O globo, n. 30111, 15/01/2016. País, p. 3

A revolta dos advogados

Alguns dos mais renomados advogados do país divulgam hoje um manifesto em que atacam duramente a Lava-Jato, acusando-a de violar garantias fundamentais de suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. Em carta aberta, publicada em jornais, 105 advogados, incluindo defensores de réus da operação, dizem que os métodos empregados ameaçam o estado de direito. O documento cita “vazamento seletivo” de informações sigilosas e afirmam que as prisões vêm sendo usadas para forçar acordos de delação premiada. E classifica a Lava-Jato como “uma espécie de inquisição em já se sabe qual será o resultado” antes de as ações penais serem iniciadas.

Integrantes da Lava-Jato ouvidos pelo GLOBO rebateram as acusações, dizendo, entre outras coisas, que o documento aponta “fatos distorcidos e falsos”, e que trata-se de um “ataque público indevido” à Justiça brasileira como um todo, inclusive ao STF, que tem referendado argumentos do Ministério Público e decisões do juiz Sérgio Moro, como a prisão preventiva de acusados. Apesar disso, o procurador da República Carlos Fernando Lima, um dos mais atuantes da Lava-Jato, defendeu a legitimidade do documento:

— Defendemos a liberdade ampla de expressão, especialmente dos advogados contratados pelas defesas.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contestou os advogados e disse que as decisões tomadas têm base legal.

— É um direito (dos advogados) de espernear. Mas as decisões são baseadas em provas robustas. As delações são um ponto de partida das investigações. Para se conseguir uma condenação, todas precisam ser ratificadas. Não se trata de decisões de um juiz isolado. É a jurisprudência reiterada de vários tribunais, inclusive da Suprema Corte — disse o procurador o procurador da República Alan Mansur, diretor de Comunicação da ANPR, ressaltando que já foram ressarcidos ao Erário R$ 2 bilhões em dinheiro público desviado da Petrobras e de outras estatais.

Entre os advogados que assinam o manifesto estão Técio Lins e Silva, Nabor Bulhões, defensor do empreiteiro Marcelo Odebrecht, e Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representa 11 réus. A movimentação para a elaboração e a divulgação da carta começou esta semana. Para obter apoio, os advogados discutiram o conteúdo por e-mail e WhatsApp.

No texto, os advogados dizem que “nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo” envolvam um número tão grande de réus: “O menoscabo à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia de imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusado, a execração pública dos réus e o desrespeito às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da LavaJato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da Justiça criminal brasileira”, diz o texto.

Nabor Bulhões disse que os investigadores da Lava-Jato têm usado a mídia para pressionar o Judiciário e que isso viola as garantias constitucionais. E afirmou que a carta busca garantir julgamentos isentos.

— Não há nenhuma tentativa de cercear a imprensa. Pelo contrário. A imprensa deve ser livre, como livre deve ser o Judiciário de forma a garantir um julgamento justo e imparcial. O que não é razoável é a utilização da mídia para pressionar o Judiciário, constrangendo, inclusive, ministros de tribunais superiores — disse ele.

Segundo Nabor Bulhões, os advogados que assinam a carta participaram diretamente de sua elaboração.

— Todos são conhecedores do texto, e a maioria colaborou com a sua redação. Foi feito a muitas mãos. Isso circulou, teve contribuições — afirmou.

 

ASSINATURA POLÊMICA

Apesar de constar como um dos que assinam o documento, o ex-ministro do STJ Gilson Dipp disse que não apoiou o manifesto. Ele afirmou que não conhece o texto e que não deu a ninguém autorização para incluir seu nome na lista dos apoiadores da causa. Dipp explicou que fez um parecer há mais de um ano criticando pontos específicos da Lava-Jato, de forma técnica. Ele negou ter feito críticas nos mesmos termos do manifesto.

— Não sei por que meu nome está aí. Não assinei nada disso. Devem ter lido meu parecer e acharam que eu apoiaria isso — declarou, contrariado.

Questionado sobre a afirmação de Dipp, Nabor Bulhões afirmou que não procurou o ex-ministro e que, se o nome está na carta, “ele deveria ter autorizado”.

Embora tenha enviado a carta a colegas para colher adesões, Kakay negou ser autor do texto. Disse não saber quem redigiu a carta, nem quem pagou pela publicação nos jornais de hoje.

— Estamos virando um país monotemático, onde só se fala em Lava-Jato, um país punitivo onde a palavra é sempre da acusação. Este é um texto para chamar à reflexão, temos que pensar que país queremos fazer. Não admito que policial, procurador ou juiz tenha a pretensão de dizer que quer um país melhor do que eu quero — disse o advogado, que, entre outros, defende os senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR).

