Correio braziliense, n. 19.221, 10/01/2016. Política, p. 3
Os defensores das mudanças das regras eleitorais apontam a transparência dos gastos de campanha como principal trunfo para por uma trava definitiva na velha engrenagem de corrupção que alimenta historicamente o toma lá dá cá entre candidatos e doadores. A Lei nº 13.165/2015 conferiu nova redação ao artigo 28 da antiga legislação ao fixar que os partidos, as coligações e os candidatos são obrigados, durante os pleitos, a divulgar em site criado pela Justiça Eleitoral as doações recebidas em até 72 horas.
Antes da reforma eleitoral deste ano, o Congresso tinha que aprovar lei fixando os limites dos gastos. Na ausência desta regulamentação, eram os próprios candidatos que delimitavam o teto máximo. Desta maneira, os valores eram informados à Justiça Eleitoral no momento do pedido de registro de candidatura.
O juiz Marlon Reis, um dos principais articuladores e idealizadores da Lei da Ficha Limpa, afirma que, agora, com a reforma eleitoral, há uma transparência muito maior. “O caixa dois não vai ser ampliado. Infelizmente, esta prática é a base das eleições brasileiras. O fato é que o financiamento empresarial nunca cumpriu o princípio da transparência. Não existe um mecanismo de controle eficiente para declararem aquilo que gastaram. O que combate o caixa dois não é dizer quem pode doar ou não. É a fiscalização”, atesta o magistrado.
Ele afirma que nunca houve uma possibilidade tão eficaz de fiscalização como agora. “Durante a eleição, os eleitores vão saber o volume arrecadado. Isso está na lei. É obrigatório. Mais do que os eleitores, quem vai fazer esse acompanhamento diário é o Ministério Público e os próprios adversários”, declara.
O juiz ressalta que as campanhas não poderão ser ostensivamente milionárias. “Existem sinais que apontam que há gastos fora do padrão. Evidente que vamos ter um recuo. Não depende da vontade dos candidatos. Antes, não havia limite. Não tinha teto fixado em lei. O maior fiscal é o próprio adversário. Embora não tenha crime de caixa dois, mas a punição é perda do mandato e inelegibilidade por 8 anos. Por isso, vislumbro uma explosão de questionamento judiciais nestas eleições. Serão as mais judicializadas da história”, comenta.
As novas regras
Os candidatos aos cargos eletivos em 2016 (prefeitos e vereadores) serão financiados exclusivamente por doações de pessoas físicas e por recursos do Fundo Partidário
» As doações empresariais estão terminantemente proibidas
» Os candidatos não podem mais receber doações diretamente. Os recursos serão repassados aos partidos, que, por sua vez, distribuem entre os filiados que vão disputar a eleição. Os critérios de distribuição são decididos internamente pelas legendas
» As pessoas físicas só podem doar até 10% da sua renda bruta do ano anterior
» O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai definir, em julho, o limite de gastos nas eleições de prefeitos e vereadores
Como será calculado o teto
Prefeitos
1º turno
» 70% do valor da campanha mais cara a prefeito em 2012 onde a eleição terminou no 1° turno 50% do gasto total da campanha mais cara a prefeito onde houve 2° turno em 2012
2º turno
» 30% do teto estipulado para o 1° turno
Vereadores
» 70% da campanha a vereador mais cara na cidade em 2012
Municípios com até 100 mil habitantes
» Limite de gasto de R$ 100 mil para campanha de prefeito e R$ 10 mil de vereador.
Cálculo do Fundo Partidário
» Do total aprovado pelo Congresso, 5% é dividido igualmente entre os 32 partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os outros 95% são distribuídos de acordo com a proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados.
» No ano passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou um aumento no valor do Fundo Partidário. Passou de R$ 289,5 milhões para R$ 867,5 milhões.
Outras mudanças
Tempo reduzido na tevê e mais inserções
» O tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão foi reduzido de 45 para 35 dias. Os blocos de horário eleitoral gratuito foram encurtados de 30 para 10 minutos. Os vereadores só poderão mostrar suas propostas agora nas inserções de 30 a 60 segundos, ao longo da programação. O tempo total das inserções aumentou de 30 para 70 minutos.
Liberada a pré-campanha
» Todos os políticos poderão se apresentar como pré-candidatos, participar de eventos, debates e prévias partidárias. Só não podem pedir votos aos eleitores. Antes, este tipo de prática poderia ser punida ao ser classificada como campanha antecipada.
Prazo maior para troca de partido
» O candidato só precisa se filiar ao partido no prazo mínimo de seis meses antes da eleição. Em 2012, era preciso se alistar até um ano antes do pleito.
Quociente eleitoral
» Pela nova legislação, para se eleger com base no desempenho da legenda, o candidato precisa ter pelo menos 10% do quociente eleitoral, que é o cálculo da divisão de todos os votos válidos pelo número de vagas em disputa.
Campanha
Na próxima terça-feira, a OAB Nacional, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) lançam uma campanha contra o caixa dois nas eleições municipais deste ano. “Exigiremos que o Congresso vote o projeto de lei que criminaliza o caixa dois nas eleições”, afirma o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
“Vamos transformar cada subseção da OAB, cada paróquia e cada sede das entidades que participarem do movimento, inclusive do MCCE, em comitês de combate ao caixa dois eleitoral”, assegura. A campanha também vai incluir fiscalização dos candidatos.“Vamos denunciar todos os candidatos que fizerem campanhas milionárias, desproporcionais ao valor arrecadado legitimamente de pessoas físicas e repasses do fundo partidário”, afirma.
A conscientização dos eleitores para a moralização dos costumes políticos do Brasil também fará parte das ações nos comitês contra o caixa dois. “O voto consciente e a participação do cidadão nos comitês de combate ao caixa dois são essenciais à construção do país que queremos, justo e ético”, afirma o presidente da OAB. (JV)