce, a lama chegou ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo, e agora o Ibama investiga se os resíduos já alcançaram o litoral sul da Bahia e o Arquipélago de Abrolhos. O Ministério Público considera que apenas dados básicos relativos ao empreendimento foram apresentados à época do licenciamento e apura por que, mesmo assim, a autorização foi concedida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente.

— O licenciamento todo é uma colcha de retalhos. Cheio de inconsistências, omissões e graves equívocos, que revelam uma ausência de política pública voltada à proteção da sociedade — diz o promotor, que destaca ainda a velocidade com que a obra foi autorizada. — Esse licenciamento foi obtido em tempo inacreditavelmente rápido.

Para o advogado Maurício Campos Júnior, que representa a Samarco, as informações que a empresa julgava necessárias para a construção da barragem foram apresentadas.

— Esses dados técnicos foram apresentados. Talvez não sob a forma de projeto executivo, mas os dados técnicos que eram relevantes foram apresentados na época própria.

 

DRENAGEM RECOMENDADA

Para o atual subsecretário de Regularização Ambiental de Minas Gerais, Geraldo Abreu, o fato de o projeto executivo não ter sido apresentado durante o processo de licenciamento é um “erro grave”. O governo estadual hoje é comandado por Fernando Pimentel, do PT. Em 2007, quando a autorização foi concedida, o governador era Aécio Neves, do PSDB. O responsável pelo licenciamento não foi encontrado para comentar a investigação do Ministério Público.

— Se não havia projeto executivo, nós temos um problema grave — afirmou Abreu. Um relatório obtido pelo “Fantástico” mostra ainda que, durante o processo de licenciamento, a Samarco fez um acordo com a Vale para apresentar uma solução a respeito da drenagem da barragem, devido à proximidade com a pilha de materiais descartados. A solução, no entanto, não foi apresentada. A Vale afirmou à TV Globo que a Samarco era a responsável por resolver o assunto e que nunca houve contato entre a pilha e a barragem. Em 2013, um relatório da VogBr — empresa que atestou a estabilidade de Fundão —, encomendado pela Samarco, apresenta um projeto de drenagem. De acordo com a empresa responsável pelo documento, a água acumulada na base da pilha poderia comprometer a segurança operacional da barragem, porque iria gerar pressão em um dos diques do empreendimento.

 

PRINCÍPIO DE RUPTURA

Em dezembro, O GLOBO mostrou que laudos produzidos pela VogBR entre 2013 e 2015 citavam problemas na barragem como canaletas trincadas, falhas nos canos de escoamento interno de água e no sistema de drenagem superficial.

No sábado, a “Folha de S. Paulo” revelou que o engenheiro responsável pelo projeto disse que avisou à Samarco, após uma inspeção feita em 2014, sobre um princípio de ruptura na barragem. A informação consta do depoimento do projetista à Polícia Federal. Ao GLOBO, o engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila confirmou que comunicou a Samarco sobre os riscos na barragem.

— Identifiquei na inspeção que a barragem tinha sofrido um princípio de ruptura e que isso significava uma situação de risco que deveria ser mitigada. Indiquei três providências: redimensionar o reforço (na barragem), instalar piezômetros (instrumentos que medem a pressão da água) e, se indicassem pressão elevada, rebaixar o nível da água (bombeando-a para fora da barragem).

A Samarco afirma que adotou as providências necessárias. Ao “Fantástico”, o advogado da empresa ratificou a posição.

— O que eu posso afirmar é que a equipe técnica da Samarco sempre adotou todas as medidas resultantes de inspeções e recomendações ordinárias — afirmou Maurício Campos Júnior.

Para o promotor, a investigação já tem dados para assegurar que a tragédia em Mariana era iminente.

— Nós podemos classificar esse rompimento como um desastre já anunciado. A pergunta que fica é: quantos empreendimentos como esse ainda temos no estado de Minas Gerais e no Brasil?