O globo, n. 30111, 15/01/2016. País, p. 4

Cerveró exclui citação a Lula e Dilma em delação premiada

O ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, modificou sua versão sobre um suposto pagamento de propina de US$ 4 milhões à campanha de reeleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, segundo documentos publicados pelo jornal “Valor Econômico”. De acordo com o texto, os recursos teriam origem na obra de Renovação do Parque de Refino (Revamp) da refinaria de Pasadena, no Texas.

O valor do suposto caixa dois foi citado num resumo apresentado por Cerveró quando negociava o acordo de delação premiada com a Lava-Jato. O texto, uma espécie de compromisso de acusações a serem confirmadas após a homologação da delação, entregue pela defesa do ex-diretor aos investigadores, registra que “foi acertado que a Odebrecht faria adiantamento de US$ 4 milhões para a campanha do presidente Lula, o que foi feito”. O tal pagamento seria a contrapartida por contrato obtido pela construtora e pela UTC para a refinaria do Texas.

A menção à suposta propina paga pela Odebrecht desaparece do termo de depoimento em que Cerveró trata do assunto na delação homologada pelo ministro Teori Zavascki, relator da investigação no Supremo Tribunal Federal. No termo, Cerveró cita a UTC ao invés da Odebrecht como pagadora de suborno para o PT. Lula não é mencionado.

“Foi decidido que (...) a contrapartida da UTC pela participação nas obras da Revamp seria o pagamento de propina; que se acertou que a UTC adiantaria uma propina de R$ 4 milhões, que seria para a campanha de 2006, cuja destinação seria decidida pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS)”, afirma trecho do documento obtido pelo Valor.

Outra alteração entre os documentos, segundo o “Valor, é em relação à presidente Dilma Rousseff. Cerveró citou a presidente três vezes no resumo. Disse, por exemplo, que Dilma o incentivou “a acelerar as tratativas sobre Pasadena. Sempre esteve a par de tudo que ocorreu na compra daquela refinaria e realizou diversas reuniões (com Cerveró)".

O documento também diz que Delcídio tinha relacionamento muito próximo com Dilma e cita reuniões entre ele, Cerveró e a presidente. Todas essas menções não constam do termo de delação no capítulo que trata deste tema.

Segundo Cerveró, após a compra de 50% de Pasadena, por US$ 380 milhões, houve pagamento de propina no valor de US$ 15 milhões. Ele próprio receberia US$ 2,5 milhões. O então diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, ficaria com US$ 1,5 milhão, o lobista Fernando Baiano receberia US$ 2 milhões, e três representantes da Petrobras dividiriam US$ 5 milhões. Além disso, caberiam aos representantes da Astra Oil US$ 4 milhões.

Sobre Delcídio, Cerveró apresentou uma nova versão no documento formal. Disse que foi extorquido por ele, entre 2005 e 2006, para campanha do governo de Mato Grosso do Sul. Cerveró afirmou que até então não havia “nenhum negócio na diretoria Internacional da Petrobras que pudesse gerar vantagens indevidas”. Mas, diante das cobranças do senador ao saber da aquisição de Pasadena, Cerveró “disse que iria repassar parte de sua propina ao parlamentar” para não ter a permanência na diretoria ameaçada. O ex-diretor diz que orientou Fernando Baiano a viabilizar o pagamento e que, mesmo depois do acerto, Delcídio seguiu com cobrança de US$ 1 milhão.

O Planalto disse que a compra de Pasadena foi autorizada com base em resumo executivo “técnica e juridicamente falho” elaborado por Cerveró. A UTC afirmou que “nunca foi contratada e não executou obras" em Pasadena”.

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CPI do HSBC terá acesso à lista de brasileiros

A CPI do HSBC, do Senado, que investiga irregularidades em contas abertas por brasileiros na Suíça, ganha novo fôlego com a decisão do governo da França de compartilhar documentação sobre o caso SwissLeaks. Mais de oito mil cidadãos brasileiros são suspeitos de manter contas no banco, entre 2005 e 2007.

Não é crime ter conta no exterior, mas é preciso declarar ao fisco brasileiro. As contas são suspeitas por serem secretas, identificadas apenas por números. De posse da lista, é possível checar se elas, de fato, foram declaradas ou não.

No ano passado, as autoridades francesas negaram à CPI o acesso aos documentos. A previsão era que a comissão concluísse os trabalhos em fevereiro, mas, com os novos dados, o calendário deve ser cumprido até abril.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vicepresidente da CPI, com os documentos a comissão ganha uma “sobrevida”. Os dados devem ser encaminhados ao colegiado nos próximos dias e não podem ser divulgados. O material já está com a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da República.

— A CPI caminhava para ser uma enorme vergonha. Agora, tem uma sobrevida — disse o senador: — A CPI tem tudo para avançar ter conclusões eficazes. Primeiro, confirmaremos os brasileiros que tinham contas. Segundo, vamos apurar quais dessas contas poderiam ser irregulares

 

COOPERAÇÃO JURÍDICA

Os dados das contas secretas do banco HSBC da Suíça foram obtidos pelo governo brasileiro em 2015, por meio de uma cooperação jurídica internacional com o governo da França. As informações foram repassadas ao Ministério Público e à Polícia Federal no Brasil.

A CPI do HSBC foi instalada em março de 2015, depois que arquivos vazados do banco mostraram movimentação suspeita de evasão fiscal de mais de US$ 100 bilhões. Parte desse valor, US$ 7 bilhões, foi distribuída em 5.549 contas abertas por brasileiros.

A divulgação das contas secretas no SwissLeaks revelou que 8.667 brasileiros tinham contas no banco suíço. A CPI criada sobre o caso, no entanto, estava tendo até então dificuldades para acessar dados e dar andamento a seus trabalhos.

Em julho de 2015, após pedir a quebra de sigilo de correntistas, os senadores da CPI cancelaram a quebra de sigilos bancário e fiscal de seis empresários investigados, entre eles integrantes da família Barata, empresários do setor de ônibus no Rio.

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Suspeita de evasão de US$ 100 bi

O caso SwissLeaks começou após o ex-técnico de informática do HSBC Hervé Falciani vazar uma lista de milhares de suspeitos de evasão fiscal às autoridades francesas em 2008: 106 mil clientes de 203 países que, juntos, movimentaram valor superior a US$ 100 bilhões.

A investigação jornalística multinacional sobre o caso foi comandada pelo ICIJ, sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, em parceria com o jornal francês “Le Monde”. Só foram divulgados casos com claro interesse público.

Em 12 de março de 2015, O GLOBO, em parceria com o UOL, teve acesso aos dados do SwissLeaks e revelou que, entre 8.687 brasileiros correntistas do HSBC, em Genebra, havia envolvidos em vários escândalos no Brasil, como Lava-Jato, caso Alstom (metrô de São Paulo) e máfia da Previdência. Entre os casos, havia denúncias de suspeita de desvio de dinheiro ou de fraudes em instituições financeiras.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Fazenda, informou à CPI do HSBC que 50 de 126 brasileiros com contas secretas na Suíça fizeram movimentações financeiras com “indícios de ilícitos” nos últimos anos.