Apesar de a maioria das delações da Lava-Jato ter sido feita por réus em liberdade, Kakay destaca a pressão psicológica por polícia e procuradores:

— Tivemos procurador dizendo, em entrevista, que “passarinho que canta preso canta mais bonito”. É desrespeito a qualquer instituição democrática.

Defensor da Odebrecht, Alexandre Wunderlich disse que os julgamentos da Lava-Jato são um ponto fora da curva:

— A carta é um marco para dizer que algumas pessoas não concordam que os fins justificam os meios. Existem regras, e elas têm que ser cumpridas. A Lava-Jato não é algo à parte.

Trechos

"No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava -Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país”

“O menoscabo à presunção de inocência, ao direito de defesa, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de informações sigilosas (...) estão se consolidando como marca da Lava-Jato”

"Magistrados das altas Cortes estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados”

“É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação”

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Janot pede cassação de deputado petista

Em denúncia apresentada no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a cassação do mandato do deputado Vander Loubet (PT-MS), um dos investigados da Operação Lava-Jato, que apura principalmente irregularidades em contratos da Petrobras. Janot também quer a condenação de Loubet e outras quatro pessoas pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Na denúncia, Janot pede “a decretação da perda da função pública para os condenados detentores de cargo ou emprego público ou mandato eletivo, principalmente por terem agido com violação de seus deveres para com o Poder Público e a sociedade”.

Para que os pedidos tenham continuidade, é preciso que a Segunda Turma do STF aceite a denúncia, dando origem a uma ação penal. Só depois é que ocorre o julgamento de Loubet, do ex-ministro do governo Collor Pedro Paulo Leoni Ramos, do advogado Ademar Chagas da Cruz, cunhado de Loubet, de Roseli da Cruz Loubet, mulher do deputado, e da advogada Fabiane Karina Miranda Avanci. Assim como em outros processos da Lava-Jato no STF, o relator é o ministro Teori Zavascki.

Janot pede ainda que os envolvidos sejam condenados a devolver R$ 1.028.866, acrescidos de juros e corrupção monetária. Esse seria o valor da propina recebida. Janot também quer que eles sejam condenados a pagar pelo menos R$ 5.144.330 (cinco vezes o valor da propina) para reparar danos materiais e morais causados. Para chegar a essa quantia, Janot argumentou que “os prejuízos decorrentes da corrupção são difusos (lesões à ordem econômica, à administração da justiça, à administração pública e ao processo eleitoral, inclusive à respeitabilidade do Congresso Nacional perante a sociedade brasileira), sendo dificilmente quantificados”.

A denúncia, apresentada em dezembro do ano passado, mas divulgada apenas em janeiro, traz também trechos da delação premiada do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, em que ele aponta pagamento de propina a parlamentares e diz que sua indicação para uma diretoria da BR Distribuidora partiu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula nega e diz que a indicação partiu do PMDB.

Cerveró também contou que, depois das eleições de 2010, participou de uma reunião de “acerto geral” no Hotel Leme Palace, no Rio de Janeiro. Segundo ele, estavam presentes outros diretores da BR Distribuidora, Pedro Paulo Leoni Ramos, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) e o ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), na época líder do governo.

De acordo com o relato de Cerveró, ficou acertado naquela ocasião que Andurte de Barros Duarte Filho, da área de Mercado Consumidor da BR, arrecadaria propina para a bancada do PT na Câmara, especialmente para Vaccarezza, Vander Loubet e outros três deputados: José Mentor (SP), André Vargas (PR) e Jilmar Tatto (SP).

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Bumlai agora admite ter discutido permanência de Costa na Petrobras

O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, confessou ter discutido com o lobista Fernando Baiano a permanência de Paulo Roberto Costa em diretoria da Petrobras. Ele voltou a negar, porém, que tenha intermediado encontro entre Baiano e o ex-diretor com o ex-ministro Antonio Palocci para tratar de dinheiro para a campanha da presidente Dilma, em 2010.

Ontem, a PF pôs Baiano e Bumlai frente a frente em acareação. Baiano manteve a versão em que aponta Bumlai como organizador da reunião com Palocci.

É a primeira vez em que o empresário admite ter conversado sobre a permanência de um diretor da estatal no cargo. Em delação premiada, Baiano disse que Bumlai intermediou um encontro entre Costa e Palocci, onde teria sido acordada uma doação de R$ 2 milhões para a campanha de Dilma. Em troca, Costa teria recebido a garantia de sua permanência.

Bumlai admitiu ainda ter tido acesso a Palocci para “marcar reuniões e encontros”, “apesar de não possuir com Palocci o mesmo nível de amizade que tinha com o ex-presidente Lula”.

O ex-assessor de Palocci Charles Capella fez acareações com Baiano e o doleiro Alberto Youssef. Baiano manteve a versão de que Capella participou da reunião com Costa e Palocci. Já Youssef não reconheceu o ex-assessor como o responsável por pegar os recursos para a campanha.