Correio braziliense, n. 19.242, 31/01/2016. Cidades, p. 19

Religiosos e baladeiros em uma só voz

SOCIEDADE » Semana do carnaval coincide com o fim do recesso da Câmara Legislativa, que deve retomar o debate em torno da Lei do Silêncio. A turma que defende mudanças no nível de ruído permitido ganha apoio de peso: a bancada evangélica

Por: MATHEUS TEIXEIRA E ALESSANDRA AZEVEDO

 

O limite de ruído estabelecido pela Lei do Silêncio não incomoda apenas os frequentadores de bares da capital. Das 1.594 reclamações de poluição sonora recebidas pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) em 2015, nem todas foram de moradores revoltados com o barulho de botecos e festas. Muitas queixas partiram de regiões vizinhas a igrejas, o que levou a polêmica legislação, que divide opiniões, a chegar ao ponto de unir dois setores da sociedade com interesses aparentemente opostos: os religiosos e os baladeiros. Essa união pode render a aprovação, na Câmara Legislativa, de uma nova lei para o tema, a ser votada em 2016. Nesta semana, a volta ao trabalho do parlamento coincide com a véspera de carnaval e o assunto deve entrar em discussão.

No início do ano, Ricardo Vale (PT) propôs aumentar os limites permitidos, de 55dB, durante o dia, e 50dB, à noite, para 75dB e 70dB, respectivamente. Chegou a realizar uma audiência pública a respeito, em junho, em que artistas e integrantes de conselhos comunitários bateram boca e quase foram às vias de fato. A matéria, porém, não andou por falta de apoio. Mas, agora, o cenário pode mudar: a bancada evangélica, a mais numerosa do parlamento local, deve aderir à causa.

O distrital Rodrigo Delmasso (PTN) afirma que sua posição em nada tem a ver com as recorrentes multas tomadas pelos templos, mas ele classifica a atual legislação como “hipócrita” e acredita que mudanças são necessárias. “Eu e meu colega Júlio Cesar (distrital do PRB e líder do governo) estamos dispostos a intermediar uma negociação para chegar a um consenso. Do jeito que está não pode continuar”, opina. Vale defende a alteração na legislação e está otimista em relação à aprovação do projeto este ano. “É importante esclarecer que não queremos liberar som alto no meio da quadra durante a madrugada. Pretendemos mudar os parâmetros atuais. Hoje, uma roda com três pessoas extrapola o limite permitido. E isso é um absurdo”, observa.

 

Grupo de trabalho

O governo local admite mudar a legislação e montou um grupo de trabalho com as secretarias envolvidas para estudar o tema. O secretário de Cultura, Guilherme Reis, afirma que os trabalhos são realizados “a partir do projeto de Ricardo Vale” — o distrital, porém, não foi convidado para os encontros. Reis lista uma série de fatores que levaram a situação ao ponto de parecer impossível um acordo entre contrários e defensores da lei. “Os comércios próximos às residências, aliados à grande circulação de pessoas, à falta de estacionamento, ao vozerio e, eventualmente, à música, geraram um caldeirão que tem incomodado uma faixa da população”, admite.

O chefe da pasta acredita que é necessário deixar de lado o radicalismo para chegar a um ponto comum. Ele menciona algumas mudanças possíveis: “Estamos nos baseando no projeto do deputado e queremos fazer outras propostas, porque a gente acha que há, sim, como modernizar essa questão, há como pensar em setorização da cidade, diferenciação de dias da semana. Uma coisa é a caixa de som voltada para a rua, outra voltada para a quadra, por exemplo. É um problema difícil de resolver e que envolve todo DF”, acredita.

 

Distância

Para Thiago Sombra, professor de direito civil da Universidade de Brasília (UnB), o ideal seria que as festas fossem feitas em locais mais afastados. Esse fato poderia elevar o limite de decibéis para 65 à noite, em Brasília, se fossem deslocadas para áreas mistas com vocação recreativa. “É o que é feito em países como França e Inglaterra, nos quais as festas e casas de show ficam distantes do centro, para não atrapalhar a vizinhança. Eles precisam de alvará a fim de fazer mais barulho e a fiscalização é pesada”, conta o professor Thiago Sombra.

O especialista acredita que a falta de consenso em relação às leis do silêncio no Brasil se deve à dificuldade de instrumentalizar a poluição sonora. “A maioria das prefeituras não consegue mensurar e localizar os problemas. É preciso fazer um mapa acústico para entender o que pode ser feito e se há necessidade de alguma mudança na lei do silêncio”, afirma o professor.

Segundo ele, essa ferramenta tem sido bem implementada em cidades como São Paulo e Fortaleza. “Em São Paulo, há um zoneamento muito bom, feito pelo município. Em Brasília, por outro lado, não é muito claro, o que gera muitos problemas, como o fechamento recente de alguns bares e as reclamações de moradores”, afirma. Na Europa, zoneamento é regra. “As capitais europeias investem em equipamentos adequados para isso. Todas as cidades são divididas em zonas, que são estudadas meticulosamente para não ter esse tipo de controvérsia”, explica Sombra.

 

Frases

"É preciso fazer um mapa acústico para entender o que pode ser feito e se há necessidade de alguma mudança na lei do silêncio”

Thiago Sombra, professor de direito da UnB

 

“Pretendemos mudar os parâmetros atuais. Hoje, uma roda com três pessoas extrapola o limite permitido. E isso é um absurdo”

Rodrigo Delmasso (PTN), deputado distrital