Correio braziliense, n. 19.221, 10/01/2016. Economia, p. 7

Uma senhora de 73 anos que precisa se modernizar

Legislação trabalhista emperra a livre negociação entre patrões e empregados e promove uma enxurrada de ações na Justiça. Debate sobre mudanças esbarra na falta de empenho do governo, na visão corporativista e no medo da retirada de direitos

Por: VERA BATISTA

 

Oportuna e eficaz, quando foi criada, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) envelheceu e, na opinião de especialistas, não atende mais as necessidades do terceiro milênio. Apesar de estar anacrônica, ultrapassada e irreal, se tornou um tabu entre os políticos, que temem a força dos sindicatos na hora das eleições. Mas sem uma reforma trabalhista, ficará cada vez mais caro contratar num país que assiste o desemprego avançar e os investimentos produtivos, despencarem.

O assunto é complexo, mas não há como fugir dele, reconhece o governo, que vê necessidade de tornar as relações entre patrões e empregados mais flexíveis. O problema é que, depois de tanto adiamento, a reforma trabalhista tornou-se inevitável num contexto de forte recessão econômica, em que o temor de perder direitos fica mais latente. Na opinião de empresários e juristas, da forma como está, a legislação trava o desenvolvimento, aumenta os custos e cria insegurança jurídica. Para trabalhadores, no entanto, é preciso cautela, para que não se abra espaço a medidas oportunistas.

“A economia é reflexo das relações de trabalho. Leis que engessam vínculos entre empregados e patrões e afastam as empresas que querem se estabelecer no Brasil. Haverá sempre o temor de que cada medida para elevar a competitividade resulte em alto custo com indenizações desnecessárias”, diz o advogado Danilo Pieri Pereira, sócio do escritório Baraldi Mélega Advogados. No entender da gerente executiva de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sylvia Lorena de Souza, “na tentativa de proteger o empregado, a legislação virou um tiro no pé”. Para ela, as modernas relações devem “harmonizar produtividade, competitividade e ganhos para os trabalhadores”.

 

Sentenças

Absurdos não faltam na CLT, como, por exemplo, uma pessoa que completa 50 anos não poder mais dividir as férias. Nada, porém, assusta mais do que a falta de flexibilidade nas relações trabalhistas, que quase levou o empresário Antônio Abreu Cadoro, dono de uma pequena fábrica de sapatos em Planaltina, a fechar as portas. Ele contratou um funcionário despreparado e, por conta disso, precisava ligar para ele constantemente fora do expediente a fim de entender o que havia sido feito e corrigir os erros. Tempos depois, o trabalhador entrou na Justiça e provou que era procurado fora do horário de trabalho. “Ele conseguiu um ressarcimento enorme, sem ter direito, e a empresa, que estava em um momento de renovação de equipamentos, teve dificuldades para pagar”, afirma.

Margarida Sarmento Andes tem queixa semelhante. Ela teve uma secretária que, pelo menos duas vezes por mês, acompanhava até tarde as reuniões de diretoria. “Era uma pessoa de extrema confiança, tinha banco de horas e várias compensações, como viagens ao exterior e ao estado onde nasceu, para visitar a família, pagas pela empresa. Nada disso adiantou. Bastou ela recorrer à Justiça e dizer que foi explorada, e tivemos que arcar com uma grande indenização”, lamenta. Agora, na firma de Margarida, não há mais “jeitinho”, acordos de boca. Tudo é registrado. Os funcionários perderam o direito a negociação de folgas e de horários. “Lei é para ser cumprida”, diz.

Sem mudanças na legislação, os magistrados ficam limitados no poder de julgar. Como a lei ignora a ampliação do diálogo entre patrões e empregados e as novas formas de organização da produção, as decisões dos tribunais desconsideram os acordos negociados livremente entre as partes, assinala o sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Federação Nacional do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP). Ele lembra que o Brasil é campeão mundial de ações trabalhistas. A Justiça do Trabalho recebe mais de 2 milhões de processos ao ano. Em 2012, os custos com os julgamentos dos processos chegaram a R$ 11,8 bilhões e as sentenças determinaram pagamento de R$ 11,2 bilhões.

Para Carolina de Quadros, advogada trabalhista do escritório A. Augusto Grellert Associados, o debate sobre a CLT deve tomar um tom mais técnico e menos emocional. “Há bastante coisa em andamento. Temos uma onda de alterações importantes em questões pontuais no trabalho a distância e no controle e fiscalização, além do significativo avanço na lei das empregadas domésticas”, diz. No entender dela, a CLT é protecionista, porque foi criada com essa finalidade.

 

Custo dos acessórios

Presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, por ocasião do aniversário de 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), divulgou dados alarmantes. Segundo ele, os gastos das empresas com o trabalhador, em qualquer setor, ultrapassam em até 183% os valores recebidos efetivamente pelos empregados, devido a custos acessórios e encargos trabalhistas. Os encargos que oneram as empresas são repassados aos preços dos produtos — o que gera inflação — ou são incorporados pelos empregadores, reduzindo as margens de lucro e os recursos para investimentos e geração de novos empregos.

 

Frases

“A economia é reflexo das relações de trabalho. Leis que engessam vínculos entre empregados e patrões afastam as empresas que querem se estabelecer no Brasil”

Danilo Pieri Pereira, sócio do escritório Baraldi Mélega Advogados

 

“Na tentativa de proteger o empregado, a legislação virou um tiro no pé. As modernas relações devem harmonizar produtividade e ganhos para os trabalhadores”

Sylvia Lorena de Souza, gerente de Relações do Trabalho da CNI

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Saídas do mercado

Sem avanços na reforma trabalhista, o próprio mercado busca saídas para não parar: terceiriza serviços, contrata empregados como pessoas jurídicas. Mas o assunto é polêmico e, enquanto as leis não forem modificadas, o risco jurídico é grande. Estima-se que, somente casos envolvendo a administração pública, pelo menos 13 mil ações sobre terceirização estejam no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Por isso, destacam os especialistas, a regulamentação do trabalho terceirizado é necessária, pois dará mais segurança jurídica e protegerá os direitos dos trabalhadores. Os sindicalistas, no entanto, são contra. Para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a terceirização é nociva à sociedade, e será usada pelas grandes empresas para reduzir a folha de pagamento, abrindo as portas para violações, como exploração de mão de obra, calotes de salários, riscos à saúde e jornadas excessivas.

 

Fraudes

As centrais elencam nove pontos principais contrários aos argumentos patronais. Entre eles, estão a redução de benefícios e salários — o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que os terceirizados ganham 24% menos que os empregados formais e trabalham, em média, três horas a mais por semana —, a redução da arrecadação do Estado e a possibilidade maior de corrupção e desvio de dinheiro público.

Mesmo concordando com a modernização das leis trabalhistas, o advogado Mário Carvalho ressalta que não há inocentes entre patrões e empregados, e que, a cada avanço ou retrocessos legais, são criados mecanismos de fraude de ambos os lados. “Em primeiro lugar, o empresário não deixa de contratar e de registrar um empregado pelos benefícios que terá de pagar. O que realmente é caro são os impostos que incidem nessa relação, como PIS, Cofins e contribuição previdenciária. É o dinheiro que vai para o governo federal”, afirma. (VB)